sexta-feira, 11 de junho de 2010

DESAPEGO


Vivemos uma época de celebridades, apelos fáceis à riqueza, ao consumismo, às paixões avassaladoras. Transitamos aturdidos por um mundo em que o destaque vai para aquele que mais tem.

E a todo o instante os comerciais de televisão, os anúncios nas revistas e jornais, os outdoors clamam: "Compre mais. Ostente mais. Tenha mais e melhores coisas.”.

É um mundo em que luxo beleza física, ostentação e vaidade ganharam tal espaço que dominam os julgamentos.

Mede-se a importância das pessoas pela qualidade de seus sapatos, roupas e bolsas.

Dá-se mais atenção ao que possui a casa mais requintada ou situada nos bairros mais famosos e ricos.

Carros bons somente os que têm mais acessórios e impressionam por serem belos, caros e novos. Sempre muito novos.

Adolescentes não desejam repetir roupas e desprezam produtos que não sejam de grife. Mulheres compram todas as novidades em cosméticos. Homens se regozijam com os ternos caríssimos das vitrines.

Tornamo-nos, enfim, escravos dos objetos. Objetos de desejo que dominam nosso imaginário, que impregnam nossa vida, que consomem nossos recursos monetários.

E como reagimos? Será que estamos fazendo algo - na prática - para combater esse estado de coisas?

No entanto, está nos desejos a grande fonte de nossa tragédia humana.

Se superarmos a vontade de ter coisas, já caminhamos muitos passos na estrada do progresso moral.

Experimente olhar as vitrines de um shopping. Olhe bem para os sapatos, roupas, jóias, chocolates, bolsas, enfeites, perfumes.

Por um momento apenas, não se deixe seduzir. Tente ver tudo isso apenas como são: objetos.

E diga para si mesmo: “Não tenho isso, mas ainda assim eu sou feliz”.

“Não dependo de nada disso para estar contente”.

Lembre-se: é por desejar tais coisas, sem poder tê-las, que muitos optam pelo crime. Apossam-se de coisas que não são suas, seduzidos pelo brilho passageiro das coisas materiais.

Deixam para trás gente sofrendo, pessoas que trabalharam arduamente para economizar...

Deixam atrás de si frustração, infelicidade, revolta.

Mas, há também os que se fixam em pessoas. Vêem os outros como algo a ser possuído, guardado, trancado, não compartilhado.

Esses se escravizam aos parceiros, filhos, amigos e parentes. Exigem exclusividade, geram crises e conflitos.

Manifestam, a toda hora, possessividade e insegurança. Extravasam egoísmo e não permitem ao outro se expressar ou ser amado por outras pessoas.

É, mais uma vez, o desejo norteando a vida, reduzindo as pessoas a tiranos, enfeiando as almas.

Há, por fim, os que se deixam apegar doentiamente às situações.

Um cargo, um status, uma profissão, um relacionamento, um talento que traz destaque. É o suficiente para se deixarem arrastar pelo transitório.

Esses amam o brilho, o aplauso ou o que consideram fama, poder, glória.

Para eles, é difícil despedir-se desse momento em que deixam de ser pessoas comuns e passam a ser notados, comentados, invejados.

Qual o segredo para libertar-se de tudo isso? A palavra é desapego.

Mas...

Como alcançá-lo nesse mundo?

Pela lembrança constante de que todas as coisas são passageiras nessa vida.

Ou seja: para evitar o sofrimento, a receita é a superação dos desejos.

Na prática, funciona assim: pense que as situações passam, os objetos quebram, as roupas e sapatos se gastam.

Até mesmo as pessoas passam, pois elas viajam, se separam de nós, morrem...

E devemos estar preparados para essas eventualidades. É a dinâmica da vida.

Pensando dessa forma, aos poucos a criatura promove uma auto-educação que a ensina a buscar sempre o melhor, mas sem gerar qualquer apego egoísta.

Ou seja, amar sem exigir nada em troca.


Texto da Redação do Momento Espírita.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DESENCARNE NA GUERRA


Quando o Espírito do jovem militar se manifestou pela primeira vez, sucedeu o que quase invariavelmente acontece nessas circunstâncias, como o sabem todos os que experimentam, isto é, que o Espírito, reabsorvendo fluidos humanos e volvendo parcialmente às condições terrestres, quais as em que se achava no termo da sua existência, não pôde deixar de ressentir e, por conseguinte, de transmitir ao médium os sintomas que lhe caracterizaram a agonia. Dessa vez, a mão do médium foi presa de tremores e de impressionantes arrancos convulsivos, que lhe faziam saltar o braço em todas as direções. Quando, por fim, essas convulsões se acalmaram, ditou o Espírito o que segue:

“Foi o que se deu comigo, quando caí mortalmente ferido pelos estilhaços de um obus. Disseram-me que a minha morte ocorreu em menos de um minuto; as convulsões da agonia foram, pois, muito curtas, embora eu tenha tido a impressão de durarem longas horas. Não te assustes; isto não te trará conseqüências más. Quando a mim, estou perfeitamente bem; mas, voltando ao meio terrestre e pensando na minha morte, não posso evitar se reproduzam os sintomas que a acompanharam”.

Quando fui ferido, achava-me à borda de uma trincheira e, quando as convulsões cessaram, estava morto. Senti-me então, como antes, em perfeito estado de saúde. Via-me trajando o uniforme militar. Meu primeiro pensamento foi para “Bem” (seu filhinho) e, ao pensar nele, vi-me logo transportado à minha casa, onde o contemplei a dormir na sua caminha, ao lado de Carrie (a mãe). Distinguia-os tão bem como com os olhos do corpo; em seguida te vi e a John (o marido). Pensei em minha mãe e logo me achei ao seu lado. Vi-a acordada na cama e lhe dirigi a palavra, porém ela nenhum sinal deu de me ter ouvido. Voltei então para a França, para a trincheira.

Sabia-me morto... e um caso estranho me acontecia: via passar diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal... Logo depois, divisei um Espírito que me vinha ao encontro... Era meu pai; porém, não o reconheci. Entretanto, quando me chamou pelo meu nome: “Will”, imediatamente o reconheci e me lancei a chorar nos seus braços. Sentia-me extraordinariamente comovido e não sabia o que lhe dissesse. Nada posso dizer com relação ao tempo que ali permanecemos. Lembro-me apenas de que, durante esse tempo, deixei de ver os meus camaradas, de ouvir o ruído da batalha. Via, no entanto, os pensamentos daqueles camaradas; verifiquei, assim, que muito os havia impressionado a minha morte. Quando meu amigo Franck se aproximou do meu cadáver, para se certificar de que eu estava realmente morto, ainda uma vez o distingui como com os olhos do corpo. Meu pobre amigo desejava estar em meu lugar e não ligava importância à vida, senão por amor de sua Dora...

Não me seria possível dizer se estive nalguma outra parte, durante a minha permanência naquele lugar. Encontrava-me num estado de completa confusão de idéias; o que me rodeava parecia ao mesmo tempo muito nítido e muito incerto. Meu pai se conservava ao meu lado, a me animar e a me dizer que não tardaria a readquirir equilíbrio mental. Conduziu-me depois á sua habitação, onde presentemente vivemos juntos, aguardando que a mamãe venha para a nossa companhia...

Outro dia, disse-me ele: “Queres ver tua avó?” - Eu ainda não a encontrara no mundo espiritual. Ela se achava, ao que parece, numa localidade muito afastada de nós. Papai acrescentou: “Formula intensamente o desejo de estar com ela e o de que eu lá esteja por minha vez.” Fizemo-lo simultaneamente e saltamos com a rapidez do relâmpago, através do espaço. Em menos de um segundo estávamos ao lado de minha avó. Ela vive com meu avô e com o meu tio Wálter, a quem não conheci na Terra; logo, porém percebi que o conhecia muito bem, porque, quando vivo, eu o ia freqüentemente ver durante o sono; era meu pai quem me levava...”

O que se acaba de ler é extraído da primeira mensagem do irmão morto de Mrs. Hope Hunter. Numa segunda mensagem, acrescentou ele copiosos detalhes acerca do momento de sua morte. Limitar-me-ei a transcrever esta passagem que completa a precedente:

“Muitos de meus camaradas se acharam mortos sem o saberem e, como não logravam perceber certas coisas, supunham que estavam a sonhar. Eu, ao contrário, me inteirei imediatamente da minha morte, porém não conseguia compreender o fato de ser absolutamente o mesmo que anteriormente. Antes de ir para a guerra, jamais cogitara das condições prováveis da existência espiritual; durante a vida nas trincheiras, pensava nisso algumas vezes, mas longe estava de imaginar a verdade. Como era natural, tinha na cabeça os “coros celestes”, as “harpas angélicas”, de que falam as Santas Escrituras. O que sobretudo havia de mais incompreensível para mim era me ver e sentir absolutamente o mesmo indivíduo de antes, quando, na realidade, me achava transformado numa sombra. Em compensação, não podia igualmente compreender uma outra circunstância, a de que, quando vinha ver a vocês, os via como se todos fossem sombras, ao passo que eu não o era. Quando estive em casa, mal acabara de morrer, vi a vocês como os via quando vivo; mas, depois, pouco a pouco, todos se foram tornando cada vez mais evanescentes, até não passarem de puras sombras. Em suma não posso distinguir, nos seres vivos, senão a parte destinada a sobreviver ao corpo...

Bem calculadas as coisas, muito de verdadeiro havia no que dizia o nosso pastor em seus sermões... Há realmente uma vida eterna. É, pelo menos, o que todos cremos; enquanto que aqueles que na Terra viveram honesta e virtuosamente vão para um lugar que se pode comparar a um paraíso, aqueles cuja existência transcorreu depravada e má vão acabar em outro lugar que se pode exatamente definir como um inferno...

Acho-me aqui ativamente ocupado. O mesmo se dá com todos, mas suspendemos o trabalho quando nos sentimos fatigados. Atende, entretanto, a que, quando falo de cansaço, não me refiro ao que vós aí experimentais. É coisa muito diversa. Quando estamos fatigados, pensamos em nos distrair, segundo os nossos pendores. Nenhum de vós poderia imaginar em que consistem os nossos descansos... Se eu pudesse tornar a viver (mas absolutamente não o desejo) e se soubesse o que sei agora, viveria de maneira muito diferente. Doutra feita, falar-te-ei das minhas ocupações. Por hoje, boa-noite!”

O Espírito-guia do médium, a pedido deste, ponderou:

“Teu irmão, desde que o feriram os estilhaços do obus, conheceu que lhe chegara a hora da morte. O desconhecido que o esperava se lhe apresentou terrivelmente, nos espasmos da agonia... Quando se comunicou mediunicamente, viveu esses terríveis momentos. Daí os tremores convulsivos de tua mão e os arrancos do teu braço, que tanto te impressionaram...

A crise da morte é, fundamentalmente, a mesma para todos; contudo, no caso de um soldado que morre de maneira quase fulminante, as coisas diferem um pouco, porém não muito. Quando chegou o instante fatal, o “corpo etéreo”, que penetra o “corpo carnal”, começa gradualmente a se libertar deste último, à medida que a vitalidade o vai abandonando... Quem ainda não viu uma borboleta emergir da sua crisálida? Pois bem! o processo é análogo... Desde que o “corpo etéreo” se haja libertado do “corpo carnal”, outros Espíritos intervêm para auxiliar o recém-desencarnado. Trata-se de um nascimento, em tudo análogo ao de uma criança no meio terrestre, o que faz que o Espírito recém-nascido tenha necessidade de auxílio. Ele se sente aturdido, desorientado, aterrado e não poderia ser de outro modo... Quase sempre julga que está sonhando. Ora, o nosso primeiro trabalho consiste em convencê-lo de que não está morto. É o de que geralmente se encarregam os parentes do recém-chegado, o que as mais das vezes, não serve para confirmar, no morto a idéia de que está sonhando...

Teu irmão diz que se transportou imediatamente a Samerset; que falou com sua mãe; que viu o filho e te viu com teu marido. Vou tentar explicar-te como isso ocorre. Logo após o instante da morte, o Espírito ainda se acha impregnado de fluidos humanos. Pelo que sei (e não é grande coisa) este fato significa que ele ainda está em relação direta com o meio terrestre. Mas, ao mesmo tempo, está despojado do corpo carnal e revestido unicamente do “corpo etéreo”. Basta, pois, que dirija o pensamento a determinado lugar, para que seja instantaneamente transferido aonde o leva o seu desejo. O primeiro pensamento de teu irmão foi dirigido, com grande afeto, à sua mulher e seu filhinho; achou-se portanto, instantaneamente, com eles; estando ainda impregnado de fluidos humanos, pôde vê-los como com os olhos do corpo...

Além disso, refere teu irmão: “Vi passarem diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal”. Trata-se de um fenômeno muito notável da existência espiritual. Geralmente, isso preludia a sanção a que todos nos temos que submeter, pelo que toca às nossas faltas. A visão se desenrola diante de nós num rápido instante, mas nos oprime pelo seu volume e nos abala e impressiona pela sua intensidade. Quase sempre, vemo-nos tais quais fomos, do berço ao túmulo. Não me é possível dizer-te como isso se produz; porém, a razão do fato reside numa circunstância natural da existência terrena, durante a qual toda ação que executamos, todo pensamento que formulamos, quer para o bem, quer para o mal, fica registrado indelevelmente no éter vitalizado que nos impregna o organismo. Trata-se, em suma, de um processo fotográfico; com isto imprimimos e fixamos vibrações no éter e este processo começa desde o nosso nascimento...

Teu irmão continua, referindo como encontrou o pai. Tudo isso se produziu num instante do vosso tempo; mas, para ele, que calculava o tempo pela intensidade e pelo concurso dos acontecimentos, os segundos pareceram horas. A princípio, não reconheceu o pai, o que freqüentemente acontece. Com efeito, os desencarnados não esperam encontrar-se com seus parentes; ao demais, o aspecto destes tem geralmente mudado. Entre nós, também existe um desenvolvimento do “corpo etéreo”... um bebê cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho alcança a seu turno a idade viril, rejuvenescendo. Teu pai e dele, morreu na plenitude da idade adulta; apesar disso, o filho não o reconheceu, porque muitos anos haviam passado e o pai atingira, no mundo espiritual, um estado de radiosa beleza. Reconheceu-o, todavia, assim aquele lhe dirigiu a palavra. Ninguém pode enganar-se no mundo espiritual.

Outra afirmativa de teu irmão é de si mesma clara.

Observa ele: “Eu podia ver o que pensavam os meus camaradas”. O fato se dá, porque, na vida espiritual, a transmissão do pensamento é a forma normal de conversação entre os Espíritos; depois, porque muitos pensamentos se exteriorizam da fronte daquele que os formula, revestindo formas concretas, correspondentes à idéia pensada, formas que todos os Espíritos percebem...

Informou-te, afinal, de que vivia com o pai, na habitação deste último. É absolutamente exato. Já noutra mensagem te expliquei que no mundo espiritual o pensamento e a vontade são forças por meio das quais se pode criar o que se deseje...”

(Ernesto Bozzano - Obra: A Crise da Morte).

quarta-feira, 9 de junho de 2010

APELO CRISTÃO

O estimado Assistente Calderaro me convidou a ouvir a palavra do Instrutor Eusébio que, naquela noite, se dirigiriam as algumas centenas de companheiros católicos-romanos e protestantes das Igrejas reformadas, ainda em trânsito nos serviços da esfera carnal.

Eusébio, ao que me pareceu, havia iniciado a preleção desde muito.

O Instrutor envolvido em safirinos reflexos, falava com irresistível poder de atração:

— “Se o patrimônio da fé religiosa representa o indiscutível fator de equilíbrio mental do mundo, que fazeis de vosso tesouro, esquecendo-lhe a utilização, numa época em que a instabilidade e a incerteza vos ameaçam todas as instituições de ordem e de trabalho, de entendimento e de construção?”

Não vos assombra, porventura, acordando-vos a consciência, a borrasca renovadora que refunde princípios e nações? Supondes possível uma era de paz exterior, sem a preparação interior do homem no espírito de observância e aplicação das Leis Divinas? Por admitir semelhante contra senso, a máquina, filha de vossa inteligência, vos anula as possibilidades de mais alta incursão no reino do Espírito Eterno.

Ser cristão, outrora, simbolizava a escolha da experiência mais nobre, com o dever de exemplificar o padrão de conduta consagrado pelo Mestre Divino.

Constituía ininterrupto combate ao mal com as armas do bem, manifestação ativa do amor contra o ódio, segurança de vitória da luz contra as sombras, triunfo inconteste da paz construtiva sobre a discórdia derruidora.

(Ante o moloque do Estado Romano, convertido em imperialismo e corrupção, os sectários do Evangelho não se expunham as polêmicas mordazes, não se enredavam nas teias do personalismo dissolvente, não dilapidavam possibilidades preciosas, a erigir fronteiras dogmáticas...)

Entreamavam-se em nome do Senhor, e ofereciam a própria vida, em penhor de gratidão Aquele que não trepidava em seguir para a Cruz, por amor a todos nós. Erguiam os seus mais sublimes santuários na comunhão com os princípios santificantes que os identificavam com o Salvador do Mundo. Sabiam perder vantagens transitórias, para conquistar os Imperecíveis tesouros celestiais. Sacrificavam-se uns pelos outros, na viva demonstração do devotamento fraternal. Repartiam os sofrimentos e multiplicavam os júbilos entre si. Morriam em testemunhos angustiosos, para alcançar a vida eterna.

Guerreavam os desequilíbrios de sua época e de seus contemporâneos, não a golpes de maldição, nem a fio de espada, mas pela prática da renunciação, submetendo-se a disciplinas cruéis e revelando, nas palavras, nos pensamentos e nos atos, a mensagem sublime do Mestre que lhes renovara os corações.

Entretanto, herdeiros que sois daqueles heróis anônimos, que transitaram nas aflições, de espírito edificado nas promessas do Cristo, que fizestes vós da esperança transformadora, da confiança sem vacilação?

Onde colocastes a fé viva que os vossos patriarcas adquiriram a preço de sangue e de lágrimas?

Que é do espírito de fraternidade que assinalava os aprendizes da Boa-Nova?

Enriquecidos pelas graças do Céu, pouco a pouco olvidastes as portas da Revelação Divina em troca das comodidades humanas.

«Construístes, entre vós mesmos, barreiras dificilmente transponíveis.

“Intoxica-vos o dogmatismo, corrompe-vos a secessão. Estreitas interpretações do plano divino vos obscurecem os horizontes mentais”.

Abris hostilidade franca, em nome do Reino de Deus que significa amor universal e união eterna.

“Conspurcais a fonte das bênçãos, amaldiçoando-vos uns aos outros, invocando, para isso, o Príncipe da Paz, que, para ajudar-nos, não hesitou ante a própria morte afrontosa.”

«A que delírio chegastes, estabelecendo mútua concorrência à imaginária obtenção de privilégios divinos?”

«Antigamente, os companheiros do Cristo disputavam a oportunidade de servir; no entanto, na atualidade, procurais as mínimas ocasiões de serdes servidos.

Reverenciais do Senhor a Luz dos Séculos, e mantendes-vos nas sombras do nefando egoísmo.

«Proclamais n`Ele a glória da paz, e incentivais a guerra fratricida, em que homens e instituições se trucidam reciprocamente.

«Recorreis ao Divino Mestre, centralizando em sua infinita bondade a fonte inesgotável do amor; entretanto, cultivais a desarmonia no recôndito do ser.

«Por que estranhas convicções supondes conquistar o paraíso, à força de afirmativas labiais?

«Esquecestes que o verbo, divino em seus fundamentos, é sempre criador?

Como admitir a redenção ao preço de simples palavras a que nenhum significado objetivo emprestais pelas atitudes?

«Todavia, é imperioso reconhecer o caráter sublime de vossa tarefa no mundo.

«Jesus fundou a Religião do Amor Universal, que os sacerdotes políticos dividiram em várias escolas orientadas pelo sectarismo injustificável. Mau grado esse erro lastimável dos homens, a essência dos vossos princípios é aquela mesma que sustentou a coragem e a nobreza dos trabalhadores sacrificados nos primeiros dias do Cristianismo.

“Porque alguns missionários das verdades religiosas olvidassem a Paternidade Divina e se permitissem desmandos da autoridade, preferindo a opressão e a tirania, não sois menos responsáveis, agora, pelos sagrados depósitos que Jesus nos confiou, destinados aos serviços de elevação humana e de santificação da Terra.”

“O Evangelho, em suas bases, guarda a beleza do primeiro dia. Sofisma algum conseguiu empanar o brilho de “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei....”

“Perante os desafios do Céu, credes, acaso, servir a Deus, encarcerando os serviços da fé nos templos suntuosos? a pompa do culto exterior só faz realçar o desatino de vossas perigosas ilusões acerca da vida espiritual.

“Infrutífera seria a divina missão do Mestre, se a Boa-Nova permanecesse circunscrita às trincheiras sectárias, onde presunçosamente vos refugiais, com o objetivo de inflamar a execranda fogueira das hostilidades simuladamente cordiais.”

“Não encontrastes outra fórmula de externar a crença, além da concorrência menos digna?”

“Em vão ergueis castelos de opinião para o verbalismo sem obras, porque, se a morte surpreende o materialista revel, descortinando-lhe o realismo da vida, o túmulo abre também o tribunal da reta justiça a quantos se valeram da religião para melhor dissimular a indiferença que lhes povoa o mundo Intimo.”

“Não julgueis esteja a fé consagrada ao menor esforço.”

“Qual ocorre à ciência, a religião tem o seu trabalho específico no mundo”.

Força equilibrante do pensamento, seus servidores são chamados a colaborar na harmonia da mente humana.

“Na atuação da fé positiva reside a força reguladora das paixões, dos impulsos irresistíveis da animalidade de que todos emergimos, no processo evolucionário que nos preside à existência.”

“Jesus, por isto, não confinou seus ensinamentos ao círculo estreito dos templos de pedra. Reverenciou, em verdade, os monumentos que recordassem os lugares santos da oração, consagrados às manifestações superiores do espírito; entretanto, não se cristalizou nas atitudes adorativas: viveu conquistando amigos para o Reino do Céu.”

Não impôs aos seus seguidores normas rígidas de ação: pedia-lhes amor e entendimento, fé sincera e bom ânimo para os serviços edificantes.

Aproximando-se de Madalena, não extravagam em baldas conversações: interessa-lhe o coração no sublime apostolado renovador. Visitando Zaqueu, abençoa-lhe o esforço nobre e construtivo. Dirigindo-se à mulher samaritana, não desce às contendas inúteis: impressiona-a pelo contacto de sua alma divina, fazendo-a abandonar o velho cântaro da fantasia, para que busque as fontes eternas. Convivendo com cegos e leprosos, loucos e doentes de todos os matizes, exemplificou a vida social, baseada na fraternidade mais pura e nos mais elevados estímulos à santificação. Por fim, imolado na cruz, seus dois últimos companheiros eram ladrões confessos, aos quais não hesitou dirigir a palavra fraterna, inflamada de amor.

«Como invocar-lhe o nome para justificar os desvarios da separação por motivos de fé?

Como apoiar-se no Amigo de Todos para deflagrar embates de opinião, acendendo fogueiras de ódio em prejuízo da solidariedade comum que Ele exemplificou até ao supremo sacrifício? Não será denegrir-lhe a memória, difundir a discórdia em seu nome?

Notei que as palavras do orientador provocavam funda impressão. A maioria dos ouvintes chorava em comoção irrepressível, sentindo-se tocada pelo Juízo Celeste.

Eusébio, que mantinha presa a atenção geral, prosseguiu impávido:

— Não se vos reclama a transferência do depósito espiritual da crença veneranda. Em todos os setores, onde a sementeira do Cristo desabrocha, é possível honrar a Divina Lei, gravando-lhe os parágrafos sublimes no coração.

O que se pede do vosso espírito de crença é o aproveitamento das bênçãos celestiais esparzidas sobre vós em caudalosas correntes de luz.

“Não limiteis, portanto, a demonstração da confiança no Altíssimo aos cerimoniais do culto externo. Varrei a indiferença que vos enregela as basílicas suntuosas. Convertamos-nos em verdadeiros irmãos uns dos outros.

Transformemos a igreja no doce lar da família cristã, quaisquer que sejam as nossas interpretações. Esqueçamos a falsa afirmativa de que os tempos apostólicos passaram para sempre. Cada aprendiz do Evangelho guarda, na própria vida, um reduto destinado ao culto vivo do Divino Mestre, perante o qual escoa a multidão dos necessitados, todos os dias...

Amando e socorrendo, crendo e agindo, Jesus amparou a mente desequilibrada do mundo greco-romano, infundindo-lhe vida nova, em favor da Humanidade mais feliz. Assim, igualmente, cada discípulo da fé redentora pode e deve cooperar no reerguimento dos irmãos frágeis e vacilantes.

Fugi ao farisaísmo dos tempos modernos que se recusa ao auxílio fraternal, em nome do gênio satânico do cisma dogmático. Jesus nunca foi pregador da desarmonia, jamais endossou a vaidade petulante dos que pelos lábios se declaram puros, mantendo o coração atascado no lodo miasmático do orgulho e do egoísmo fatais!

“Mobilizemos nossa confiança no Todo-Misericordioso, dilatando-lhe o reino bendito de redenção.”

Aguardar O Céu, menosprezando a Terra, é obra de insensatez.

‘Nenhum de nós peitará a Justiça Divina, embora permaneçais cultivando, muitas vezes, a idéia de um comércio ridículo com a Divindade.

“Se um lavrador jamais é postado sem obrigações diretas diante do matagal inculto ou do pântano perigoso, como permanecer sem deveres imediatos junto às paisagens de crime e treva, de inquietação e sofrimento?...”

O irmão caldo é nossa carga preciosa, a dificuldade é nosso incentivo santo, a dor nossa escola purificadora.

“Abracemos-nos, pois, uns aos outros, em nome do Cordeiro de Deus, que nos reformou a mente, alçando-a a planos superiores pela ascensão gloriosa, através do sacrifício.”

Somente assim, meus amigos, é possível atender à elevada destinação que nos cabe.

‘Diante do mundo periclitante, alucinado por ambições rasteiras e dominado pelo ódio e pela miséria, Seqüências das guerras incessantes e aniquiladoras, harmonizeimo-nos em Jesus - Cristo, a fim de equilibrarmos a esfera carnal.

Sombras perturbadoras vagueiam em torno de vossos passos e de vossas instituições, em ronda Sinistra.

Evitai a subversão dos valores espirituais, afugentai as trevas que vos ameaçam as organizações político-religiosas. Temei a ciência que estadeie sem a sabedoria, livrai-vos do raciocínio que calcula sem amor, revisai a fé para que seus impulsos não se desordenem, à míngua de edificação.

A Crosta da Terra é atualmente um campo de batalha mais áspera, mais dolorosa...

Despertai a consciência adormecida e afeiçoai-vos à Lei Divina, olvidando o cativeiro multi-secular da ilusão.

“A salvação é contínuo trabalho de renovação e de aprimoramento”.

Ao mundo atormentado proclamemos a nossa fé em Cristo Jesus para sempre!...’

Eusébio, ao terminar, estava aureolado de prodigiosas emissões de luz.

A assembléia prosternada mostrava semblantes lívidos de estupefação.

Enorme grupo de colaboradores de nosso plano elevou a voz em harmonias, entoando comovente cântico de glorificação ao Supremo Senhor.

As melodiosas notas do hino perdiam-se, ao longe, no arvoredo distante, nas asas de suave brisa...

Terminados os serviços da reunião, reparei que os amigos encarnados, sob o amparo de colegas das nossas atividades socorristas, não se afastaram animados e otimistas, porque muitos deles, compreendendo, talvez com mais clareza, fora do veículo denso da experiência física, os erros da crença transviada, se retiravam cabisbaixos, soluçando...

Trecho retirado do capitulo 15 do Livro “NO MUNDO MAIOR” do Espírito André Luiz

terça-feira, 8 de junho de 2010

A VONTADE DE DEUS

Desde criança ficava intrigada quando ouvia dizer: foi Deus quem quis quando acontecia alguma coisa trágica ou incontrolável, até inoportuna, porque não me passava pela concepção que, se Deus era magnânimo e gozava de todos os bons predicados que lhe eram atribuídos, como poderia permitir e muito pior, cometer tamanhas atrocidades? Pelo menos, era o que se passava pela minha mentalidade ainda em desenvolvimento. Lembro-me de que quando qualquer pessoa sofria um revés, lá vinha a célebre frase: - Foi a vontade de Deus! Uma série de outras grandes barbaridades e de pequenas coisas, segundo minha visão, tais como: “não cai uma folha de uma árvore sem que seja a vontade de Deus” levava-me a pensar: nesse caso, então, Ele derruba casas, aviões e mais, permite que aconteçam tragédias que nenhum de nós, na nossa imperfeição - não sendo uma pessoa desnaturada - deixaria ocorrer sem tentar impedir, caso estivesse em nossa alçada como se imagina esteja no Poder de Deus: Então, o grande problema é que Ele não possa! Só vim a perceber isso quando meu pai começou a me ensinar os princípios fundamentais da vida, analisando-a através da reencarnação, onde Deus não se envolvia com os nossos problemas, sendo da competência exclusiva de cada um ditar os fundamentos da suas existências, na prática diária de suas ações. De fato, Deus não podia ser mesquinho a esse ponto: governar o mundo sob seu jugo e a bel prazer, cometendo iniqüidades de toda a sorte, senão, estabelecendo leis sábias e universais para que se efetivassem no seu cumprimento. O homem, usando o livre arbítrio, é que não as respeita e torna-se algoz de si mesmo, com tais práticas. Porém, pasma fico quando me deparo com pessoas cultas, pelo menos, tidas como tal, a conclamar os preceitos evangélicos das “potestades” divinas pregadas por Paulo, o apóstolo dos gentios. A enaltecer a virtude e a falar na vontade absolutista de um Criador que, se, de fato, pudesse fazer tudo perfeito - não o tendo realizado - fracassara na conformação do homem sob o aspecto dos seus sentimentos. Afinal, uns são bons, outros maus: como justificar tamanho desacerto? Essa acertiva de que cada qual escolheu seu destino interfere na premissa de que nada se faz sem a Vontade do Supremo Arquiteto do Universo, na linguagem dos Iniciados. Por outro lado, uma desculpa infantil é a da existência do Satanás: quem o teria feito para tentar os homens, senão o próprio Deus, único e exclusivo Criador de tudo!? Um outro grande problema dos adoradores da Divindade Superior é achar que, para que seja perfeito, Ele não possa progredir, estagnando através do tempo. Sendo o máximo, não teria mais evolução. Ora, não o tendo, seria estacionário e, em decorrência disso, não poderia se considerar perfeito, afinal, os próprios mentores espirituais afirmam que, quanto mais perfeita a criatura, maior o seu grau evolutivo! Só os reacionários ao progresso se detêm em sua marcha ou caminhada para os níveis mais altos do progresso. Por acaso, nosso progresso, como seres componentes da criação, não será uma prova da necessidade evolutiva do cosmo? E essa evolução não seria o próprio progresso de Deus? E, como tal, a decorrência da formação universal? É! Deus existe, não há dúvida: sua obra, o universo, está aí para todos admirarem e usufruírem. O que não se sabe é Quem ou O que seja Deus, para que nos julguemos à sua imagem e semelhança. Passa-se o tempo. Hoje em dia, a concepção que tenho é a de que sejamos células do Corpo de Deus: exatamente como acontece no nosso corpo onde nossas partículas orgânicas têm funções a serem cumpridas, das quais, às vezes, se perdem, independentemente da nossa vontade, soberana sobre nosso corpo. E o que ocorre com elas? Degeneram-se, por vezes, outras, o próprio organismo cuida transformá-las agindo sobre sua vontade, corrigindo-as, e assim por diante. Portanto, no nosso caso somático, quando as células se equivocam no seu comportamento, ficamos doente. Quando cumprem suas funções corretamente ou se corrigem, passamos a ter saúde. É um trabalho coletivo. Assim também a humanidade, não apenas a terrena, sendo o corpo de Deus, só pode progredir em conjunto. Quando cada um de nós evolve, logicamente, Deus estará também evolvendo! Daí o ditado: - “De hora em hora Deus melhora”! Agora, olhando o nosso atraso, imaginemos, pois, o quanto Deus ainda vai ter que progredir para que seu organismo - o cosmo - fique perfeito. E é essa a nossa semelhança com Deus!

Carmen Imbassahy

segunda-feira, 7 de junho de 2010

ARRUMAR A MALA

Estradas, atalhos, caminhos, que sempre convidam para caminhar...

É bom arrumar sempre a mala e deixá-la na sala, perto do sofá.

A dor de quem parte é a dor de ver o seu amor esperando no cais; a dor de quem fica é a dor de ver o seu amor acenando pra trás...

Nos versos do compositor encontramos algumas verdades que nos convidam a pensar sobre esse assunto tão importante para todos nós, que é a morte.

Sim, inevitavelmente chegará a hora da partida.

E como ninguém sabe o momento que terá que partir, é importante deixar a mala sempre bem arrumada, para não ter do que se lamentar depois.

Mas, afinal, o que significa arrumar a mala?

Certamente não levaremos roupas, jóias, livros, dinheiro e outras

coisas materiais. Mas, então, o que arrumar?

Talvez fosse interessante começar pelos relacionamentos, compromissos e deveres.

Nesse sentido, arrumar a mala é arrumar a vida espiritual.

Como estão os compromissos assumidos? Você está dando conta de todos, ou tem muita coisa pendente?

E os relacionamentos, como vão?

Alguém guarda mágoa de você? Não importa se com ou sem razão, vale a pena desfazer esse nó.

Você sente ódio de alguém? Aproveite o momento e resolva isso. Não deixe essa pendência lhe tirar a paz, logo mais.

Se você tiver que partir de repente, isso estará solucionado, e sua mala estará mais leve.

Como está com relação aos estudos?

Tem aproveitado os dias para iluminar a razão?

Enquanto tem tempo, use-o para adicionar a riqueza do conhecimento à sua bagagem. O conhecimento jamais se perde e você poderá fazer uso dele a qualquer momento.

E o relacionamento com os filhos, pais, irmãos, amigos, vai bem?

Não ficará nenhum abraço a ser dado, nenhum pedido de desculpas pendente, nenhuma atenção desdenhada?

As pendências não permitem que a mala se feche adequadamente, e isso pode causar fortes sofrimentos para ambos os lados...

E a saúde, como está?

Você tem cuidado do seu veículo físico como deve?

Não permita que o descuido lhe arrebate do corpo antes do tempo. Isso lhe traria sérios dissabores.

Assim, arrumar a mala quer dizer retirar da bagagem espiritual as mágoas, os rancores, a inveja, os ciúmes, os ódios, e outros detritos que pesam sobre a economia moral.

É buscar resolver todas as questões que nos tiram a paz. É desenvolver laços de verdadeira fraternidade com aqueles que nos rodeiam.

Os sentimentos infelizes que agasalhamos na alma, contra alguém, nos vinculam a esse alguém, nesta vida ou no além, perturbando-nos e infelicitando-nos.

Já os conhecimentos, as virtudes e os laços de afeto são excelentes contribuições para a conquista da felicidade.

Consideremos que o simples fato de viajar para o mundo espiritual não nos liberta das nossas mazelas e não nos retira as virtudes já conquistadas.

Somos, aqui ou no além-túmulo, herdeiros de nós mesmos.

Por isso é de suma importância termos a devida atenção para com a nossa bagagem espiritual.

Pense nisso!

Viver com sabedoria é não deixar o que pode ser resolvido hoje, para resolver num amanhã incerto...

Pense nisso, e procure deixar a sua mala sempre em ordem, para o caso de precisar partir sem ao menos poder dizer "até logo"...


Equipe de Redação do Momento Espírita, com base na canção intitulada Estrela do Coração, de Ricardo Ribeiro.

domingo, 6 de junho de 2010

A PRECE

A prece deve ser uma expansão íntima da alma para com Deus, um colóquio solitário, uma meditação sempre útil, muitas vezes fecunda. É, por excelência, o refúgio dos aflitos, dos corações magoados. Nas horas de acabrunhamento, de pesar íntimo e de desespero, quem não achou na prece a calma, o reconforto e o alivio a seus males? Um diálogo misterioso se estabelece entre a alma sofredora e a potência evocada. A alma expõe suas angústias, seus desânimos; implora socorro, apoio, Indulgência. E, então, no santuário da consciência, uma voz secreta responde: é a voz d’Aquele donde dimana toda a força para as lutas deste mundo, todo o bálsamo para as nossas feridas, toda a luz para as nossas incertezas. E essa voz consola, reanima, persuade; traz-nos a coragem, a submissão, a resignação estoicas. E, então, erguemo-nos menos tristes, menos atormentados; um raio de sol divino luziu em nossa alma, fez despontar nela a esperança.

Há homens que desdenham a prece, que a consideram banal e ridícula.

Esses jamais oraram, ou, talvez, nunca tenham sabido orar. Ah! sem dúvida, se só se trata de padre-nossos proferidos sem convicção, de responsos tão vãos quanto Intermináveis, de todas essas orações classificadas e numeradas que os lábios balbuciam, mas nas quais o coração não toma parte, pode-se compreender tais críticas; porém, nisso não consiste a prece.

A prece é uma elevação acima de todas as coisas terrestres, um ardente apelo às potências superiores, um Impulso, um voo para as regiões que não são perturbadas pelos murmúrios, pelas agitações do mundo material, e onde o ser bebe as Inspirações que lhe são necessárias. Quanto maior for seu alcance, tanto mais sincero é seu apelo, tanto mais distintas e esclarecidas se revelam as harmonias, as vozes, as belezas dos mundos superiores. É como que uma janela que se abre para o Invisível, para o infinito, e pela qual ela percebe mil impressões consoladoras e sublimes. Impregna-se, embriaga-se e retempera-se nessas impressões, como num banho fluídico e regenerador.

Nos colóquios da alma com a Potência Suprema a linguagem não deve ser preparada ou organizada com antecedência; sobretudo, não deve ser uma fórmula, cujo tamanho é proporcional ao seu importe monetário, pois isso seria uma profanação e quase um sacrilégio. A linguagem da prece deve variar segundo as necessidades, segundo o estado do Espírito humano. É um grito, um lamento, uma efusão, um cântico de amor, um manifesto de adoração, ou um exame de seus atos, um Inventário moral que se faz sob a vista de Deus, ou ainda um simples pensamento, uma lembrança, um olhar erguido para o céu.

Não há horas para a prece. Sem dúvida, é conveniente elevar-se o coração a Deus no começo e no fim do dia. Mas, se não vos sentirdes motivados, não oreis; é melhor não fazer nenhuma prece do que orar somente com os lábios.

Em compensação, quando sentirdes vossa alma enternecida, agitada por um sentimento profundo, pelo espetáculo do infinito, deveis fazer a prece, mesmo que seja à beira dos oceanos, sob a claridade do dia, ou debaixo da cúpula brilhante das noites; no meio dos campos e dos bosques sombreados, no silêncio das florestas, pouco importa; é grande e boa toda causa que, produzindo lágrimas em nossos olhos ou dobrando os nossos joelhos, faz também emergir em nosso coração um hino de amor, um brado de admiração para com a Potência Eterna que guia os nossos passos por entre os abismos.

Seria um erro julgar que tudo podemos obter pela prece, que sua eficácia Implique em desviar as provações inerentes à vida. A lei de imutável justiça não se curva aos nossos caprichos. Os males que desejaríamos afastar de nós são, muitas vezes, a condição necessária do nosso progresso. Se fossem suprimidos, o efeito disso seria tornar estéril a nossa vida. De outro modo, como poderia Deus atender a todos os desejos que os homens exprimem nas suas preces? A maior parte destes seria incapaz de discernir o que convém, o que é proveitoso. Alguns pedem a fortuna, ignorando que esta, dando um vasto campo às suas paixões, seria uma desgraça para eles.

Na prece que diariamente dirige ao Eterno, o sábio não pede que o seu destino seja feliz; não deseja que a dor, as decepções, os revezes lhe sejam afastados.

Não! O que ele implora é o conhecimento da Lei para poder melhor cumpri-la; o que ele solicita é o auxílio do Altíssimo, o socorro dos Espíritos benévolos, a fim de suportar dignamente os maus dias. E os bons Espíritos respondem ao seu apelo. Não procuram desviar o curso da justiça ou entravar a execução dos decretos divinos. Sensíveis aos sofrimentos humanos, que conheceram e suportaram, eles trazem a seus irmãos da Terra a inspiração que os sustém contra as influências materiais; favorecem esses nobres e salutares pensamentos, esses Impulsos do coração que, levando-os para altas regiões, os libertam das tentações e das armadilhas da carne. A prece do sábio, feita com recolhimento profundo, isolada de toda preocupação egoísta, desperta essa Intuição do dever, esse superior sentimento do verdadeiro, do bem e do justo, que o guiam através das dificuldades da existência e o mantêm em comunicação íntima com a grande harmonia universal.

Mas, a Potência Soberana não só representa a justiça; é também a bondade, imensa, infinita e caritativa. Ora, por que não obteríamos por nossas preces tudo o que a bondade pode conciliar com a justiça? Podemos pedir apoio e socorro nas ocasiões de angústia, mas somente Deus pode saber o que é mais conveniente para nós e, na falta daquilo que lhe pedimos, enviar-nos proteção fluídica e resignação.

*

Logo que uma pedra fende as águas, vê-se-lhes a superfície vibrar em ondulações concêntricas. Assim também o fluído universal vibra pelas nossas preces e pelos nossos pensamentos, com a diferença de que as vibrações das águas são limitadas, enquanto as do fluído universal se sucedem ao infinito.

Todos os seres, todos os mundos estão banhados nesse elemento, assim como nós o estamos na atmosfera terrestre. Daí resulta que o nosso pensamento, quando é atuado por grande força de impulsão, por uma vontade perseverante, vai impressionar as almas a distâncias incalculáveis. Uma corrente fluídica se estabelece entre umas e outras e permite que os Espíritos elevados nos Influenciem e respondam aos nossos chamados, mesmo que estejam nas profundezas do espaço.

Também sucede o mesmo com todas as almas sofredoras. A prece opera nelas qual magnetização a distância. Penetra através dos fluídos espessos e sombrios que envolvem os Espíritos infelizes; atenua suas mágoas e tristezas.

É a flecha luminosa, a flecha de ouro rasgando as trevas. É a vibração harmônica que dilata e faz rejubilar-se a alma oprimida. Quanta consolação para esses Espíritos ao sentirem que não estão abandonados, quando veem seres humanos interessando-se ainda por sua sorte! Sons, alternativamente poderosos e ternos, elevam-se como um cântico na extensão e repercutem com tanto maior intensidade quanto mais amorosa for a alma donde emanam.

Chegam até eles, comovem-nos e penetram profundamente. Essa voz longínqua e amiga dá-lhes a paz, a esperança e a coragem. Se pudéssemos avaliar o efeito produzido por uma prece ardente, por uma vontade generosa e enérgica sobre os desgraçados, os nossos votos seriam muitas vezes a favor dos deserdados, dos abandonados do espaço, desses em quem ninguém pensa e que estão mergulhados em sombrio desânimo.

Orar pelos Espíritos infelizes, orar com compaixão, com amor, é uma das mais eficazes formas de caridade. Todos podem exercê-la, todos podem facilitar o desprendimento das almas, abreviar o tempo da perturbação por que elas passam depois da morte, atuando por um impulso caloroso do pensamento, por uma lembrança benévola e afetuosa. A prece facilita a desagregação corporal, ajuda o Espírito a libertar-se dos fluídos grosseiros que o ligam à matéria. Sob a Influência das ondulações magnéticas projetadas por uma vontade poderosa, o torpor cessa, o Espírito se reconhece e assenhoreia-se de si próprio.

A prece por outrem, pelos nossos parentes, pelos Infortunados e enfermos, quando feita com sentimentos sinceros e ardente fé, pode também produzir efeitos salutares. Mesmo quando as leis do destino lhe sejam um obstáculo, quando a provação deva ser cumprida até ao fim, a prece não é inútil. Os fluídos benéficos que traz em si acumulam-se para, no momento da morte, recaírem sobre o perispírito do ser amado.

“Reuni-vos para orar”, disse o apóstolo (01). A prece feita em comum é um feixe de vontades, de pensamentos, raios, harmonias e perfumes que se dirige mais poderosamente ao seu alvo. Pode adquirir uma força irresistível, uma força capaz de agitar, de abalar as massas fluídicas. Que alavanca poderosa para a alma entusiasta, que dá ao seu impulso tudo quanto há de grandioso, de puro e de elevado em si! Nesse estado, seus pensamentos irrompem como corrente impetuosa, de abundantes e potentes eflúvios. Tem-se visto, algumas vezes, a alma em prece desprender-se do corpo e, inebriada pelo êxtase, seguir o pensamento fervo roso que se projetou como seu precursor através do infinito. O homem traz em si um motor incomparável, de que apenas sabe tirar medíocre proveito. Entretanto, para fazê-lo agir bastam duas coisas: a fé e a vontade.

Considerada sob tais aspectos, a prece perde todo o caráter místico. O seu alvo não é mais a obtenção de uma graça, de um favor, mas, sim, a elevação da alma e o relacionamento desta com as potências superiores, fluídicas e morais. A prece é o pensamento inclinado para o bem, é o fio luminoso que liga os mundos obscuros aos mundos divinos, os Espíritos encarnados às almas livres e radiantes. Desdenhá-la seria desprezar a única força que nos arranca ao conflito das paixões e dos interesses, que nos transporta acima das coisas transitórias e nos une ao que é fixo permanente e imutável no Universo. Em vez de repelirmos a prece, por causa dos abusos ridículos e odiosos de que foi objeto, não será melhor nos utilizarmos dela com critério e medida? É com recolhimento e sinceridade, é com sentimento que se deve orar. Evitemos as fórmulas banais usadas em certos meios. Nessas espécies de exercícios espirituais, apenas a nossa boca se move, pois a alma conserva-se muda. No fim de cada dia, antes de nos entregarmos ao repouso, perscrutemos a nós mesmos, examinemos cuidadosamente as nossas ações. Saibamos condenar o que for mau, a fim de o evitarmos, e louvemos o que houvermos feito de bom e útil. Solicitemos da Sabedoria Suprema que nos ajude a realizar em nós e ao nosso redor a beleza moral e perfeita. Longe das coisas mundanas, elevemos os nossos pensamentos. Que nossa alma se eleve, alegre e amorosa, para o Eterno. Ela descerá então dessas alturas com tesouros de paciência e de coragem, que tornarão fácil o cumprimento dos seus deveres e da sua tarefa de aperfeiçoamento.

E se, em nossa incapacidade para exprimir os sentimentos, é absolutamente necessário um texto, uma fórmula, digamos:

“Meu Deus, vós que sois grande, que sois tudo, deixai cair sobre mim, humilde, sobre mim, eu que não existo senão pela vossa vontade, um raio de divina luz. Fazei que, penetrado do vosso amor, me seja fácil fazer o bem e que eu tenha aversão ao mal; que, animado pelo desejo de vos agradar, meu espírito vença os obstáculos que se opõem à vitória da verdade sobre o erro, da fraternidade sobre o egoísmo; fazei que, em cada companheiro de provações, eu veja um irmão, assim como vedes um filho em cada um dos seres que de vós emanam e para vós devem voltar. Dai-me o amor do trabalho, que é o dever de todos sobre a Terra, e, com o auxílio do archote que colocaste ao meu alcance, esclarecei-me sobre as imperfeições que retardam meu adiantamento nesta vida e na vindoura.” (02)

Unamos nossas vozes às do infinito. Tudo ora, tudo celebra a alegria de viver, desde o átomo que se agita na Lua até o astro Imenso que flutua no éter.

A adoração dos seres forma um concerto prodigioso que se expande no espaço e sobe a Deus. É a saudação dos filhos ao Pai, é a homenagem prestada pelas criaturas ao Criador. Interrogai a Natureza no esplendor dos dias de sol, na calma das noites estreladas. Escutai as grandes vozes dos oceanos, os murmúrios que se elevam do seio dos desertos e da profundeza dos bosques, os acentos misteriosos que se desprendem da folhagem, repercutem nos desfiladeiros solitários, sobem as planícies, os vales, franqueiam as alturas e espalham-se pelo Universo. Por toda parte, em todos os lugares, concentrando-vos, ouvireis o cântico admirável que a Terra dirige à Grande Alma. Mais solene ainda é a prece dos mundos, o canto suave e profundo que faz vibrar a Imensidade e cuja significação sublime somente os Espíritos elevados podem compreender.

(01) Atos, 12:12

(02) Prece inédita, ditada, com o auxílio de uma mesa, pelo Espírito Jerônimo de Praga, a um grupo de operários.



Léon Denis
Depois da Morte

quinta-feira, 3 de junho de 2010

SOBRE A ORIGEM DOS EVANGELHOS.

O Antigo Testamento é o livro sagrado de um povo – o povo hebreu; o Evangelho é o livro sagrado da Humanidade. As verdades essenciais que ele contém acham-se ligadas às tradições de todos os povos e de todas as idades.

A essas verdades, porém, muitos elementos inferiores vieram associar-se.

Nesse ponto de vista o Evangelho pode ser comparado a um vaso precioso em que, no meio da poeira e das cinzas, se encontram pérolas e diamantes. A reunião dessas gemas constitui a pura doutrina cristã.

Quanto à sua verdadeira origem, admitindo que os Evangelhos canônicos sejam obra dos autores de que trazem os nomes, é preciso notar que dois dentre eles, Marcos e Lucas, se limitaram a transcrever o que lhes fora dito pelos discípulos. Os outros dois, Mateus e João, conviveram com Jesus e recolheram os seus ensinos. Os seus evangelhos, porém, não foram escritos senão quarenta e sessenta anos depois da morte do mestre.

A seguinte passagem de Mateus (XXIII, 35) - a menos que se trate de uma interpolação bem verossímil – prova que essa obra é posterior à tomada de Jerusalém (ano 70). Jesus dirige esta veemente apóstrofe aos fariseus:

“Para que venha sobre vós todo o sangue inocente que se tem derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel “até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que vós matastes entre o templo e o altar”“.

Ora, segundo todos os historiadores e, em particular, segundo Flávius Josefo (139), esse assassínio foi praticado no ano 67, ou sejam trinta e quatro anos depois da morte de Jesus.

Se atribuem ao Cristo a menção de um fato que ele não pudera conhecer, ao que se não terão animado acerca de outros pontos?!

Os Evangelhos não estão concordes sobre os fatos mais notáveis atribuídos a Jesus. Assim, cada um deles refere de modo diferente as suas derradeiras palavras.

Segundo Mateus c Marcos, teriam sido: "Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?"(140) Conforme Lucas, o Cristo, ao expirar, teria dito: “Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito(141) expressivo testemunho do amor filial que o unia a Deus”. João, finalmente, põe na sua boca estas palavras: “Tudo está cumprido”. (142)

O mesmo se verifica relativamente à primeira aparição de Jesus: ainda nisso os evangelistas não estão de acordo. Mateus fala de duas mulheres que, juntas, o teriam visto. No dizer de Lucas, foi aos dois discípulos que se dirigiam para Emaús que em primeiro lugar o Cristo se mostrou. Marcos e João assinalam unicamente Maria Madalena como testemunha de sua primeira aparição (143).

Notemos ainda uma divergência acerca da Ascensão:

Mateus e João, os únicos companheiros de Jesus que escreveram sobre a sua vida, dela não falam. Marcos a indica em Jerusalém (XVI, 14,19), e Lucas declara que ela teve lugar na Betânia (XXIV, 50, 51), no próprio dia da ressurreição, ao passo que os Atos dos Apóstolos dizem ter sido quarenta dias depois (Atos, 1, 3).

Por outro lado, é evidente que o último capítulo do evangelho de João não é do mesmo autor do resto da obra.

Este terminava primitivamente no versículo 31 do cap. XX, e o primeiro versículo que se lhe segue indica um acréscimo.

João teria ousado dizer-se "o discípulo que Jesus amava?" Teria ele podido pretender que no mundo inteiro não caberiam os livros em que se descrevessem os fatos e os gestos de Jesus? (XXI, 25). Se reconhecemos que foi acrescentado um capítulo inteiro a esse evangelho, seremos levados a concluir que numerosas interpolações poderiam ter sido feitas igualmente.

Falamos do grande número de Evangelhos apócrifos.

Deles contava Fabrício trinta e cinco. Esses evangelhos, hoje desprezados, não eram, entretanto, destituídos de valor aos olhos da Igreja, pois que num deles diz Nicodemos que ela vai buscar a crença na descida de Jesus aos infernos, crença imposta a toda a cristandade pelo símbolo do concílio de Nicéia, e de que não fala nenhum dos Evangelhos canônicos.

Em resumo, segundo A. Sabatier, decano da Faculdade de Teologia Protestante de Paris (144), os manuscritos originais dos Evangelhos desapareceram, sem deixar nenhum vestígio certo na História. Foram provavelmente destruídos por ocasião da proscrição geral dos livros cristãos, ordenada pelo imperador Diocleciano (edito imperial de 303). Os escritos sagrados que escaparam à destruição não são, por conseguinte, senão cópias.

Primitivamente, não tinham pontuação esses escritos, mas, em tempo, foram divididos em perícopes, para comodidade da leitura em público - divisões às vezes arbitrárias e diferentes entre si. A divisão atual apareceu pela primeira vez na edição de 1551.

Apesar de todos os seus esforços, o que a crítica pôde cientificamente estabelecer de mais antigo foram os textos dos séculos V e IV. Não pôde remontar mais longe senão por conjeturas sempre sujeitas à discussão.

Orígenes já se queixava amargamente do estado dos manuscritos no seu tempo. Irineu refere que populações inteiras acreditavam em Jesus sem a intervenção do papel e da tinta. Não se escreveu imediatamente, porque era esperada a volta do Cristo.

Cristianismo e Espiritismo
Léon Denis
 
139 - F, Josef. "Guerra dos Judeus contra os romanos". Trad. de Arnald d'Andilly, edição de 1838, de Buchon, livro IV, cap. XIX. pág. 704.
140 – “Mateus“, XXVII, 46. - Marcos, XV, 34”.
141 - "Lucas", XXIII, 46.
142 - "João", XIX, 30.
143 – “Mateus“, XXVIII, 9.” Marcos “, XVI, 9.” Lucas “. XXIV, 15. -,,João", XX,

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A ESPIRITUALIDADE DOS ANIMAIS

Gratificante que esse tema, até pouco tempo tão deslembrado, esteja agora visitando e instigando a mente de tantas pessoas, não necessariamente espíritas, mas, ao menos, espiritualistas, querendo saber o que acontece com os animais depois que morrem...

De minha parte e dentro do que conheço do Espiritismo, respondo a esse questionamento retrocedendo no tempo, partindo da criação dos seres vivos:

– Deus, “[...] a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”, (1) cria sem cessar. Uma de suas criações é o Princípio Inteligente (PI), representado pela mônada (2) que verte do “Princípio Inteligente Universal” e que, contemplada com a eternidade(!), enceta longa rota evolutiva, estagiando inicialmente no mineral, a seguir no vegetal, depois no animal, daí ao hominal e, finalmente, no angelical;

– para essa extensa fieira de experiências, a fim de atuar sobre a matéria, o Princípio Inteligente utiliza “o concurso de uma força, a que se conveio em chamar fluido vital” e em todo ele estará revestido “de um invólucro invisível, intangível e imponderável [...]”. Esse invólucro denomina-se “perispírito” (apesar de sua materialidade, é bastante eterizado). É formado de matéria cósmica primitiva – o fluido universal; (3)

– nos três primeiros estágios citados, a pouco e pouco cada PI irá se individualizando, percorrendo infinitos ciclos evolutivos, num e noutro plano da vida (o espiritual e o material), durante os quais será mantido, monitorado e guiado por Inteligências Siderais, responsáveis pela vida, por delegação divina;

– nesses três reinos o PI gradativamente irá sendo equipado, por aqueles Protetores, de instinto e “automatismos fisiológicos”, (4) representando poderosos equipamentos para possibilitar-lhe a sobrevivência, nos rudes crivos que terá de superar, até humanizar-se, quando então, ainda com tais condicionamentos automáticos (que possibilitam o metabolismo), estará equipado de livre-arbítrio, inteligência contínua e consciência;

– à medida que ocorre a sua individualização, na extensa rota de experiências, no reino animal, o PI já é uma alma, “porém inferior à do homem”;(5) assim sendo, é lícito deduzir que revestindo essa alma há um corpo astral – o perispírito –, sutil, mas ainda material (como já registramos) e sempre mais grosseiro que o do homem.

Tratando-se agora dos três reinos e, em particular, da morte dos animais, Kardec perguntou (6) e obteve respostas claras, não passíveis de segunda interpretação.

Resumindo essas respostas:

– minerais só têm força mecânica (não têm vitalidade);

NOTA: Quer me parecer que essa força é a que mantém a agregação do átomo, que acompanhará as várias vestimentas físicas do PI em toda a vasta fieira de experiências terrenas.

– vegetais são dotados de vitalidade e têm vida orgânica (nascem, crescem, reproduzem e morrem), além de serem dotados de instinto rudimentar;

– animais têm instinto apurado e inteligência fragmentária, além de linguagem própria de cada espécie; têm um princípio independente, que sobrevive após a morte; esse princípio independente, individualizado, algo semelhante a uma alma rudimentar, inferior à humana, dá-lhes limitada liberdade de ação (apenas nos atos da vida material); assim, pois, não têm livre-arbítrio; essa “alma”, não sendo humana, não é um Espírito errante (aquele que, no intervalo das encarnações, pensa e age pelo livre-arbítrio);

– ao morrer, cada animal é classificado pelos Espíritos disso encarregados; enquanto aguardam breve retorno às lides terrenas, via reencarnação, são mantidos em vida latente e sem contato, uns com os outros; ao serem reconduzidos à nova existência terrena são alocados em habitats de suas respectivas espécies.

Aqui encerro o meu (incompleto) resumo do que consta em O Livro dos Espíritos.

Respeitáveis autores espíritas, desencarnados, aduziram informações sobre esse tema. André Luiz, em particular, narra que vários animais são encontrados na Espiritualidade, como por exemplo aves, cães, cavalos, íbis viajores, muares. Alguns são “escalados” para tarefas diversificadas (cães e cavalos, na maioria das vezes, como se vê, respectivamente, em duas obras: (7) Nosso Lar, cap. 33 e Os Mensageiros, cap. 28).

No capítulo XII da citada obra Evolução em Dois Mundos, André Luiz narra que, após a morte, os animais têm dilatado o seu “período de vida latente” no plano espiritual, caindo em pesada letargia, qual hibernação, de onde serão genesicamente atraídos às famílias da sua espécie, às quais se ajustam.

Essa informação considero-a fundamental para o entendimento de como os animais vivem no plano espiritual, tendo Kardec registrado que, após a morte, os animais são classificados e impedidos de se relacionarem com outras criaturas;

André Luiz, agora, diz a mesma coisa, de outra forma, ao mencionar que os animais que não são destacados para alguma tarefa entram em hibernação e logo reencarnam.

Depreendo, assim, que na Espiritualidade os animais não utilizados em vários serviços não têm vida consciente, mas vegetativa, o que responde à pergunta de como vivem lá: sem qualquer relacionamento, uns com os outros. Assim, não havendo ação de predadores inexistem presas; mantidos em hibernação, não se alimentam, não brigam, não reproduzem, não se deslocam.

Como se nota na literatura espírita, as referências sobre animais na Espiritualidade reportam-se, na maioria das vezes, a animais que podem ser denominados biológica e espiritualmente “superiores”.

Raríssimas são as notas sobre aves, peixes, insetos ou sobre as incontáveis espécies extintas no Planeta.

Igualmente escassas, as anotações sobre a fantástica transição do animal (quais espécies animais?) para o hominal – o “elo perdido”, dos biólogos...

Sem nos esquecermos da instigante citação, feita de relance por André Luiz, em Nosso Lar, em se referindo à existência, na Espiritualidade, dos “parques de estudo e experimentação”.

O fato é que existem, sim, tais anotações, porém, o espaço disponível para meu texto não comportaria mais informações sobre a espiritualidade dos animais.

Reformador Fev.08

(1)KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 90. ed. Rio de Janeiro: FEB. Questão 1.
(2)Mônada: organismo muito simples, que poderia ser considerado uma unidade orgânica. “Mônada celeste” seria a célula espiritual, manifestando-se em “o princípio inteligente (PI) em suas primeiras manifestações”, ou seja, na primeira fase de evolução do ser vivo, “os germes sagrados dos primeiros homens”.
(3)DELANNE, Gabriel. A evolução anímica. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Introdução”, p. 15-16.
(4)XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. Ed. Especial. Rio de Janeiro: FEB, 2003. Primeira Parte, cap. 4, p. 39.
(5)KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 90.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 597/597-a.
(6)______. Parte segunda, cap. XI, “Dos três reinos”.
(7)Ambas as obras de André Luiz, autor espiritual, com psicografia de Francisco Cândido Xavier. Ed. FEB

terça-feira, 1 de junho de 2010

DOUTRINA ESPÍRITA E OS CULTOS AFRO-BRASILEIROS


Para alguns confrades, o Espiritismo, no início do século XX no Brasil, ganhou uma tonalidade que o fez diferente daquele existente na Europa. Sofreu uma deformação ou determinada construção original, sobretudo pelas relações entre ele e os cultos afro-brasileiros. À época, o Espiritismo possuía, na Europa, um caráter mais científico e filosófico e, no Brasil, ganhou características mais religiosas. Atribui-se, a esse fator, o pendor místico da tradição cultural brasileira.

Para esses estudiosos, o "abrasileiramento" do Espiritismo o levou a uma perda do caráter experimentalista e científico de sua origem, e isto correspondera a um abastardamento do Espiritismo no Brasil. Evidentemente, discordamos dessa tese que considera o Espiritismo brasileiro uma simples deturpação do europeu. Tais teóricos acreditam até, que não seria possível ao Espiritismo manter uma "pureza" para onde quer que fosse difundido.

Será que o termo Espiritismo inclui as crenças afro-brasileiras? É óbvio que não! Porém, desde sua chegada ao Brasil, seus adversários tentam igualá-los. Contudo, reconhecemos que a Umbanda, por exemplo, mais se parece com o Catolicismo do que com o Espiritismo, devido aos rituais, aos atos sacramentais e à hierarquia sacerdotal, os quais não existem no Espiritismo.

Kardec não enfrentou este tipo de problema à época. Entretanto, no Brasil, com as peculiaridades da índole brasileira, tudo tem que ter conotação especial. Para alguns, seríamos espíritas kardequianos e eles, “espíritas” umbandistas. Para outros, somos espíritas "mesa branca" e eles, de terreiros. Os termos não têm razão de ser, mas a urgência em nos diferençarmos de outras seitas religiosas tem levado certos espíritas a utilizarem essas inadequadas adjetivações.

O Espiritismo é uma Doutrina religiosa que tem Jesus como guia e modelo de conduta. Não há como compreender o Espiritismo sem Jesus e sem Kardec, para todos, com todos e ao alcance de todos, a fim de que o projeto da Terceira Revelação alcance os fins a que se propõe.

Como diferença fundamental na prática doutrinária, o Espiritismo não adota em suas reuniões: paramentos ou quaisquer vestes especiais; vinho, cachaça, ou qualquer outra bebida alcoólica; incenso, mirra, fumo ou quaisquer outras substâncias que produzam fumaça; altares, imagens, andores e velas; hinos ou cantos em línguas mortas ou exóticas; danças ou procissões; atendimento a interesses materiais, terra-a-terra, mundanos; pagamento de qualquer espécie; talismãs, amuletos, orações miraculosas, bentinhos e escapulários; administração de sacramentos, concessão de indulgências, distribuição de títulos nobiliárquicos; horóscopos, cartomancia, quiromancia e astrologia; rituais e encenações extravagantes; promessas e despachos; riscar cruzes e pontos; praticar, enfim, a extensa variedade de atos materiais oriundos de velhas e primitivas concepções religiosas.

Outro fator relevante, a palavra "espírita" foi criada por Allan Kardec em 1857 e designa, tão-somente, os adeptos do Espiritismo, cujas atividades estão sempre voltadas à prática da caridade em seu sentido mais amplo. Portanto, a denominação "espírita" não deve ser associada a práticas com bases em quaisquer rituais, pela incoerência que isso representa. Rejeitamos, pois, assim, qualquer associação do Espiritismo com práticas distanciadas das orientações de Allan Kardec, da ética e dos preceitos codificadas por ele.

Seria a Umbanda o mesmo que Espiritismo? Com todo respeito que os umbandistas merecem, respondemos que não! Umbanda é, basicamente, prática religiosa surgida entre os africanos bantos e sudaneses, trazidos para o Brasil como escravos. É o resultado do amálgama com o Catolicismo, reunindo ainda folclore, superstições e crendices, sem doutrina codificada.

Com a vinda dos escravos africanos para o Brasil, o sincretismo religioso se tornou uma prática comum entre os escravos, pois os senhores de engenho não permitiam nenhuma outra religião, exceto a católica. Desta forma, surgiu a Umbanda, amplamente difundida em todas as camadas sociais do país. Sua entronização no país teve razões variadas.

Uma delas é essa bagagem religiosa atávica que nos liga ao passado do negro e do índio (preto-velhos e caboclos). Outro fator foi a de desenvolver junto ao povo, uma prática mediúnica mais voltada para os interesses imediatistas e populários.

No meio religioso convencional, os pastores e padres colocam como adeptos da Doutrina Espírita, as pessoas que "mexem" com os Espíritos, com macumba. Para tais religiosos os seguidores da Umbanda, do Candomblé, os jogadores de búzios, de tarô, os ledores de sorte, etc., são todos praticantes do Espiritismo. Por causa dessa suprema ignorância, temos o dever de procurar esclarecer essas distorções, sempre que a confusão se estabelecer. Sabendo, porém que o termo já está popularizado na linguagem comum, é aconselhável que se utilize o termo Doutrina Espírita em lugar de Espiritismo, quando a ocasião exigir. Vai aqui apenas uma singela sugestão.

A Umbanda é um culto com identidade específica e suas práticas, embora tenham alguns pontos de convergência com o Espiritismo, de um modo geral, as contradizem, por serem antagônicas. Em se tratando de prática doutrinária, não se pode ser umbandista e espírita ao mesmo tempo. A Umbanda tem público e finalidade apropriados. Seus cultos são voltados a rituais e procedimentos que em nada se compatibilizam com a Doutrina Espírita. Estranhíssimos são os santuários que, em alguns dias trabalham com o "Espiritismo" e em outros com a Umbanda. Seria possível existir uma roda quadrada?

Se for de bom alvitre que os lídimos espíritas não trabalhem em duas casas espíritas simultaneamente, imagine então a confusão espiritual que se forma quando se participa de dois cultos que não possuem afinidade entre si. Isso tem sido fonte de desequilíbrio psíquico e emocional de praticantes pouco esclarecidos quanto a esse aspecto.

O Espiritismo (Doutrina Espírita) codificado por Allan Kardec nos traz princípios racionais inobservados em outras doutrinas filosóficas e morais. É ele o Consolador Prometido por Jesus para ajudar na edificação do futuro da humanidade. Cremos que nossa incapacidade de minimizar certas dificuldades de interpretação entre Doutrina Espírita e Doutrinas afro-brasileiras está na falta de estudo e de preparo moral e intelectual adequados de muitos líderes espíritas. Por razões diversas, algumas pessoas tornam-se dirigentes de centros espíritas sem possuírem condições doutrinárias para isso. Portanto, fundamentalmente, o grande mal ainda é o pouco interesse que os adeptos têm pelo estudo sério das Obras Básicas.

Religião científico-filosófica, o Espiritismo não pretende demolir as bases de outras crenças. Antes, reconhece a necessidade da existência delas para grande parte da humanidade, cuja evolução se processa lentamente.

A mediunidade, presente em ambas as doutrinas, é patrimônio comum a todos. Entretanto, cada seguidor registra-lhe a evidência o seu modo. De nossa parte, é possível praticá-la com a simplicidade evangélica, baseados nos ensinamentos claros do Mestre, que esteve em contacto incessante com as potências invisíveis ao homem vulgar, curando obsedados, levantando enfermos, conversando com os grandes instrutores materializados no Tabor, ouvindo os mensageiros celestiais em Getsemani e voltando Ele próprio a comunicar-se com os discípulos, depois da morte na cruz.

O bom senso nos sussurra que não importa que os aspectos da verdade religiosa recebam vários nomes, conforme a índole dos seguidores. Vale a sinceridade com que nos devotamos ao bem. Muitos estudiosos espíritas consideram lícito trabalhar, tão-somente, com espíritos superiores, relegando as manifestações mediúnicas vulgares à fossa da obsessão e da enfermidade, que, na opinião deles, devem ser entregues a si mesmas, sem qualquer atenção de nossa parte. Há estudiosos espíritas que não suportam qualquer manifestação primitivista. Se o médium incorpora espíritos primários, afastam-se dele, agastadiços, responsabilizando-o por fraude ou mistificação. Isso é um contra-senso sem respaldo no Evangelho.

Importa considerar, nesse debate, que cultos afro-brasileiros e Doutrina Espírita deve estar cada qual, em seu devido lugar sem miscelâneas, respeitando-se mutuamente sempre. Até porque, o Espiritismo nos remete ao tesouro da fé raciocinada, esclarecendo-nos e habilitando-nos a estender o bem, a partir de nós mesmos. Sabemos que uma religião digna, qualquer que seja o Templo em que se expresse, é um santuário de educação da alma, em seu gradativo desenvolvimento para a imortalidade.

Jorge Luiz Hessen