quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

ANJOS DA CAMINHADA

Nenhum de nós, por mais humilde ou insignificante que se sinta, está desamparado espiritualmente. Mesmo aquelas entidades que perambulam na erraticidade, prisioneiras de ilusões, lamentações ou remorsos e que parecem estar abandonadas à própria sorte, recebem, incessantemente, o influxo da vontade e da misericórdia de Deus, oferecendo oportunidades e estímulo para a mudança de cenários.
Encarnados e desencarnados, em todos os níveis da evolução espiritual, contam com o apoio, com o amor fraterno, com a compreensão de seres mais elevados que, em muitas ocasiões, se dispõem a ajudá-los, acompanhando-os diretamente em experiências na carne.
Nessas situações, Deus permite que aqueles que já se adiantaram voltem para ajudar e soerguer os caídos do caminho, provendo-os das forças necessárias à recomposição evolutiva.
Sacrificam-se, muitas vezes, preferindo permanecer gravitando em torno do planeta, ao invés de alcançarem vôos mais elevados a que já têm direito pelo mérito adquirido. Voltam para carne na figura de mãe dedicada, de companheira ou esposa paciente, de filhos ou o de filhas amados com fervor. A presença deles é sempre o bálsamo, o equilíbrio natural para a família. São em geral aquelas pessoas que asseguram a paz e a felicidade aos demais entes queridos, em função do adiantamento espiritual que já atingiram. Assim o fazem movidos pelo amor e pelo desprendimento que já carregam e que os levam a suportar toda a sorte de provas e expiações, onde, pelo exemplo e pelo testemunho, ajudam a reencaminhar, a reeducar aqueles companheiros de outras eras, e a quem se dispuseram a auxiliar.
A literatura espírita está cheia de histórias e de testemunhos da existência dessas almas bondosas e abnegadas que se comprometem com o amor e que não se sentem felizes enquanto seus amados e queridos, afetos ou desafetos do pretérito, não conseguirem reassumir os lugares que lhes são próprios na evolução do mundo. Algumas delas voltam para Terra junto com aqueles a quem desejam ajudar e não desistem enquanto não atingem seus objetivos. O fracasso em algumas experiências não os impedem de manter perseverança e determinação na luta a que se propuseram desenvolver.
Ao desvendarmos o véu das relações pretéritas à luz da justiça Divina, encontramos muitas histórias de sofrimento e dor, causadas, eventualmente, por esses que hoje se predispõe a realinhar o que desalinharam. As almas celestes só conseguirão alçar vôo para a divindade quando houver paz em seus corações e isto só será possível quando ela se libertar de todo o sentimento de responsabilidade pela evolução de seus seres amados, sejam eles afetos ou desafetos do passado.
Embora cúmplices de situações pretéritas, os espíritos adiantam-se em velocidades diferentes, e enquanto uns são bafejados mais intensamente pelo amor, fruto da compreensão obtida face à dor de suas experiências, outros permanecem prisioneiros de ilusões e teimam em reviver experiências fracassadas retardando seu progresso. O amor é o único instrumento capaz de quebrar as cadeias do passado e de libertar o homem dos grilhões da ignorância, permitindo-lhe conhecer-se mais e tomar consciência da presença de Deus em sua vida.
Sobre este tema, selecionamos no livro A Vida Conta, do Espírito Maria Dolores, a história de uma dessas entidades banhadas de luz e que se sacrificam para soerguer os caídos do caminho. A história é intitulada =Recado de amor=.

Conta-nos assim Maria Dolores:
Chama-se Aurora a nobre companheira,
Uma das que encontrei na hora derradeira
Do corpo cujo laço me prendia;
Mensageira da paz e da alegria,
É um misto de menina, flor e estrela...
Depois de longa convivência,
Em meu novo processo de existência,
Pude efetivamente conhecê-la.
Para logo notei que Aurora onde estivesse,
Ante os amigos de qualquer idade,
Lembrava um coração que, de todo, se desse
A tecer fios de felicidade
Para quem lhes escutasse as palavras de luz;
No entanto, aos poucos, vi que ela trazia
Extenso traço de melancolia,
Obscuro pesar, escondido e profundo.
Sem que eu nada indagasse, certa feita,
Ela me disse: - “Irmã Dolores,
Devo tornar ao mundo
Numa jornada estreita.
Irmã, onde estiveres, onde fores,
Roga ao Céu abençoe hoje a luta que me leva
A socorrer um ente amado,
Para mim, tal qual o filho desgarrado,
Nas veredas da treva...”
“Mas não podes, irmã, - perguntei, com cuidado, -
Ampará-lo daqui, sem renascer na Terra?”
- “Não, não posso, - ela disse, é na volta que insisto,
Já que em cinco existências, lado a lado,
Esse filho que eu amo é um homem transtornado
Que fugiu por orgulho à presença do Cristo.”
Depois de semelhante entendimento,
Acompanhei-a, certa vez,
A fim de conhecer lhe o ente amado
A quem se afeiçoara noutras eras...
Nele encontrei um cidadão prendado,
Esbanjando poder, nome e talento.
Conquanto homem de bem, de maneiras sinceras,
Casado, pai de um filho
Que ainda não chegara a contar quatro anos,
Professor e eminente cientista,
Emitia conceitos desumanos,
Se alguém falava em fé, expondo-se-lhe à vista.
Logo após, muitas vezes,
Ateu maior, entre os grandes ateus,
Dele escutei opiniões como estas:
- “Santos e religiões nessa história de Deus
São lendas de pessoas desonestas,
O espírito é ilusão da mente alucinada,
Quando a morte aparece, a vida é cinza e nada.”
Mas Aurora voltou, - afeição renascida, -
Tomando dele próprio a sua nova vida.
A mãezinha querida, excelente senhora,
Por sugestão do Plano Superior,
Deu-lhe o nome de Aurora...
Tenra criança ainda, ela exprimia amor,
Impressionando o pai com o luminoso olhar...
No regaço materno, era uma flor no lar.
Crescendo um tanto mais, era-lhe a companhia,
O pai achara nela a fonte da alegria...
Cinco anos apenas e a criança
Endereçava a ele assuntos tais,
Que o genitor se via em profunda mudança,
Nos seus próprios anelos paternais.
Assim que os dois se punham mais sozinhos,
Fosse em casa, nas praias, nos caminhos,
A pequena fazia indagações:
- “Papai, quem fez o mar assim tão grande?
Quem cultiva estas plantas que nós vemos?
Quem criou nossos pés para que a gente ande?
Quem segura no chão a casa em que vivemos?
Papai, quem dá comida aos pássaros na serra?
Quem fez o sol? Será que o sol assim, tão brilhante e tão quente,
É uma vela de Deus, iluminando a Terra?”
O pai ouvia a filha, enternecidamente,
E respondia, admirado:
- “Filhinha, vais crescer ao nosso lado,
Tudo compreenderás no momento preciso...”
E parava a pensar, sob longo sorriso.
Após algum silêncio, a expressar alegria,
Vendo as aves saltando, ramo em ramo,
Sempre agarrada ao pai, a pequena dizia:
- “Papai, de tudo o que já sei,
Sabe o que já falei?
Já falei à mãezinha que eu te amo...”
Mas, um dia surgiu . . . Há sempre um “mas”
Quando a vida feliz perde o gosto da paz.
A menina adoeceu, inesperadamente
E, após longa pesquisa, o médico anuncia
A presença de estranha leucemia...
Os pais lutaram quais a leões, à frente
De um perigo mortal, no entanto, hora por hora,
Notam a pequenina e tenra Aurora
A definhar e a definhar...
Até que, em certa noite, unidos a chorar,
Sem qualquer esperança que os conforte,
Viram-na repousar no silêncio da morte.
Lembrando um anjo lindo estruturado em cera,
A filhinha querida adormecera.
Dois meses sobre os traços da ocorrência,
A pedido de Aurora,
Fui visitar-lhe a residência.
Não mais achei ali a beleza de outrora...
Tentei buscar-lhe o pai que soube ausente
E encontrei-o num quadro comovente;
Estava triste e só num campo santo,
Tateando na lousa o nome da filhinha
E, demonstrando a mágoa que o retinha,
Falava em alta voz, encharcada de pranto:
- “ Filha do coração, embora eu viva triste,

A verdade me diz que a morte não existe.
Anjo de paz e amor, é impossível morrer,
Vives hoje no além, tanto quanto em meu ser...
Perder-te a companhia é toda a minha dor,
Não olvides teu pai, cansado e sofredor!...
Nunca te esquecerei, filha dos sonhos meus,
A saudade de ti trouxe-me à luz de Deus...”
Então, pude anotar
Naquela inteligência em supremo pesar,
Mostrando o coração sem disfarce e sem véus,
Que toda a vida curta, ao brilhar e morrer,
Para quem ama e fica, ante o mundo a sofrer,
É um recado de amor no correio dos Céus!...

Se examinarmos esta história pela ótica material, veremos um pai sofredor diante da morte da filha querida, sem entender bem porque tanta dor na perda de um anjo guardião que iluminara sua vida. Poderíamos até, em situações extremas, negar a misericórdia de Deus que permitiu tal evento ocorrer. “- Por quê? Por quê, Senhor?”
Mas, ao vermos o episódio apresentado pelos olhos do espírito, encontraremos mais uma alma missionária determinada a encaminhar um ente amado na direção de Deus, afastando-o da dureza de coração característica daqueles que vivem em função de valores materiais.
A dor na Terra é um instrumento de reparação que ajuda o homem a refletir sobre sua pequenez diante da vontade do Criador, tornando-o humilde e disposto a ajudar a seus semelhantes. Graças à misericórdia de Deus, todos temos aqueles espíritos abnegados a interceder por nós e a tentar nos ajudar, respeitando as nossas escolhas, preservando o nosso livre-arbítrio. Todos recebemos constantemente a energia espiritual necessária à nossa evolução. Só precisamos sentir sua presença junto de nós, abrindo o coração para os valores do espírito.
O que nos pode parecer dor no lado material é luz no plano espiritual, a nos induzir a transformação interior, a revisão dos valores, a reformulação dos princípios que norteiam a vida. Pelos olhos do espírito conseguiremos sempre identificar, nas experiências de dor, a lição necessária ao crescimento espiritual. A misericórdia de Deus manifesta-se por caminhos que nem sempre são percebidos como tal.
Que possamos agradecer ao Criador a oportunidade de conviver com seus mensageiros de amor e bondade a nos intuírem e ampararem na jornada que nos foi determinada. Graças ao Pai, todos eles têm para nós um recado de amor.

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