terça-feira, 24 de abril de 2012

ESPIRITEIROS


A possibilidade de se melhorarem noutra existência não será de molde afazer que certas pessoas perseverem no mau caminho, dominadas pela idéia de que poderão corrigir-se mais tarde?

Aquele que assim pensa em nada crê e a idéia de um castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra, porque sua razão a repele, e semelhante idéia induz à incredulidade a respeito de tudo. Se unicamente meios racionais se tivessem empregado para guiar os homens, não haveria tantos cépticos. De fato, um Espírito imperfeito poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas, liberto que se veja da matéria, pensará de outro modo, pois logo verificará que fez cálculo errado e, então, sentimento oposto a esse trará ele para sua nova existência. É assim que se efetua o progresso e essa a razão porque, na Terra, os homens são desigualmente adiantados (....) Questão 195

Não encontraremos no dicionário a expressão ”espiriteiro”.

Podemos situá-la como um neologismo (palavra nova) para definir pessoas que se ligam ao Centro Espírita desligadas das finalidades do Espiritismo.

Espiriteiro é o ”papa-passes”, que comparece às reuniões apenas para receber sua ”hóstia” depuradora, representada pela transfusão magnética.

Freqüentador assíduo de ”consultórios do Além”, grupos mediúnicos que se formam apenas para receber favores espirituais, não consegue compreender que o Espiritismo não é mero salva-vidas para acidentes existenciais nascidos de sua própria invigilância.

Refratário a qualquer compromisso que imponha disciplinas de horário e assiduidade, alega absoluta falta de tempo, sem atentar a um princípio elementar: tempo é uma questão de preferência.

Kardec fala dos espiriteiros, em ”O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no capítulo XVII: Nalguns, ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do infinito, donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores, nem com seus hábitos, não percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados.

Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente- para guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações.

Atêm-se mais aos fenômenos do que à moral, que se lhes afigura cediça e monótona.

Pedem aos Espíritos que incessantemente os iniciem em novos mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignos de penetrar os arcanos do Criador.

Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas e das prevenções.

Tive um amigo espiriteiro, um ”bon vivant”, dado a aventuras extraconjugais e viciações. Embalado pelo comodismo, surdo e cego aos princípios espíritas que dizia esposar, justificava sua posição:

- Temos milênios pela frente, nos domínios da eternidade. Retornaremos incontáveis vezes ao educandário terrestre. Por isso não há pressa. O que não fizer hoje, faço amanhã. Além do mais, ninguém é de ferro. Disciplina demais é tirania do cérebro sobre o coração. Como ensinava Jesus, ”o Espírito é forte, mas a carne é fraca”. Homem que sou, não posso furtar-me às contingências do mundo. Incrível! Uma observação tão séria de Jesus, em circunstância dramática, é vulgarizada, com inversão de seu significado para justificar os desatinos de um espiriteiro!

Textualmente, segundo Marcos (14:38), diz Jesus: Vigiai e orai para que não entreis em tentação.

O Espírito, na verdade., está pronto, mas a carne é fraca.

O Mestre fez esta advertência no Horto, antes de ser entregue soldados romanos. Em plena madrugada recomendava aos discípulos que o ajudassem na vigília, buscando, em oração, a proteção divina para os testemunhos que viriam.

Embora a fraqueza da carne representasse naquele momento o sono que insistia em apossar-se dos discípulos, ficou o simbolismo vigoroso quanto à necessidade de vigiarmos nossos pensamentos, a fim de não nos deixarmos dominar por impulsos incompatíveis com os princípios religiosos que esposamos.

O grande recurso, nesse propósito, é a oração, evocando as forças do Céu, no empenho por mantermos nossa integridade moral.

O reconhecimento, pois, de que ”a carne é fraca”, deve ser, à luz dos ensinamentos evangélicos, uma advertência; jamais uma justificativa para deslizes de comportamento.

A intenção de transferir para um futuro remoto nossas realizações espirituais, como pretendia nosso amigo espiriteiro, é algo um tanto irracional, porquanto o contato com a verdade implica em compromisso com ela.

É até compreensível que alguém se recuse a levar a sério a idéia de que há penas e castigos eternos para os que não se ajustam a determinados princípios religiosos. Quando aprendemos a raciocinar escasseia espaço em nosso cérebro para a fantasia.

O mesmo não ocorre com a idéia da reencarnação, que se exprime na lógica, dando-nos conhecimento dos porquês da existência humana, onde somos convocados ao desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras, superando mazelas e imperfeições.

Sobretudo, ficamos sabendo que a Dor, a grande mestra, tende a acentuar sua energia na proporção em que, tomando conhecimento do que nos compete, deixamos de fazê-lo.

***

Abeberando-nos do conhecimento espírita, não haverá justificativa para a omissão. Partindo da afirmativa evangélica de que muito será pedido ao que muito recebe, concluímos que nós, espíritas, estaremos sempre em débito com a Doutrina, porquanto o empenho de uma vida será pouco, ante a gloriosa visão de realidade espiritual que ela desdobra aos nossos olhos.

Companheiros que se manifestam nos Centros Espíritas a que estiveram vinculados, reportam-se a esse problema.

Não tiveram dificuldade em reconhecer sua nova condição, bafejados pelo conhecimento doutrinário.

Habilitam-se à proteção de benfeitores amorosos, ligados que estiveram a atividades no campo da fraternidade humana.

Reportam-se a indescritíveis emoções, no reencontro com familiares queridos.

Mas, com freqüência, revelam indefinível tristeza, por não terem aproveitado integralmente as oportunidades recebidas.

Guardam a nostalgia do ideal espírita não realizado. Embora as conquistas alcançadas como espíritas, não conseguem furtar-se à penosa impressão de que estiveram mais para espiriteiros...



Richard Simonetti

Livro: Quem tem medo de Espíritos

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