A caridade, quando exercida com elevação
moral, nada tem de humilhante. Constitui um modo de ajudar, de socorrer, de
amparar aqueles que se encontram no infortúnio. Nem sempre a caridade se
exprime pelo óbolo. Nem sempre significa esmola, ainda que a aparência induza a
semelhante suposição. Ainda que a Terra fosse um planeta sem problemas
econômicos, isto é, na qual todas as criaturas humanas pudessem dispor de
recursos pecuniários para não passarem qualquer privação, mesmo assim a
caridade teria campo para se exercer. Encontramos em “O Evangelho segundo o
Espiritismo” a mensagem de “Um Espírito Protetor”, que assim se manifesta:
“Amigos, de mil maneiras se faz a caridade. Podeis fazê-la por pensamentos, por
palavras e por ações. Por pensamentos, orando pelos pobres abandonados, que
morreram sem se acharem sequer em condições de ver a luz. Uma prece feita de
coração os alivia. Por palavras, dando aos vossos companheiros de todos os dias
alguns bons conselhos, dizendo aos que o desespero e as privações azedaram o
ânimo e levaram a blasfemar do nome do Altíssimo: “Eu era como sois; sofria,
sentia-me desgraçado, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora, sou feliz.”
Aos velhos que vos disserem: “É inútil; estou no fim da minha jornada; morrerei
como vivi”, dizei: “Deus usa de justiça igual para com todos nós; lembrai-vos
dos obreiros da última hora.” Às crianças, já viciadas pelas companhias de que
se cercaram e que vão pelo mundo, prestes a sucumbir às más tentações, dizei:
“Deus vos vê, meus caros pequenos”, e não vos canseis de lhes repetir essas
brandas palavras. Elas acabarão por lhes germinar nas inteligências infantis e
em vez de vagabundos, fareis deles homens. Também isso é caridade.” Poderíamos
desdobrar os conceitos relativos à caridade, seus aspectos diversos e seu
grande alcance como obra de fraternidade e solidariedade. Só os países muito
contaminados pelo sentimento materialista, presas do egoísmo e da ambição
perniciosa, é que desprezam a caridade, reputando-a ofensiva à dignidade do
homem. Assim o seria se o esmoler não for animado de sentimento verdadeiramente
cristão e se aquele que recebe o óbolo faz profissão de pedinte quando poderia
perfeitamente lutar pela própria subsistência.
Há quem diga que fazer caridade é dar esmola.
Não é propriamente isso. Fazer caridade é pôr em ação o sentimento fraterno que
há de levar a Humanidade, um dia, a alcançar toda a significação da
recomendação do Mestre: “Amai-vos uns aos outros.” Se o que dá esmolas o faz por
exibicionismo ou por orgulho, a fim de patentear a sua superioridade econômica,
deslustra a essência e o objetivo moral da caridade. Admitir-se que pertençam a
essa categoria todos os que exercem a caridade, é cometer grave injustiça.
Pensar-se também que a esmola humilha a quem a recebe, é erro. Tudo depende do
ânimo de quem a dá e de quem a recebe. A caridade bem exercida nunca é
humilhante. Verifica-se hoje, quando o materialismo e o egoísmo estendem mais
os seus tentáculos, que o exercício da caridade vai sendo apontado como
antigalha. Os que a combatem, muitas vezes, mal escondem o desprazer que sentem
de tirar do bolso uma moeda que não lhes faz falta à pecúnia acumulada, mas
lhes deixa a impressão de um desfalque obsessivo. Quando cessarem os desequilíbrios
sociais, que agravam os desequilíbrios econômicos, a esmola material poderá
extinguir-se. Todavia, a esmola espiritual jamais desaparecerá da face da
Terra, enquanto o nosso planeta não alcançar a redenção final.
Dizer-se que o mundo de hoje não é mais o
mundo da caridade implica desconhecer a situação geral em que se debate a
Humanidade. O ato de dar um auxílio seja ele material ou moral, físico ou
espiritual, é um ato de solidariedade humana. Num mundo de provações, como o em
que estamos vivendo, é mister compreender os imperativos da lei de causa e
efeito, da lei do retorno, para se analisar melhor as razões do sofrimento e da
miséria. A Terra é um mundo em franco período de depuração. É preciso, porém,
que todos aqueles que já puderam conhecer os problemas da vida humana e sua
relação com a vida espiritual, através da Doutrina Espírita, colaborem
sistematicamente para que essa obra se acelere. A miséria é um reflexo da
imperfeição humana. À medida que o homem for obtendo maior esclarecimento espiritual
e procedendo de acordo com os preceitos cristãos propagados pelo Espiritismo,
mais eficiente será o combate à miséria.
A religião que mais profundamente compreendeu
o alcance social e moral da caridade foi o Espiritismo, ao interpretar em seu
legítimo sentido a palavra do Cristo. Em vez de proclamar que “fora da Igreja
não há salvação”, o Espiritismo adverte que “Fora da caridade não há salvação”,
porque caridade é expressão de amor ao próximo, é definição do “Amai-vos uns
aos outros”. No ambiente espírita, a caridade tem força legítima, porque os
seguidores da nossa Doutrina não compreendem se deva deixar uma criatura à
mingua de auxílio, para que não se presuma cobri-la de humilhação por lhe dar
uma esmola! Esclarecer quem está desorientado; acalmar quem se encontra aflito;
guiar quem se encontra perdido; amparar quem esteja caindo; levantar quem
esteja tombado; aconselhar quem esteja em rumo incerto ou errado; abrir os
olhos de quem se mostra cego à realidade, tudo isso é amor, tudo isso é caridade.
Compreender e interpretar a caridade como uma
demonstração sincera de solidariedade humana, será, pois, agir em função do
progresso espiritual. O Espiritismo está realizando sua grande obra fraterna,
“incutindo nos homens o espírito de caridade e de fraternidade”, diz “O
Evangelho segundo o Espiritismo”.
Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1958
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