sexta-feira, 2 de abril de 2010

CHICO XAVIER - 100 ANOS



Artigo comemorativo dos 40 anos da mediunidade de Francisco Cândido Xavier, transcrito de REFORMADOR de julho de 1967, p. 145-147.

No segundo semestre de 1927 desabrochou a extraordinária mediunidade psicográfica de Francisco Cândido Xavier, como está honestamente escrito por ele mesmo no prefácio de Parnaso de Além-Túmulo. Entre seus mais íntimos companheiros estavam seu irmão José Cândido Xavier e alguns amigos, todos eles espíritas iniciantes, que se entusiasmaram com a produtividade do rapaz e trataram de dar-lhe divulgação pela imprensa periódica, quer sem nenhuma “correção”, quer fazendo pequenas modificações num ou noutro verso que lhes parecia obscuro ou errado. Tomando, porém, a produção como sendo do jovem Chico, embora este afirmasse a impossibilidade de ser ele o autor, não vacilaram em pôr embaixo das composições o nome F. Xavier, como lhes parecia certo e honesto, já que a elas nenhuma assinatura havia sido aposta.
Os companheiros que procediam dessa forma, à revelia do “poeta”, então inexperiente rapazote com menos de vinte anos, notando que os versos eram de gosto dos espiritistas, enviavam-nos à imprensa espírita, que os publicava na melhor boa-fé. Por que não? Era um novo poeta espírita que aparecia. Afora isso, e em razão da beleza e perfeição das páginas literárias do jovem mineiro, resolveram distribuí-las também à imprensa leiga, e assim é, por exemplo, que no Jornal das Moças, de 1931, encontram-se publicadas algumas delas, todas assinadas simplesmente – F. Xavier.
Quando começou a ver jornais e revistas com “seus” versos, Francisco Cândido Xavier pediu insistentemente aos amigos que não tomassem tal atitude, porque o assunto era muito sério e merecia acurado estudo e todo o respeito. Os poemas realmente não eram seus, pois não despendia nenhum esforço intelectual ao grafá-los no papel, conforme reiterou, mais tarde, em Parnaso de Além-Túmulo.
Os adversários do Espiritismo até hoje se servem dessas publicações para moverem torpe campanha contra o médium: dizem que ele é um poeta genial e, por isso, capaz de imitar todos os estilos. E nós acrescentamos: até o estilo e a letra de pessoas incultas que nada deixaram publicado, como se observa nas mensagens íntimas de parentes e amigos de visitantes, e o estilo e o talento de grandes autores totalmente desconhecidos, como no caso das imponentes obras de Emmanuel e André Luiz.
Foi em fins de 1931 que o médium resolveu enviar ao então Vice--Presidente da FEB, Manuel Quintão, um punhado de poesias, recebidas a partir de agosto do mesmo ano, mas, agora, assinadas por nomes respeitáveis da literatura luso-brasileira*.
Acompanhava os originais uma carta simples e humilde, na qual o signatário pedia examinassem a produção e dissessem de sua possível identificação autoral.
Afrontando a dúvida e a contradita de companheiros, Manuel Quintão, escritor e poeta, não hesitou em aceitar a origem mediúnica das poesias e a probidade moral daquele que as veiculava. Sem conhecer pessoalmente o médium, o que sucederia tão-só em março de 1936, o Vice-Presidente da FEB fez lançar em junho** de 1932 o Parnaso de Além-Túmulo.
Vamos reproduzir aqui quatro sonetos que foram publicados com o nome de F.Xavier, mas repondo agora os nomes dos verdadeiros poetas que os escreveram. O nosso querido amigo nunca foi poeta nem escritor, nem pretendeu sê-lo; é, isto sim, um grande médium psicógrafo, um missionário do Alto, que merece toda a nossa admiração pela obra que vem realizando, de restauração do Cristianismo primitivo. Os versos mesmos identificam seus autores, como notará o leitor:

Os Felizes

No triste horror,
Destes caminhos
Cheios de espinhos,
E de amargor,

Os pobrezinhos,
Filhos da Dor,
Têm mais carinhos
Do Criador!

Pois sabem ver,
Em seu sofrer
Pela existência,

A caridade,
Suma bondade
Da Providência!

João de Deus
(Do Reformador de 16-2-1930.)

O Cristo de Deus

Lendo M. Quintão

Cristo de Deus, que eras a pureza
Eterna, absoluta, invariável,
Antes que fosse a humana natureza,
Este Cosmos – matéria transformável;

Que já eras a fúlgida realeza,
Dessa luz soberana, imponderável,
O expoente maior dessa grandeza,
Da grandeza sublime do Imutável!

Ainda antes da humana inteligência,
Eras já todo o Amor, toda a Ciência,
Perfeição do perfeito inconcebível;

Foste, és e serás eternamente,
O Enviado do Pai onipotente,
Cristo-Luz da verdade inconfundível!

Anthero de Quental
(Do Reformador de 16-5-1930.)

Crê!

Há na crença uma luz radiosa e pura,
Que transfigura os prantos em prazeres,
Que transforma os amargos padeceres,
Em momentos de mística ventura.

Confia, espera e crê. Quando sofreres,
Sob os guantes da ríspida amargura,
Nas tormentas acerbas dos deveres
Esquecerás a dor e a desventura.

É que, em meio das mágoas mais atrozes,
Sentirás dentro em ti estranhas vozes
Repletas de doçura indefinida:

São os seres ditosos, superiores,
Que nos impelem a nós, os sofredores,
Aos luminosos planos da outra vida.

Anthero de Quental
(Do Reformador de 16-7-1931.)

Sobre a Dor

Suporta calmo a dor que padeceres,
Convicto de que até dos sofrimentos,
No desempenho austero dos deveres,
Mana o sol que clareia os sentimentos.

Tolera sempre as mágoas que sofreres,
Em teus dias tristonhos e nevoentos;
Há reais e legítimos prazeres
Por trás dos prantos e padecimentos.

A dor, constantemente, em toda a parte,
Inspira as epopéias fulgurantes,
Nas lutas do viver, no amor, na arte;

Nela existe uma célica harmonia,
Que nos desvenda, em rápidos instantes,
Mananciais de lúcida poesia.

Cruz e Souza
(Do Jornal das Moças, ano 1931.)

Parece-nos que esses quatro sonetos de grandes Espíritos, os quais foram publicados como de autoria de F. Xavier, bastam para demonstrar a verdade acima afirmada: de que o nosso amado irmão não foi, não é, nem pretendeu ser poeta, e só por excessivo entusiasmo de seus íntimos apareceu na imprensa como autor de versos.
Sua missão é muito maior que a de um grande poeta, e, depois de decorridos quarenta anos, qualquer dúvida que ainda subsista entre os nossos adversários ocorre, unicamente, pelo espírito de má-fé. Para esses céticos, tudo é fraude, desonestidade, mistificação, percepção extra-senso-rial, etc., etc., embora os fatos contrariem berrantemente todas essas insinuações da intolerância e do falso saber. Como há mais de cem anos caluniam as meninas Fox, sem o menor escrúpulo, compreende--se que esta é a via-crucis natural e normal dos grandes médiuns.
Foi em 16 de fevereiro de 1930 que pela primeira vez a FEB deu a público, no seu órgão Reformador, versos recebidos por Francisco Candido Xavier, assinados F. Xavier, muito embora o desenvolvimento da mediunidade psicográfica deste se processara desde a segunda metade do ano de 1927, quando passou a fazer parte de pequeno núcleo de adeptos da Doutrina, na cidade mineira de Pedro Leopoldo.
Portanto, há quarenta anos [em 1967] foi iniciado o exercício mediúnico do nosso amigo, mas a data que devemos registrar, como marco de sua grande e abençoada missão pública, é junho de 1932 [ver nota na p. 12], quando foi posta à venda, na Livraria da Federação Espírita Brasileira, a edição príncipe do Parnaso de Além-Túmulo.
Foi o primeiro de uma série, ainda não interrompida, de quase cem livros [hoje 412], cujos direitos autorais, de todos eles, foram graciosamente cedidos a sociedades espíritas. Esses celeiros de luz vão transformando a mentalidade de um povo e terão de influenciar toda a Humanidade do porvir!

ISMAEL GOMES BRAGA


* Cf. Parnaso de Além-Túmulo, 8a edição, pág. 24, terceiro parágrafo.
** O livro foi editado em 06 de julho de 1932. (N. da R.)

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