É cediço que o ser humano recebe do supremo
Dispensador do universo incontáveis recursos naturais que compõem a essência de
sua vida.
Entre tais recursos destaca-se o direito de
viver como o mais fundamental entre todos, por ser o pressuposto dos demais
recursos passíveis de serem usufruídos pelo ser humano.
Antes, porém, de adentrar na análise do tema
propriamente dito, para maior clareza desta relevante questão, convém perguntar
o que seria mesmo o ser humano ou, por outra, quais são seus componentes.
Ser humano é o ente que resulta da união
entre o Espírito e o corpo humano, sendo aquele o ser essencial para o qual a
vida humana é o objeto, e este último, o corpo, o ser instrumental, destinado a
proporcionar ao Espírito os meios de atingir seus elevados fins: a perfeição. À
frente do direito de viver na matéria, pressupõe-se o acesso à vida física,
como a mais rica experiência do Espírito numa determinada fase de sua
trajetória evolutiva, à semelhança de enorme parcela de Espíritos reencarnados
no planeta Terra.
No atual estágio evolutivo da humanidade
terrestre, não se pode mais realizar a análise deste tema – o direito de viver
–, com o mínimo de profundidade, se não se levar em conta o ser espiritual que
anima o corpo humano e que é, sem contradita, o ser real, essencial e o
verdadeiro destinatário da vida humana na Terra.
Assim, por meio da indução, somos
racionalmente levados à mais elementar conclusão de que a vida terrena não se
restringe à mera satisfação das necessidades inerentes ao corpo físico, sob
pena de reduzirmos os mais elevados, fundamentais e altruísticos sentimentos e
valores humanos a uma quimera a ser decomposta pelas reações químicas num
túmulo fétido ou reduzida a cinzas num forno de cremação, em que as mais caras
e puras afeições não passariam de momentos fugazes e não valeriam mais do que
um apetitoso prato de iguarias, solapando pelas raízes qualquer fio de
esperança; reduzindo o ser humano a uma vida de cálculo, sem a menor
perspectiva; embrutecendo todas as relações, em que o certo e o errado, o bem e
o mal, perderiam qualquer razão de ser.
Por isso, o que levaremos em conta na nossa
reflexão será principalmente o Espírito e não o corpo físico, porque nossa
singela abordagem será realizada pela ótica eminentemente espírita, apesar do
nosso mais profundo respeito a todos os ramos do conhecimento humano, que
também oferecem fundamentados argumentos sobre o assunto, principalmente se
ventilado sob ótica diferente.
O Espiritismo tem em seu conteúdo, como fonte
principal, as revelações feitas pelos Espíritos superiores, encarregados por
Jesus Cristo de resgatar o real sentido, a pureza e a simplicidade de sua
mensagem divina e confirmá-la, em consonância com os avanços intelectuais,
alcançados pela humanidade do nosso tempo. Assim, na questão 880, de O livro
dos espíritos, Kardec pergunta aos Espíritos encarregados das revelações:
Qual o primeiro de todos os direitos naturais
do homem?
“O de viver. Por isso é que ninguém tem o
direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que
possa comprometer-lhe a existência corporal.”
Os Espíritos deixam claro que, ao se tirar a
vida de alguém, o mal maior não é o de simplesmente eliminar o fio da vida
física, mas os incalculáveis prejuízos decorrentes desse ato, conforme se pode
extrair da resposta dada à pergunta 746:
É crime aos olhos de Deus o assassínio?
“Grande crime, pois aquele que tira a vida ao
seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de missão. Aí é que
está o mal.”
Isso se explica porque é fato que todos
morreremos um dia, sendo, porém, necessário que a morte ocorra, em qualquer
circunstância, no tempo prescrito por Deus, para que o Espírito possa atingir
seus objetivos predeterminados a realizar no corpo, usufruindo integralmente
dos seus benefícios.
O grau de maturidade moral e intelectual que
o homem mediano atingiu na Terra não mais permite conceber que a vida humana
seja a manifestação de um fenômeno fortuito, sem objetivo e sem justa causa,
por isso é imprescindível e urgente aprofundar a visão.
Na questão 132, pergunta-se aos Espíritos:
Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?
“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de
fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas
para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da
existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a
encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca
na obra da Criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um
instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí
cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo
para a obra geral, ele próprio se adianta.”
Importa destacar que os Espíritos responderam
às perguntas de acordo com o grau de progresso atual da humanidade terrena,
pois o planeta Terra encontra-se num grau evolutivo em que a reencarnação do
Espírito tem objetivos delimitados e voltados para atender as suas necessidades
atuais, razão por que, na questão 167, os Espíritos esclarecem sobre o fim que
se objetiva com a reencarnação, nos seguintes termos:
Qual o fim objetivado com a reencarnação?
“Expiação, melhoramento progressivo da
humanidade. Sem isto, onde a justiça?”
Assim, quem tem um objetivo, um propósito,
uma necessidade de viver na Terra não é o corpo físico, mas o Espírito que o
anima e que necessita dar mais um passo na direção do seu aperfeiçoamento.
Quando, portanto, se impede que um corpo nasça na Terra, frustram-se os objetivos
do Espírito que necessita reencarnar. Para melhor compreensão, lembremos que a
Terra, no atual estágio evolutivo, é uma escola, um hospital, uma oficina de
trabalho, um campo de pesquisa, uma sagrada oportunidade de convivência social,
psicológica e sentimental do mais alto valor para a evolução moral e
intelectual do Espírito.
Diante do exposto, impedir um ser humano de
nascer é fechar, para o Espírito que deseja e necessita ardentemente
aprimorar-se, as portas de acesso ao conhecimento, à saúde, ao trabalho, à
convivência social, ao exercício do amor que a vida num corpo físico pode
proporcionar.
A propósito, respondendo à pergunta 357, os
Espíritos elucidam nos seguintes e precisos termos:
Que consequências tem para o Espírito o
aborto?
“É uma existência nulificada e que ele terá
de recomeçar.”
Observamos que o mal decorrente desta ação
não se resume em simplesmente impedir a manifestação da vida, por matar um
corpo, mas arruinar, comprometer toda uma existência de alvissareiras
perspectivas para o Espírito, o que torna a ação muitíssimo mais grave.
Assim, inúmeras consequências poderão advir
para os responsáveis pela prática do aborto. Porque é necessário indagar,
também, qual será a atitude que adotará o Espírito que é rejeitado, impedido
covarde e egoisticamente de exercer o legítimo direito que Deus lhe outorgou.
Não se trata de ameaças, mas de convite à responsável reflexão, porque não
somos mais uma sociedade de Espíritos primitivos. Temos o dever de assegurar ao
outro o direito que nos foi garantido.
Imaginemos uma sociedade que impedisse suas
crianças de ter acesso à escola, seus doentes de receber o auxílio hospitalar,
seus cidadãos da oportunidade do trabalho dignificante? Por mais passivas que
sejam essas criaturas, nada impedirá que gravíssimas e naturais consequências
destas atitudes recaiam sobre seus responsáveis, bem como sobre toda a
sociedade, não significando de modo algum castigo de Deus, mas reação pura e
simples da lei natural de causa e efeito.
Estamos num estágio de evolução, repetimos,
em que não mais podemos sequer cogitar de corrigir um mal praticando outro
igualmente hediondo e muito mais irracional, cruel e monstruoso, num verdadeiro
atestado de incapacidade ou mesmo de má vontade de buscar as soluções pela
aplicação do amor ao bem, sob as luzes infinitas da sabedoria, filha direta da
inteligência...
Somente conhecendo a natureza, os fins, as
causas e os efeitos que regem a vida, seremos capazes de preservá-la, agindo de
conformidade com os superiores objetivos do Criador, baseados no amor, na
sabedoria e no bem.
REFORMADOR SETEMBRO 2013
Referência:
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
Guillon Ribeiro. 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2013. q.
132, 167, 357, 746 e 880
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