Ressaltam, durante o processo da evolução
antropológica e psicológica do ser humano, os processos do intercâmbio
espiritual, demonstrando, à saciedade, a sobrevivência do Espírito ao fenômeno
biológico da disjunção celular.
Responsável pela aquisição dos implementos
orgânicos de que necessita para evoluir, o ser eterno plasma, em cada etapa a
que se submete, os equipamentos hábeis para que desabrochem as faculdades que
lhe são inerentes, oferecendo campo à sua finalidade.
Antes, porém, de que se conscientizasse desse
mecanismo, a morte sempre se apresentou como a cessação do princípio da vida,
mergulhando, aparentemente, a realidade na consumpção das formas.
O medo do aniquilamento total, a falta de
discernimento entre o real e o mitológico, a predominância do instinto de preservação
da espécie levaram o homem primitivo à observação da ruptura brutal da vida,
quando surgia avassaladora a força da morte. Sem capacidade para discernir ou
logicar, agindo mais por automatismo do que pela razão, a dor da perda de
alguém se lhe tornava avassaladora, asselvajada.
Em tal ocorrência, no silêncio da furna em
que se refugiava, passou a ser visitado pelos seres que os seus olhos viram diluir-se
no silêncio mortuário, e, inevitavelmente, se lhe instalou na alma o pavor ante
aqueles que retornavam, tentando comunicação.
Antes disso, porém, no período paleolítico, o
culto das pedras foi a forma primária pela qual passou a expressar a sua manifestação
inicial de crença, quando procurou representar a efígie humana por meio de
seixos, nos quais pintava o próprio ser, toscamente, com linhas primitivas,
porém, esquematizadamente.
Logo depois, o processo de evolução do
pensamento levou-o a insculpi-lo em barro, osso, madeira e na própria pedra, através
de linhas mais bem definidas, logo arrumando-as em torno das fogueiras com que
se aquecia.
Originou-se, então, o culto xamanista, e
surgiram os primeiros sensitivos que se não davam conta de ser os instrumentos da
fenomenologia, que se veio expressar por intermédio do movimento, das quedas de
pedras.
Foi um largo pego entre as primeiras
manifestações visuais até o momento do contato palpável, no qual foram entretecidas
as primeiras comunicações que facultaram o intercâmbio entre as duas esferas da
vida, surgindo a ponte da mediunidade para a realização do cometimento.
Nas paredes escalavradas das covas onde se
ocultava, ante o crepitar das labaredas devoradoras do fogo, surgiam formas, a
princípio vagas, imprecisas, que se foram condensando com o tempo até se
transformarem nos fantasmas dos ancestrais desaparecidos, que teimavam em
permanecer, embora o pavor estampado na face grotesca do ser humano com quem
desejavam manter comunicação.
Tão insistente se tornou esse fenômeno, que a
sua inevitabilidade proporcionou-lhe a aceitação receosa de início, para
definir-se com o tempo, tornando-se patrimônio da Humanidade.
A observação natural e contínua do sucesso
criou instrumentos para fazê-lo suceder, agora por interesse dos visitados, em
face da constatação que somente ocorria quando determinados seres do grupo
estavam presentes. Essa identificação do mecanismo gerador facultou a seleção
daqueles que se faziam intermediários, dando lugar ao surgimento de mais sofisticados
cultos, da magia, da feitiçaria - proibida em todas as legislações ancestrais,
o que demonstra a sua existência - dos portadores dos recursos que podiam
proporcionar tais manifestações.
Imantado aos atavismos antigos,
principalmente o pavor do desconhecido, que sempre se apresenta como perigo à
segurança do ser, o pensamento, passando pelas etapas de crescimento, deu curso
à criação dos mitos como forma de absorver essa realidade que não podia
entender.
Desenvolvendo-se em um meio hostil - os
fenômenos sísmicos terrificantes, os animais ferozes, os grupos que se
antagonizavam, as doenças agressivas e devastadoras, a ausência de alimentação
adequada que se apresentava primária como a própria vida — o homem primitivo passou
a haurir inspiração e conhecimento nas instruções que lhe passaram a chegar
através dessa comunicação com os antepassados.
Mediante pequenas, quase insignificantes
sugestões, esses imortais se propuseram a orientar os humanos que permaneciam
no corpo, apontando-lhes caminhos que lhes facilitassem a marcha, lhes
diminuíssem as penas, socorrendo-os ante os desafios pesados, o que iria
proporcionar no futuro, o profetismo, as intervenções miraculosas, o fanatismo e
a equivocada submissão aos seres desencarnados, que teriam ficado encarregados
de disciplinar e orientar a vida humana, o que ainda permanece em muitas mentes
como arquétipo dominante.
Naquele período, era compreensível que o fato
sucedesse merecendo aceitação, desde que proporcionando ajuda, até o momento em
que o homem adquiriu a razão, o discernimento, dando-se conta que a morte é
somente processo de transformação e não de miraculosa sublimação, podendo, então,
discernir o que deve ou não aceitar como diretriz emanada do mundo espiritual.
Para alcançar esse patamar de compreensão da
legitimidade da vida nos dois planos da existência evolutiva do ser, transcorreram
milênios de aprendizado e de observações, até o momento da chegada do
Espiritismo com o seu arsenal valioso, igualmente fornecido pelos próprios
seres que o constituíram junto a Allan Kardec, o seu Codificador.
Da furna escura, clareada pelas chamas
inquietas, aos santuários erguidos para essa finalidade, foi um passo; do
silêncio e das sombras onde melhor ocorriam para os recintos equivalentes pelo
próprio homem elaborados, também se fez resultado natural da observação,
multiplicando-se, à medida que se dava o crescimento mental e social dos
indivíduos, para haver a inevitável ocorrência de os mortos passarem a conduzir
os vivos.
Na Antiguidade oriental, nos templos
suntuosos ou diante das estrelas, as comunicações se processavam sob a evocação
dos deuses - que não passavam dos próprios Espíritos que se fizeram respeitar
pelas ações desenvolvidas junto aos homens - que se predispunham a atender as
solicitações humanas, estabelecendo regras, formalismos, auxílios compatíveis com
o entendimento dos consulentes que os buscavam.
Certamente, nem todos aqueles que se vinham
comunicar eram portadores da elevação que lhes facultasse orientações
saudáveis. Muitos deles, apegados às paixões a que se submeteram antes do
túmulo, volviam e impunham as suas vontades caprichosas, violentas e sanguinárias,
tornando-se responsáveis pelas hediondas contribuições que perturbaram a marcha
do progresso por largo período.
Muito compreensível esse acontecimento,
tendo-se em vista também o estágio de consciência em que se encontrava a sociedade,
que emergia da tribo para as primeiras experiências da civilização futura, na
qual, ainda infelizmente, predominam as tendências dissolventes e os hábitos
insensatos, levando-a a retrocessos e recidivas de erros, por meio dos quais
galga, a pouco e pouco, os degraus do progresso e da liberdade.
Os historiadores do Oriente como do Ocidente
anotaram em páginas ricas de beleza e em fastos emocionantes os acontecimentos
de que foram instrumentos ou que lhes chegaram ao conhecimento através do
relato das testemunhas autênticas, sobre o intercâmbio espiritual com os homens
e os resultados desse labor profícuo, que hoje constitui recurso emulador para
a existência saudável na Terra e a certeza do prosseguimento da vida após a
morte física.
Xenofonte, no seu Daemon de Sócrates, coloca
na boca do filósofo esta informação: "Esta voz profética fez-se ouvir amim
em todo o curso de minha vida; ela é certamente mais autêntica do que os
presságios tirados dos vôos ou das entranhas dos pássaros: eu chamo-a de Deus
ou Daemon. Tenho comunicado aos meus amigos as advertências que recebi. E até o
presente, a sua voz jamais afirmou algo que tenha sido inexato."
Mas, não apenas Xenofonte, senão Plutarco,
Platão e outros discípulos afirmam as comunicações mantidas pelo sábio com o
mundo espiritual.
Confirmando o estágio primitivo de alguns dos
comunicantes, refere-se ainda Plutarco ao incidente verificado com Brutus,
quando foi defrontado por um Espírito, que lhe informou, peremptório: Eu sou
teu anjo mau, Brutus, e tu me verás perto da cidade dos Filipenses", ao
que o corajoso guerreiro respondeu: - "Está bem, pois eu ver-te-ei
lá".
Posteriormente, perseguidos de forma
inclemente por Antônio e Octaviano, Cássio e Brutus, foram derrotados nos campos
de Filipos, na Macedônia, no ano 42 a. C.
Sem resistência moral para enfrentar a
derrota, incapaz de salvar a República, Brutus atirou-se sobre a ponta de uma
lança que o matou, confirmando o vaticínio infeliz do seu anjo mau.
Compreendendo-se que o mundo real é o causal,
que o espiritual é o da origem do ser e não da sua consequência, facilmente se
entenderá que a demonstração da imortalidade partiu, portanto, da esfera
psíquica e não da física, despertando a consciência adormecida no corpo para as
finalidades da evolução a que se encontra adstrita.
Possuindo maior visão da realidade e
vivendo-a em plenitude, o Espírito pode com maior precisão informar quais são
os valores e objetivos verdadeiros que valem a pena ser buscados e cultivados,
dando sentido existencial à experiência orgânica, que então se reveste de alta
significação psicológica.
O intercâmbio espiritual atingindo, na
atualidade, elevadas expressões culturais e científicas, elucida várias
ocorrências que permaneciam sombreadas na área do comportamento, da saúde, da
religião, do pensamento, ao mesmo tempo oferecendo um imenso elenco de recursos
para tornar a existência física mais significativa e atraente, sobretudo, em
face da contribuição em torno do sentido de continuidade que a morte não
interrompe.
Essa convicção preenche os terríveis vazios
existenciais, concitando ao cultivo da beleza, do progresso e do amor na busca
da plenitude.
Diante disso, o ser humano deixa de ser joguete
de forças absurdas e casuais, que o teriam elaborado e conduzido, para
tornar-se o autor consciente das suas realizações, desenvolvendo os valores
subjacentes que o exornam e lhe aguardam a contribuição.
A vida, na sua constituição eterna, é todo um
continuum que não cessa, tornando-se mais atraente e desafiadora, quanto mais é
conquistada e se progride.
O ser humano está fadado à glória do infinito
através da sua imortalidade. O sonho em torno do aniquilamento, como mecanismo
psicológico de fuga da luta e da realidade, não passa de pesadelo que aturde as
mentes que anelam pelo torpor, pelo nada, como recurso de autodestruição capaz
de eliminar-lhes a amargura e os conflitos que deram surgimento a esse
desinteresse existencial que perde o sentido e sucumbe nas aspirações de vida e
de eternidade.
Logo após publicar o seu A Morte de Deus, e
fazer que fosse ouvida a voz do louco procurando-O, Nietszche, já anteriormente
atormentado, mergulhou sombriamente e em definitivo no abismo da idiotia,
desencarnando, menos de um ano após, sem consciência, sem lucidez. De alguma
forma, conseguira retratar a própria amargura e descrença, através da personagem
infeliz e psicopata que corria para a praça procurando por Deus...
Por sua vez, Heine, que também O combatera
sistematicamente, em um pós-escrito no seu livro O Romanceiro, assegurou:
- "Sim, voltei a Deus. Sou o filho
pródigo... Há, afinal de tudo, uma centelha divina em cada criatura
humana".
Por outro lado, Schopenhauer concluiu:
"O mundo físico não é mãe, mas simplesmente a ama do espírito vivo de Deus
dentro de nós".
A realidade da sobrevivência do Espírito e do
seu intercâmbio com os homens encontra-se ínsita no próprio ser, e os fenômenos
exteriores têm como finalidade torná-lo consciente, quando imerso na matéria, a
fim de que faça a sua existência mais saudável, otimista, criadora, de forma
que possa crescer incessantemente, adquirindo, mediante as experiências novas, os
recursos que o capacitem para a evolução que o aguarda.
Tal é a mensagem que, ressaltando de todos
aqueles que buscam o comportamento racional da imortalidade e da
comunicabilidade dos Espíritos, se encontra ao alcance de quantos se empenhem
por tornar a própria existência apetecível, superando os arquétipos destrutivos
que lhe remanescem no inconsciente e, às vezes repontam, atormentando com a
elaboração das fantasias do aniquilamento e da consumpção da vida.
Joanna de Ângelis
Livro: Dias Gloriosos
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