domingo, 28 de fevereiro de 2010

A EXPERIÊNCIA DE DEUS

Sacerdotes e pastores, homens de fé, sinceros e bons procuraram demonstrar-me que as religiões não estão em crise. Sustentaram que a crise é do homem e não das instituições religiosas. As religiões continuam vivas e atuantes no coração dos crentes - disseram mas os homens mundanos, que se entregam à loucura do século, conturbam a paisagem terrena. É necessário que os homens busquem a Deus, que tenham a experiência de Deus. E essa experiência só é possível quando o homem se desliga do mundo para ligar-se a Deus através da oração e da meditação. Falaram de milhares de pessoas que, no torvelinho da vida contemporânea, procuram todos os dias, a horas certas, o refúgio dos templos ou de um quarto solitário para tentar um encontro pessoal com Deus. Muitas dessas pessoas já conseguiram a audiência secreta com o Todo Poderoso. São criaturas felizes, iluminadas pela graça divina, que sustentam com sua fé inabalável a continuidade das religiões e garantem a sua expansão.
É bom que existam pessoas assim, dedicadas vestais que zelam pelo fogo sagrado. São os últimos abencerrages do formalismo religioso, flores de estufa cultivadas na penumbra das naves sagradas. Cuidam da fé como jardineiros especializados que cultivam uma espécie vegetal extremamente delicada. Acreditam que os seus canteiros floridos darão sementes para semeaduras ilimitadas por toda a superfície da Terra. Não percebem essas almas eleitas que cultivam exclusivamente a si mesmas, ocultam na aparência piedosa seus conflitos profundos e nada mais fazem do que fugir da realidade escaldante da vida. Não escondem a cabeça na areia, pois mergulham de corpo inteiro no sonho egoísta da salvação pessoal.
As práticas místicas do passado provaram mal a sua eficácia. Do Oriente ao Ocidente, multidões de gerações de crentes desfilaram sem cessar, através dos milênios, pelos templos de todas as religiões, convictas de haverem alcançado a salvação pessoal, enquanto hordas ferozes e exércitos em guerras de extermínio brutal cobriam o mundo de ruínas, cadáveres inocentes, sangue e lágrimas. Os que ouviram Deus em audiência particular não se recusaram a pegar em armas para estraçalhar seus irmãos considerados como réprobos e infiéis. Santos Bispos e Padres, pastores calvinistas, crentes populares, fidelíssimos e humildes, não acenderam suas lâmpadas votivas para iluminar as noites trevosas. Preferiram acender fogueiras inquisitórias e, quando o sol raiava, submeter piedosamente os hereges à morte redentora do garrote vil, réplica religiosa à guilhotina profana.
Lembro-me do episódio histórico de Jerônimo de Praga. Depois de haver assistido, pelas grades da prisão, seu mestre João Huss ser queimado vivo em praça pública, foi também glorificado com a graça especial de uma fogueira semelhante. No momento em que as chamas começavam a iluminar a sua figura estranha, caridosamente amarrada ao palanque do suplício (para salvação de sua alma rebelde) viu uma pobre velhinha aproximar-se da fogueira com uma acha de lenha e atirá-la ao fogo. Era a sua contribuição piedosa para a salvação do ímpio. Jerônimo exclamou apenas:
"Santa simplicidade!" Pouco depois estava reduzido a cinzas, para glória de Deus, e suas cinzas foram lançadas ritualmente nas águas do Reno.
Todas as formas de culto, todos os ritos, todos os sacramentos, todas as cerimônias religiosas, todos os cilícios foram empregados nos milênios sombrios do fanatismo religioso, para a salvação da Humanidade. E eis que agora chegamos a um tempo de descrença generalizada, de materialismo e ateísmo oficializados, de hipocrisia pragmática erigida em sustentáculo das religiões fracassadas. Deus falava diretamente com seu servo Moisés no deserto, falava-lhe cara a cara, ordenando matanças coletivas, genocídios tenebrosos, destruição total dos povos que impediam o acesso dos hebreus à terra dos cananeus, que seria tomada a fio de espada. Deus continua falando em particular a seus servos em nossos dias, para a sustentação das igrejas, enquanto o Diabo não perde tempo e alicia milhões de almas perdidas para as práticas do terrorismo, para a matança de crianças e criaturas inocentes, para assaltos e estupros em toda a face da Terra.
A experiência de Deus sustenta os crentes privilegiados e sustenta suas igrejas salvacionistas. E enquanto não chega a salvação, católicos e protestantes matam-se gloriosamente nas lutas fraticidas da Irlanda, em plena era das mais brilhantes conquistas da inteligência humana. Que estranha experiência é essa, que não revela os seus frutos, que não prova a sua eficácia? Deus estaria, acaso, demasiado velho para não perceber a inutilidade dos seus métodos de salvação pessoal em audiências privadas? E os seus servidores, os clérigos investidos de autoridade divina para implantar na Terra o Reino do Céu, porque não avisam o velho monarca da inutilidade milenarmente provada de sua técnica de conta-gotas?
Não seria mais certo tentarmos a revisão dos conceitos religiosos que nos deram a herança de tantos fracassos e tão espantosa expansão do materialismo e do ateísmo no mundo? Todas as grandes religiões afirmam a onipresença de Deus no Universo. Não obstante, todas consideram o mundo (criado por Deus) como profano, região em que as trevas dominam e o Diabo faz a incessante caçada das almas de Deus. É curioso lembrar que nos tempos mitológicos o mundo era considerado sagrado, a vida uma bênção, os prazeres naturais e as leis da procriação eram graças concedidas pelos deuses aos homens. O monoteísmo judaico, desenvolvido pelo Cristianismo, impregnou o mundo com a onipresença de Deus e o mundo tornou-se profano. Se Deus está presente num grão de areia, numa, folha de relva, num fio dos nossos cabelos e numa pena das asas de um pássaro, como, apesar dessa impregnação divina, o homem se defronta com a impureza do mundo? Por que estranho motivo necessitamos de ritos especiais para purificar a inocência de uma criança, se Deus está presente no seu olhar puro e límpido, no seu choro, na meiguice do seu rostinho ainda não marcado pelo fogo das paixões terrenas? E porque precisa o cadáver de recomendação, com aspersão de água benta, se a ressurreição dos mortos se faz, como ensina o Apóstolo Paulo na I Epístola aos Coríntios e como Jesus exemplificou na sua própria morte, no corpo espiritual e não no corpo material?
São esses e outros muitos problemas acumulados nos erros milenares dos teólogos que levam o homem contemporâneo à descrença e ao materialismo, ao ateísmo e ao niilismo. São todos esses erros que colocam as religiões em crise e as levarão à morte sem ressurreição. Considerando-se, porém, esse estranho panorama religioso da Terra numa perspectiva histórica, à luz da razão, compreende-se facilmente que os erros de ontem, até hoje sustentados pelas religiões, foram úteis e necessários nos tempos de ignôrancia, em que os problemas espirituais não podiam ser colocados em termos racionais. Há justificativas válidas para o passado religioso, mas não justificativas possíveis para o seu presente contraditório e absurdo. A tese, mais do que absurda, do Cristianismo Ateu, com que teólogos rebeldes procuram hoje remendar as vestes esfarrapadas das igrejas, só vem acrescentar maior confusão ao momento de agonia das religiões envelhecidas.
O problema da experiência de Deus poderia ser resolvido com um mínimo de reflexão. Se Deus está em nós, e por isso somos deuses em potência, segundo a própria expressão evangélica, porque necessitamos de uma busca artificial de Deus para termos a experiência da sua realidade? Se fomos criados por Deus e se Deus pôs em nós a sua marca, como afirmou Descartes - a idéia de Deus em nós, que é inata - já não trazemos, ao nascer, a experiência de Deus? E se, no desenvolver da vida humana, o homem nada mais faz do que cumprir um desígnio de Deus, assistido pelos Anjos Guardiães, porque tem ele de buscar a Deus através de uma prática artificial e egoísta, procurando preservar-se sozinho num mundo em que a maioria se perde irremediavelmente? Moisés supunha ter ouvido o próprio Deus no Sinai, mas o Apóstolo Paulo explicou que Deus lhe falara através de mensageiros, que são anjos. As pessoas que buscam hoje a experiência de Deus em audiência privada serão mais dignas do que Moisés, não estarão sujeitas a ouvir a voz de um anjo, que tanto pode ser bom quanto mau, pois as próprias igrejas admitem que os anjos decaídos andam à solta pela Terra procurando roubar para o Inferno as almas de Deus? Quem estará livre, na sua piedosa tarefa de salvar-se a si mesmo, de ser tentado pelo Diabo, que tentou o próprio Jesus nas suas meditações solitárias no Deserto?
As práticas místicas do passado não servem para a era da razão, em que nos encontramos na antevéspera da era do espírito. Orar e meditar é evidentemente um exercício religoso respeitável e necessário em todos os tempos. A oração nos liga aos planos superiores do espírito e a meditação sobre questôes elevadas desenvolve a nossa capacidade de compreensão espiritual. Mas o dogma da experiência de Deus através de um pretensioso colóquio direto e pessoal com a Divindade é uma proposição egoísta e vaidosa. Se Deus é o Absoluto e nós somos relativos, a humildade não nos aconselha a ter mais cautela em nossas relaçôes pessoais com a Divindade? São muitos os casos de perturbaçôes mentais, de obsessôes perigosas, de lamentáveis desequilíbrios psíquicos decorrentes de exageradas pretensôes das criaturas humanas no campo das práticas religiosas. A História das Religiões é marcada por terríveis experiências nesse sentido. Basta lembrarmos os casos de perturbações coletivas em conventos e mosteiros da Idade Média, onde os excessos de misticismo transformaram criaturas piedosas em vítimas de si mesmas, sujeitando-as não raro à própria condenação da igreja a que pertenciam e a que procuravam servir.
Os dogmas de fé, que formam a estrutura conceptual das igrejas, são as pedras de tropeço do seu caminho evolutivo. Partindo do princípio de que a Revelação Divina é a própria palavra de Deus dirigida aos homens, as igrejas se anquilosaram em seus dogmas intocáveis, pois a exegese humana não poderia alterar as ordenaçôes ao próprio Deus. Na verdade, a alteração se verificou em vários casos, apesar disso, mas decisões conciliares puseram a última pá de cimento nos erros cometidos. As estruturas eclesiásticas tornaram-se rígidas e as igrejas confirmaram, no seu espírito, a ossatura de pedra de suas catedrais. Vangloriam-se ainda hoje da sua imutabilidade, num mundo em que tudo evolui sem cessar. Os resultados dessa atitude ilusória e pretensiosa só poderiam ser nefastos, como vemos atualmente no lento e doloroso processo de agonia das religiões. Incidiram assim no pecado do apego, contra o qual os Evangelhos advertiram os homens. Apegaram-se de tal maneira à própria vida, que perderam a vida em abundância que Jesus prometeu aos que se desapegassem. As liberalidades atuais chegaram demasiado tarde.
A palavra dogma é grega e seu sentido original é opinião. Adquiriu em filosofia e religião o sentido de princípio doutrinário. Nas Escrituras religiosas aparece algumas vezes com o sentido de édito ou decreto de autoridades judaicas ou romanas. Entre o dogma religioso e o filosófico há uma diferença fundamental. O dogma religoso é de fé, princípio de fé que não pode ser contraditado, pois provém da Revelação de Deus. O dogma filosófico é racional, dogma de razão, ou seja, princípio de uma doutrina racionalmente estruturada. O sentido religioso superou os demais por motivo das conseqüências muitas vezes desastrosas da sua rigidez e imutabilidade. Se falarmos, por exemplo, em dogmática, esse termo é geralmente entendido como designando a estrutura dos dogmas fundamentais de uma religião. Por isso, a adjetivação de dogmática, que implica também o masculino, como nas expressões: pessoa dogmática, posição dogmática ou homem dogmático, significa intransigência de opiniões. O mesmo acontece com o substantivo dogmatismo, que designa um sistema de opiniões intransigentes.
Estas influências religiosas na semântica revelam a intensidade da rigidez a que as igrejas se entregaram, através dos séculos e dos milênios, na defesa da suposta eternidade de seus princípios básicos. Temos, portanto, no dogma de fé, um dos motivos fundamentais da crise das religiões em nossos dias. No Espiritismo, como em todas as doutrinas filosóficas, existem dogmas de razão, como o da existência de Deus, o da reencarnação, o da comunicabilidade dos espíritos após a morte. Muitos adeptos estranham a presença dessa palavra nos textos de uma doutrina que se afirma antidogmática, aberta ao livre exame de todos os seus princípios. São pessoas ainda apegadas ao sentido religioso da palavra. Não há nenhuma razão para essa estranheza, como já vimos, do ponto de vista cultural.
O problema da religião no Espiritismo tem provocado discussões e controvérsias infindáveis, porque essa doutrina não se apresenta como religião no sentido comum do termo. Allan Kardec, discípulo de Pestalozzi, adotava a posição de seu mestre no tocante à classificação das religiões. Pestalozzi admitia a existência de três tipos de religião: a animal ou primitiva, a social e a espiritual. Mas recusava-se a chamar esta última de religião, dando-lhe a designação de moralidade. lsso porque a religião superior ou espiritual, segundo ele, só era professada individualmente pela criatura que superava o ser social e desenvolvia em si o ser moral. Kardec recusou-se a falar em Religião Espírita, sustentando que o Espiritismo é doutrina científica e filosófica, de conseqüências morais. Mas deu a essas conseqüências enorme importância ao considerar o Espiritismo como desenvolvimento histórico do Cristianismo, destinado a restabelecer a verdade dos princípios cristãos, deformados pelo processo natural de sincretismo-religioso que originou as igrejas cristãs.
Essa posição espírita manteve a doutrina e o movimento doutrinário em posição marginal no campo religioso. Para os espíritas, entretanto, a posição da doutrina não é marginal, mas superior, pois o Espiritismo representaria o cumprimento da profecia evangélica da Religião em espírito e verdade, que se desenvolveria sob a égide do próprio Cristo. A religião espírita não se organizou em forma de igreja, não admite sacramentos nem admitiu nenhuma forma de autoridade religiosa de tipo sacerdotal. Não há batismo, nem casamento religioso no Espiritismo, nem confissões ou indulgências. Todos esses formalismos são considerados como de origem pagã e judaica. Entende-se o batismo como rito de iniciação, que , Jesus substituiu pelo batismo do espírito, sendo este considerado como a iniciação no conhecimento doutrinário, feita naturalmente pelo estudo da doutrina, sem nenhum ato ritual. Admite-se também que o batismo do espírito, segundo o texto do Livro de Atos dos Apóstolos sobre a visita de Pedro a casa do centurião Cornélius, no porto de Jope, pode completar-se, nos médiuns, quando se verifica espontaneamente, com o desenvolvimento da mediunidade.
Essa posição espírita no campo religioso causou numerosas dificuldades aos espíritas no tocante às relações de instituições doutrinárias com os poderes oficiais, particularmente para a declaração de religião em documentos oficiais, para o resguardo dos direitos escolares em face do ensino religioso, para a declaração de religião nos recenseamentos da população, até que medidas oficiais reconheceram esses direitos.
Em compensação, o Espiritismo ficou livre das conseqüências da crise religiosa, que não o atingiram. Sua contribuição para a racionalização dos princípios religiosos, para a reintegração da Religião no plano cultural, particularmente no tocante aos problemas científicos da atualidade, é realmente substancial. No campo filosófico a posição espírita é também vanguardeira, pois desde o século passado sua filosofia se apresenta como livre dos prejuízos do espírito de sistema, conservando-se aberta a todas as renovações que decorrem de descobertas cientificamente comprovadas. Livre da dogmática religiosa e da sistemática filosófica, apoiada inteiramente na pesquisa científica, a doutrina está de fato a cavaleiro nas crises da atualidade.

J. Herculano Pires - Agonia das Religiões

sábado, 27 de fevereiro de 2010

JORNADA PERQUIRIDORA

Com a alma repleta de angústias e desolações, anseios frustrados e expectativas ansiosas, caminha o homem há milênios pela metrópole da fantasia, atravessando ruas decadentes e praças desertas. Seus passos são céleres, embora tenha os ombros curvados ao peso de enormes ambições.
Desloca-se sem descanso de um minuto sequer, no sonho de ser feliz sem amor e, na marcha infatigável, um dia cruza o beco escuro do túmulo, que transpõe para se surpreender perdido na misteriosa cidade do Além, onde continua correndo atrás de algo que não encontrará fora de si mesmo, até ser trazido de volta à esfera material, por via da reencarnação, a fim de dar começo a uma nova jornada perquiridora ...
Eis o drama da existência humana, no palco dos séculos que rolam na esteira movediça do tempo, como gotas d'água escorrendo por uma folha verde de esperança, presa à árvore da eternidade.
Bertrand Russell, filósofo respeitado como ardoroso humanista mas também ateu consumado, em sua obra A Conquista da Felicidade (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1996), depois de desenhar o retrato do homem ditoso, conclui o capítulo final com as seguintes palavras:
"Tal homem se sente cidadão do universo, desfrutando do espetáculo que o mundo oferece e das alegrias que este proporciona, indiferente à idéia da morte, pois que não se sente, realmente, separado daqueles que virão dele. É nessa união profunda e instintiva com o fluxo da vida que se encontra a maior alegria. "
Quanta ingenuidade!
É justamente essa fuga à idéia da morte, determinante do desejo único de usufruir dos prazeres deste mundo, que torna o homem desventurado.
Enquanto ele não descobrir sua sobrevivência ao fim do corpo fisico, colocando conseqüentemente a maior satisfação nos valores espirituais, permanecerá peregrinando por províncias ilusórias pavimentadas de dor, sempre apressado e nunca chegando, em definitivo, a lugar nenhum.
O problema da felicidade, que aflige o ser humano desde as eras mais remotas, tem inumeráveis equações formuladas por pensadores materialistas modernos, de Russell à Sartre, mas todas elas são impotentes para enxugar uma só lágrima de quem acompanha o enterro de um ente querido ...
Apenas a crença em Deus, na imortalidade da alma e na supremacia do Bem sobre o Mal, pilastras sustentadoras da teoria socrática, platônica, cristã e Kardecista, livrará o homem do infortúnio. E enquanto ele não absorver esta verdade profundamente, em todas as fibras da sua inteligência e do seu coração, através de uma fé raciocinada, estará sem preparo para compreender, sentir e pôr em prática a autêntica moralidade espiritista.
Por enquanto temos de nos contentar com o falso entendimento dos princípios éticos da nossa doutrina, porém isso não significa que não devemos contribuir para uma nova compreensão da moral espírita. Devemos, sim, até porque, se não formos úteis aos místicos e intelectualistas, pelo menos prestigiaremos os legítimos irmãos de crença.
Quem são eles?
Podemos identificá-los, conferindo-lhes o título de verdadeiros espíritas, utilizando a imagem de que se valeu Francis Bacon, em sua magistral obra Novum Organum, onde, no aforismo XCV sobre a interpretação da natureza e o reino do homem, são mencionadas as formigas, as aranhas e as abelhas para representar as três categorias de seguidores de qualquer filosofia.
Em nosso movimento as formigas são os companheiros entregues ao misticismo, que trabalham muito com fervor e disciplina, acumulando provisões de fé das quais se nutrem alheios às conquistas da inteligência.
As aranhas são os confrades adeptos do intelectualismo, que pensam muito e quase nada fazem, armazenando vastos conhecimentos nos quais se comprazem indiferentes à melhoria do coração.
As abelhas são os que trabalham e pensam equilibrada e proveitosamente (para si e para os outros).
Os místicos - não sejamos radicais - têm o seu mérito, porém cometem o erro de se satisfazer com as migalhas bíblicas que carregam para debaixo da terra de seus devaneios, não se preocupando com mais nada e com mais ninguém.
Os intelectualistas também possuem o seu mérito, porque estudam, mas subindo ao teto do edifício doutrinário cometem o erro de engendrar uma teia de idéias que só interessa a eles próprios e se rompe à menor pressão do princípio da caridade.
Tanto uns como os outros, semelhantemente às formigas e aranhas, desprezam o bem em geral, produzindo apenas para eles mesmos. Os verdadeiros espíritas, como as abelhas, metabolizando a cultura da inteligência e a bondade do coração fabricam mel do amor esclarecido que partilham com os semelhantes. (Já escrevemos isso na revista Reformador)
Estes últimos espíritas devemos valorizar, e o único modo de fazê-lo é a dissertação sobre a moral espírita com lucidez Kardequiana.
Foi o que tentamos nesta brochura, cujo reduzido número de páginas é proposital, tendo em vista a conveniência de manter tanto quanto possível sua feição popular, inclusive tornando-a leve para ser vendida a preço barato, acessível aos pobres cada vez mais deslembrados dentro do movimento espírita brasileiro, no qual começa a aparecer o elitismo e já se cobra ingresso para o discurso doutrinário de oradores visitantes.

Nazareno Tourinho - Críticas e Reflexões em torno da Moral Espírita

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

POR QUE CREIO NA IMORTALIDADE DA ALMA

INTRODUÇÃO
Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo.
Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte que se pode chamar de antropológica, se apoia na repulsão instintiva da idéia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de que os instintos, produtos da evolução, devem corresponder até certo ponto, à realidade.
Nesta obra náo me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De fato, não alimento desejo algum de controverter, porém toda a minha tese repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de fatos que podem ser verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de investigá-las.
Conheço o peso da palavra "fato" na Ciência e digo, sem hesitação, que a continuidade individual e pessoal é para mim um fato demonstrado.
Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é, ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos teólogos em geral.
É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório fornecer, de um tempo a outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.
Incidentemente, é claro que a palavra "imortalidade", empregada no título desta obra, deve ser tomada em sua significação convencional, visto que nenhuma asserção relativa ao "infinito" é possível nos limites de nossa inteligência. Tudo que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida humana nos espera no limiar da morte.
Se sobrevivemos a esse rompimento, é pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.
A Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à persistência individual após a separação de nosso invólucro terreste.
Seria, pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos necessidade de pensar agora.
Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é o fim de nossa individualidade e que, se souberdes utilizá-la Com retidão, constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa sempre mais efetiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima, eqüivalente, por conseqüência, à liberdade completa.

"IN LA SUA VOLONTÀ È NOSTRA PACE".

SIR OLIVER LODGE

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A RESSUREIÇÃO - O ESPÍRITO - A FÉ

"Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos, ouvirão a voz do Filho do Homem e sairão: os que fizeram o bem para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição do juízo." (João V, 28-29.)

"Quando vier o Espírito da Verdade, que procede do Pai, dará testemunho de mim, e vós também dareis porque estais comigo desde o começo." (João XV, 26-27.)

"Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações; e eu vos confiro domínio real, assim como meu pai mo conferiu, para que comais e bebais à minha mesa no meu reino; e vos sentareis sobre tronos para julgardes as doze tribos de Israel." (Lucas, XXII, 28-30.)

"O Espírito é que vivifica, a carne para nada aproveita." (João VI, 63.)

"Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a este sicômoro: arranca-te e transplanta-te no mar, e ele vos obedeceria. " (Lucas, XVII, 6.)

Completara-se o período de 40 dias durante o qual Jesus, senhor e salvador nosso, depois da crucificação e morte de seu corpo, permanecera com seus discípulos, congregando-os num mesmo Espírito para que pudessem, igreja militante, dar começo à nobre missão que lhes havia sido outorgada.
As aparições diárias de Jesus àquela gente que deveria secundá-lo no ministério da divina lei, haviam abrasado seus corações; e seus suaves e edificantes ensinamentos, cheios de mansidão e humildade, tinham exaltado aquelas almas, elevando-as às culminâncias da espiritualidade, saneando-lhes o cérebro e preparando-os, vasos sagrados, para receber os Espíritos santificados pela sua palavra, como antes lhes havia ele prometido, conforme narra o evangelista João.
Tinha o Mestre de deixar a Terra, transpor os mundos que flutuam em derredor do Sol e elevar-se à sua suprema morada, para prosseguir na tarefa que Deus lhe confiara.
Avizinhava-se o momento da partida. Ele iria, mas com ampla liberdade de ação. Sempre que lhe aprouvesse viria observar o movimento que se teria de operar entre as "ovelhas desgarradas de Israel", as quais ele queria reconduzir ao "sagrado redil".
Ao dar-lhes suas últimas instruções, recomendou-lhes que não saíssem de Jerusalém, (Lucas, XXIV, 49), onde veriam o cumprimento da promessa de que lhes falara, e que era a comunhão com o Espírito.
Nesse ínterim, os discípulos o interrogaram a respeito do tempo em que o reinado de Deus viria estabelecer-se no mundo. Ao que lhes respondeu: "Não vos compete saber tempos nem épocas da transformação do mundo, mas sim serdes minhas testemunhas em toda a Terra, da doutrina que ouvistes, para que o Espírito seja convosco."
Deveriam os discípulos identificar-se com o Espírito e conhecer o Espírito da Verdade, para, com justos motivos, anunciar às gentes, a Nova da Salvação que libertá-las-ia do mal. Quem seria, pois, esse Espírito da Verdade, esse extraordinário Consolador que, portador de todos os dons e com todos os poderes, viria realizar tão grande missão?
Seria um ente singular, miraculoso, abstrato, sem significação decisiva e patente para os novos arautos propulsores do progresso humano?
Certamente que não, o Espírito Santo, Espírito da Verdade, Espírito Consolador, conquanto representando em unidade a Ciência, o Amor, a Filosofia, há de forçosamente constituir a coletividade de Espíritos evoluídos, não mais sujeitos às vicissitudes terrenas, e em completa harmonia de vistas para o bom exercício da alta missão que, de fato, desempenharam e continuam a desempenhar.
O Espírito Santo não é um símbolo, uma entidade abstrata, misteriosa, mas as altas individualidades, os ilustres sábios e santos do mundo espiritual, que assumiram o encargo de executar a lei divina, e o fazem aqui na Terra pelo ministério dos profetas, ou seja, pelos médiuns, porque profeta, na linguagem antiga, outra coisa não é senão médium.
O Evangelho emprega no singular a expressão Espírito Santo, não para designar uma pessoa, mas uma coletividade, como nós empregamos a palavra governo, para exprimir a junta governativa de um país ou de uma cidade.
Os discípulos, que iam receber a investidura de apóstolos, constituíam a igreja militante, isto é, a que age na Terra; assim como os Espíritos que compõem a unidade santificante, constituem a igreja triunfante.
De maneira que, em rigor, podemos afirmar que, atualmente, segundo se depreende do trecho, Pedro, Paulo, João, todos os apóstolos e os chamados santos que se distinguiram por suas virtudes, fazem parte dessa Unidade - Espírito Santo, assim como no tempo em que eles estavam no mundo, outros Espíritos Santos, do mundo espiritual, vieram testemunhar-lhes e transmitir, por seu intermédio, as mensagens divinas que lhes cabia divulgar.
Mas, narram os Atos dos Apóstolos que, havendo Jesus concluído os ensinos preparatórios para que seus discípulos pudessem receber o Espírito, estes viram o grande Messias, de volta à eterna morada, ir-se elevando aos ares até que desapareceu aos olhos de todos.
Maravilhados com tão singular ascensão, cheios de alegria, admirados do extraordinário poder do divino Mestre, eles se mantinham, olhos fitos no céu, quando foram atraídos por dois elevados Espíritos que, trajando vestiduras brancas, se puseram a seu lado, e lhes perguntaram: "Galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus que se elevou nesse momento dentre vós para ser acolhido nos Céus, pela mesma maneira virá, quando precisar visitar a Terra." (Atos, I, 10-11)
Quantos fenômenos interessantes, quantos fatos espíritas de aparições, de comunicações, de visões, narra o Evangelho! Quantas provas de imortalidade deu o ilustre nazareno a seus discípulos! Quantas luzes irradiam desta passagem que estamos estudando!
Como poderiam aparecer dois varões com vestiduras brancas, se não houvesse Espíritos no espaço? Donde poderiam vir eles se não houvesse uma outra vida além do túmulo? Como poderia Jesus ficar quarenta dias, depois de sua morte, com seus discípulos, se o homem fosse todo matéria? E como poderia ele se elevar aos espaços se esse corpo, que sobrevive à morte corporal, não fosse de natureza espiritual, como o proclamou o apóstolo dos gentios!
Foram esses fatos portentosos que ergueram os galileus conturbados pela morte de seu Mestre; foram essas aparições que os encheram de fé e fizeram que arrostassem todos os tropeços, afrontassem todos os suplícios, vencessem todas as barreiras! Foi o grito da imortalidade que lhes despertou o raciocínio, venceu-lhes a timidez, vivificou-lhes o cérebro e o coração para que saíssem por toda a parte a anunciar a todas as gentes, a palavra do Deus vivo, os esplendores da vida eterna!
Ao influxo de generosos sentimentos, cheios de vida, revestidos de energia, iluminados por essa esperança que só a verdadeira fé pode dar, é que eles, descendo do Monte das Oliveiras, onde haviam recebido as ordens do Filho de Deus, voltaram para Jerusalém, onde ficaram aguardando a recepção da ilustre visita do Espírito Consolador, para iniciarem a missão redentora que com tanta coragem desempenharam.
E então passaram mais ou menos dez dias em profunda meditação, em fervorosas orações, mantendo na doce calma do Cenáculo, os sentimentos da mais viva fraternidade, que os envolvia com as meigas carícias dos olhares de Deus.
Dentre todos, além dos onze apóstolos, salientavam-se as santas mulheres, e o total formado era de 120 pessoas, que perseveraram unânimes em oração e recordando os altos ensinamentos que seu Mestre lhes legara.
A história do Cristianismo é a suave melodia que canta a glória desses acontecimentos maravilhosos de que nos falam as Escrituras, começados no Sinai e sancionados pelos reaparecimentos do grande enviado.
Quem estudar com boa vontade e critério, todo esse desenrolar de manifestações espíritas, todos esses fenômenos supra-sensíveis e supra-normais relatados por todos os profetas e patriarcas referidos no Velho Testamento e referendados no Novo por uma soma não menos considerável de fatos, que estão em íntima ligação com o mundo espiritual; quem estudar com espírito desprevenido todas essas manifestações espíritas que tanta esperança nos vêm dar, não pode deixar de Ter uma fé viva, robusta, inteligente, racional, de que o fim da religião é preparar-nos, não só para a vida presente como também e, especialmente, para a futura, onde, na pátria invisível, prosseguiremos nosso labor de aperfeiçoamento para nos aproximarmos de Deus.
Justificada nesses princípios, nossa fé se ergue poderosa, inabalável, semelhante àquela "casa construída sobre a rocha", lembrada na parábola.
É o sentimento da imortalidade que nos anima, é a certeza da outra vida que nos faz viver nesta com a fronte erguida, sem desfalecer, embora sangrando os pés por estradas pedregosas, dilacerando as carnes nos espinhos que tentam impedir nossa marcha triunfal para o bem, para a verdade, para Deus.
É revestidos da imortalidade que singramos os mares borrascosos da adversidade em frágil batel, sem que ondas impetuosas nos afastem do norte da vida.
Sem essas luzes que nos vêm do Além, sem essas claridades que surgem dos túmulos, sem esse poderoso farol habilmente manejado pelos Espíritos do Senhor, como poderíamos manter a estabilidade na fé?
Sem dúvida alguma, o Espiritismo é a base em que se fundamenta essa crença que nos arrima e fortalece.
É ele ainda que nos ensina a benevolência, o amor, a humildade, o desapego aos bens do mundo; as altas lições de altruísmo, de abnegação que a imortalidade nos impõe.
Como poderíamos, ante uma sociedade materializada e metalizada, renunciar a gozos, fortuna, posições, comodidades, se não tivéssemos a certeza das nossas convicções e se essas convicções não se assentassem em fatos positivos, palpáveis, visíveis, tangíveis que os Espíritos nos proporcionam?
Como poderíamos nesta época de depressão moral que atravessamos, de mercancia vil, de rapina descarada, de toda sorte de baixezas, como poderíamos esforçar-nos para nos livrarmos da corrupção do século, até com prejuízo da nossa vida material?
Qual é o homem racional que, tendo certeza de que tudo acaba no túmulo, renuncia a fortuna, prazeres, bem-estar, em benefício de terceiros, em benefício de outros que terão também, forçosamente, como fim da existência, uma cova rasa no quadrado de um cemitério?
Qual é esse louco que, podendo comer, beber, folgar, alimentar-se do suco da vida, tendo certeza de que tudo termina com a morte, vai viver do bagaço, vai repartir o seu sangue com os maltrapilhos e párias que enchem as ruas e as praças?
Olhai as grandes catedrais com todas as suas pompas, perscrutai seus sacerdotes, observai os felizes do mundo com suas comodidades, sua fortuna, inquiri suas crenças e vereis que a fé não lhes anima o coração!
Saí pelas ruas, pelas praças, agitai a bandeira da imortalidade e vereis todos esses gozadores atirar sobre vós e o vosso estandarte, as mais duras imprecações, as mais loucas diatribes!
É que Ihes falta a fé para o raciocínio, falta-lhes o critério que nasce da mesma fé, falta-lhes a verdade para melhor se guiarem na trilha do dever imposto por Deus.
Entretanto, assim como pensam, agem. Só crêem nesta vida, aproveitam dela tudo o que ela tem de bom, porque, de fato, é irrisório e irracional sacrificar prazeres e comodidades para ter em recompensa as voragens do nada.
Sem a fé, nenhum sentimento generoso poderá erguer a alma humana; sem a fé, nenhuma caridade, nenhuma esperança, nenhuma virtude pode nascer, crescer, florescer, frutificar na consciência dos homens.
A fé é o principal motor da religião, é o fator de todos os atos nobres, de todos os arroubos da alma, de todas as boas ações.
Ela remove todas as dificuldades para aquele que caminha para Deus; brilha na inteligência como o Sol no espelho das águas; dignifica o homem, eleva-o ilumina-o e santifica-o!
Não há palavra que ocupe menor número de letras e mais saiba falar ao cérebro e ao coração.
Com uma só sílaba exprime tudo o que necessita a criatura para conseguir a sua salvação.
Ter fé é ter certeza nos nossos destinos imortais, é guiarmo-nos por essa estrada grandiosa, iluminada, que o Cristo nos legou.
Ter fé é ser possuidor do maior tesouro que a alma humana pode adquirir na Terra.
Foi interpretando esta grande virtude, que Paulo dedicou toda a sua grande Epístola aos romanos, chegando a afirmar que todos os grandes da Antigüidade, pela fé, venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram as promessas, taparam as bocas aos leões, extinguiram a violência do fogo, evitaram o fio de espadas; de fracos se tornaram fortes, fizeram-se poderosos e puseram em fuga exércitos estrangeiros!
O Espiritismo vem fazer realçar estes três fatores do progresso humano: a ressurreição, o Espírito e a fé, como partes integrantes de um mesmo todo e indispensáveis ao outro, testemunhos vivos que se afirmam e se completam.
Colunas principais do Cristianismo, são eles que nos dão a visão da outra vida, na qual colheremos o frutos do nosso trabalho, dos nossos esforços, pelo nosso próprio aperfeiçoamento.

Cairbar Schutel

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A BICICLETA E O CICLISTA


“O Espírito independe da matéria, ou é apenas uma propriedade desta, como as cores o são da luz e o som o é do ar?”

“São distintos uma do outro; mas, a união do Espírito e da matéria é necessáriapara intelectualizar a matéria”.
(“O Livro dos Espíritos”- Questão nº 25.)

Não há controvérsia em expressões assim:
— Fulano tem espírito — é inteligente.
— Beltrano é espirituoso — possui senso de humor.
— Ciclano é espiritualizado.
— Cultiva valores morais.
A dificuldade surge quando empregamos a palavra espiritualista para designar pessoas que admitem a existência da Alma, a individualidade eterna que sustenta o corpo físico e o situa como um ser pensante.
Para muitos trata-se de mera fantasia religiosa, sem base científica.
Concebem que capacidade de pensar é mero resultado da organização e do funciona­mento de células cerebrais, que produzem o pensamento, assim como o fígado produz bile ou as glândulas de secreção interna produzem os hormônios.
Afirma jocosamente o patologista:
— Dissequei centenas de cérebros. Jamais encontrei o Espírito.
Interessante frase de efeito que não diz nada.
Porventura teria ele desvendado misterioso mecanismo a gerar o pensamento no interior das células?
Alguma pesquisa teria surpreendido idéias sendo produzi­das pelos neurônios, da mesma forma que o pâncreas secreta a insulina?
A matéria não pensa.
Situemos, a título de ilustração, algo bem simples:
A bicicleta.
Trata-se de um veículo de transporte muito eficiente que, para movimentar-se, não pres­cinde da força motriz gerada pelo ciclista.
O corpo é a bicicleta que o Espírito usa para a jornada humana.
A bicicleta sem o ciclista é um objeto inanimado.
O corpo sem o Espírito é mero aglomerado de células em desagregação.
A união do Espírito com o corpo intelectualizou a matéria, transformando o ancestral símio antropóide num ser pensante, da mesma forma que a presença do ciclista torna a bicicleta um veículo andante.
Em defesa da tese materialista, que nega a individualidade espiritual que anima o ser humano, fala-se em paralelismo psicofisiológico.
Trocando em miúdos:
O homem é um produto de seu próprio cérebro.
Por isso, o que lhe afeta os miolos repercute em sua atividade motora, sensorial, intelectual, mental...
Proclama o materialista:
— A prova de que a inteligência independe da suposta presença do Espírito está no fato de que se ocorrer um problema qual­quer com o tecido cerebral teremos dificuldade para exercitar as funções intelectivas e fisiológicas.
Raciocínio simplista.
Sendo o cérebro o instrumento de sua manifestação no plano material, obviamente o Espírito estará na dependência dele.
O ser imortal pode ser muito inteligente, muito culto, mas se a caixa craniana apresentar grave disfunção teremos um deficiente mental.
Algo semelhante a um ciclista que ficará impossibilitado de transportar-se em sua bicicleta se um pneu furar ou romper-se a corrente que traciona as rodas.
Um exemplo mais ilustrativo:
Quando falo ao telefone, se­ria o cúmulo da ingenuidade meu interlocutor imaginar que conversa com meu aparelho. O telefone é apenas o instrumento de nosso contato. Se apresentar defeito a comunicação ficará prejudicada.
Devemos atentar, ainda, para outro aspecto que liquida a tese materialista.
Há doentes mentais submeti­dos aos mais sofisticados exames que não revelam nenhuma disfunção orgânica, nem mesmo nos circuitos cerebrais. Enigmas para os médicos, que se limitam a prescrever lhes tranqüilizantes.
A Doutrina Espírita explica que o problema é decorrente de uma obsessão. O paciente tem comprometida sua integridade mental pela influência de inimigos espirituais.
O tratamento em hospitais psiquiátricos espíritas — passe magnético, água fluída, sessões de desobsessão, reuniões evangélicas — opera prodígios, afastando os obsessores e promovendo a cura do paciente.
Isso não ocorre apenas com problemas mentais.
Há casos em que a ação do obsessor provoca males físicos que desafiam a Medicina.
Durante meses um homem sofreu dores intensas nas pernas.
Os médicos não conseguiam um diagnóstico. Exames clínicos e laboratoriais nada revelavam.
O paciente irritava-se quando lhe diziam que se tratava de um problema psicológico. Esbravejava:
— Dor não tem psicologia!
Mesmo assim, em desespero, submeteu-se à Psicanálise.
Resultado nulo.
Saturado de tanto sofrer pedia que lhe amputassem as pernas. Um amigo o convenceu a procurar o Centro Espírita.
Lá explicaram-lhe que estava sendo assediado por um Espírito que, a pretexto de vingar-se de passadas ofensas, impunha-lhe aquela tortura.
Ficou sabendo que em vida passada assassinara aquele que hoje o martirizava. Quebrara suas pernas, abandonando-o em região deserta, atormentado por dores intensas.
Durante alguns meses submeteu-se ao tratamento com passes magnéticos e água fluída. Recebeu orientações quanto ao estudo, a reforma íntima, a prática do bem...
Seu empenho, aliado às reuniões de desobsessão e à interferência de benfeitores do além, modificaram as disposições de seu perseguidor. Sensibilizado, disposto também à renovação, ele se afastou.
Em breve, como por encanto, as dores desapareceram.
No livro “O Que é a Morte” Carlos Imbassahy vai mais longe:
“Há um fato desconcertante para a Fisiologia e sobretudo para os fisiologistas, no caso das lesões cerebrais, isto é, quando há operações em partes essenciais do cérebro sem que a consciência e a inteligência fossem suprimidas ou mesmo alteradas.”
Dentre inúmeras citações que ilustram sua afirmação, reporta-se a um suboficial da guarnição de Antuérpia, na Primeira Guerra Mundial, que durante anos sofreu persistente dor de cabeça. Não obstante, cumpria normalmente suas obrigações.
Morto repentinamente, foi submetido à autópsia.
O patologista constatou, surpreso, que ele tivera um tumor na cabeça.
O cérebro estava reduzido a uma pasta purulenta.
Incrível que tenha conservado a sanidade mental e motora, sobrevivendo à desintegração da massa encefálica!
Comenta Imbassahy:
“Em suma, o que a Fisiologia descobriu é que, normalmente, comumente, o cérebro é necessário à manifestação do Espírito. O estudo de determinados fatos fisiológicos, psíquicos ou metapsíquicos, provam, entretanto, que a dependência não é constante, absoluta. O Espírito faz-nos, por vezes, o efeito de certos mágicos a quem se amarra ou acorrenta com laços e cadeias irremovíveis; ei-los, porém, que se desembaraçam, não se sabe como, e se apresentam em cena, sorridentes, completamente livres. O mecanismo cerebral é inútil como prova a favor das doutrinas materialistas.”
Mais cedo ou mais tarde a Ciência admitirá o fundamental:
O homo sapiens que há muito domina a Terra é apenas uma manifestação do Espírito eterno que intelectualiza a matéria em favor de suas experiências evolutivas nos domínios da carne.
Sem o binômio corpo-espírito jamais se operaria o desenvolvimento mental que retirou o Homem do fundo das cavernas para elevá-lo às culminâncias da civilização tecnológica.

Richard Simonetti
Fonte: Reformador nº2000 – Novembro/1995

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

RESPONSABILIDADE NO MATRIMÔNIO

Interrogam muitos discípulos do Evangelho: não é mais lícito o desquite ou o divórcio, em considerando os graves problemas conjugais, à manutenção de um matrimônio que culmine em tragédia? Não será mais conveniente uma separação, desde que a desinteligência se instalou, ao prosseguimento de uma vida impossível? Não têm direito ambos os cônjuges a diversa tentativa de felicidade ao lado de outrem, já que não se entendem?
E muitas outras inquirições surgem, procurando respostas honestas para o problema que dia-a-dia mais se agrava e avulta.
Inicialmente, deve ser examinado que o matrimônio, em linhas gerais, é uma experiência de reequilíbrio das almas no orçamento familiar. Oportunidade de edificação sob a bênção da prole - e, quando fatores naturais coercitivos a impedem, justo se faz abrir os braços do amor espiritual às crianças que gravitavam ao abandono - para amadurecer emoções, corrigindo sensações e aprendendo fraternidade.
Não poucas vezes os nubentes, mal preparados para o consórcio matrimonial, dele esperam tudo, guindados ao paraíso da fantasia, esquecidos de que esse é um sério compromisso, e todo compromisso exige responsabilidades recíprocas a benefício dos resultados que se deseja colimar.
A "lua de mel" é imagem rica de ilusão, porquanto, no período primeiro do matrimônio, nascem traumas e receios; frustrações e revoltas que, despercebidos, quase a princípio, espocam mais tarde em surdas guerrilhas ou batalhas lamentáveis no lar, em que o ódio e o ciúme explodem descontrolados, impondo soluções, sem dúvida, que sejam menos danosas do que as trágicas.
Todavia, há que meditar, no que concerne aos compromissos de qualquer natureza, que a sua interrupção somente adia a data da justa quítação. No casamento, não raro, o adiamento promove o ressurgir do pagamento em circunstâncias mais dolorosas no futuro em que a pesadas renúncias e a fortes lágrimas, somente, se consegue a solução.
Indispensável que para o êxito matrimonial sejam exercidas singelas diretrizes de comportamento amoroso.
Há alguns sinais de alarme que podem informar a situação de dificuldade antes de agravar a união conjugal:
- silêncios injustifícáveis quando os esposos estão juntos;
- tédio inexplicável ante a presença do companheiro ou da companheira;
- ira disfarçada quando o consorte ou a consorte emite uma opinião;
- saturação dos temas habituais, versados em casa, fugindo para intérminas leituras de jornais ou inacabáveis novelas de televisão;
- irritabilidade contumaz sempre que se avizinha do lar:
- desinteresse pelos problemas do outro: falta de intercâmbio de opiniões;
- atritos contínuos que ateiam fagulhas de irascibilidade, capazes de provocar incêndios em forma de agressão desta ou daquela maneira ...
E muitos outros mais.
Antes que as dificuldades abram distâncias e os espinhos da incompreensão produzam feridas, justo que se assumam atitudes de lealdade, fazendo um exame das ocorrências e tomando-se providências para sanar os males em pauta.
Assim, a honestidade lavrada na sensatez, que manda "abrir-se o coração" um para com o outro, consegue corrigir as deficiências e reorganizar o panorama afetivo.
É natural que ocorram desacertos. Ao invés, porém, de separação, reajustamento.
A questão não é de uma "nova busca", mas de redescobrimento do que já possui.
Antes da decisão precipitada, ceder cada um, no que lhe concerne, a benefício dos dois.
Se o companheiro se desloca, lentamente, da família, refaça a esposa o lar, tentando nova fórmula de reconquista e tranqüilidade.
Se a companheíra se afasta, afetuosamente, pela irritação ou pelo ciúme, tolere o esposo, conferindo-lhe confiança e renovação de idéias.
O cansaço, o cotidiano, a apatia são elementos constritivos da felicidade.
Nesse sentido, o cultivo dos ideais nobilitantes consegue estreitar os laços do afeto e os objetivos superiores unem os corações, penetrando-os de tal forma, que os dois se fazem um, a serviço do bem. E em tal particular, o Espiritismo - a Doutrina do Amor e da Caridade por excelência - consegue renovar o entusiasmo das criaturas, já que desloca o indivíduo de si mesmo, ajuda-o na luta contra o egoísmo e concita-o à responsabilidade ante as leis da vida, impulsionando-o ao labor incessante em prol do próximo. E esse próximo mais próximo dele é o esposo ou a esposa, junto a quem assumiu espontaneamente o dever de amar, respeitar e servir.
Assim considerando, o Espiritismo, mediante o seu programa de ideal cristão, é senda redentora para os desajustados e ponte de união para os cônjuges, em árduas lutas, mas que não encontraram a paz.

Joanna de Ângelis

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

AFLITIVA LIÇÃO

Conduzida por enfermeiros amigos para um leito de reencarnação, à maneira de mísera doente para uma cela de hospital, recomendam eles vos fale alguma coisa de minha angústia.
Entretanto, a boca humana foi feita para assuntos humanos e, para narrar-vos o meu infortúnio terrível, seria preciso que o pranto, o fogo e o sangue tivessem uma voz...
Sou mãe criminosa, embora não chegasse a ser mulher pervertida.
Jovem ainda, mas abandonada pelo homem que me traíra a confiança, não tive coragem de enfrentar a maternidade, chamada ilegal diante dos homens.
Envergonhada de mim mesma e olvidando o brio que toda consciência deve cultivar diante da Lei de Deus, esperei o rebento de minha carne entre o ódio e a desconfiança, sentindo que labaredas de sofrimento me requeimavam a carne, retesando-me o ser.
Soube guardar meu segredo ...
Esperei o momento azado e, a sós comigo, quando a criança vagia no silêncio da noite, com as minhas próprias mãos asfixiei-a, tomada de frieza satânica.
Ergui-me do leito, não obstante enfraquecida, e consegui-lhe um túmulo improvisado, mas, em voltando aos lençóis que me resguardavam, o sangue borbotou-me em ondas insopitáveis, até que um sono pesado me tomou a cabeça, perdendo-se-me o raciocínio.
Não posso precisar quanto tempo gastei, entregue a semelhante torpor, contudo, lembro-me perfeitamente do horrível instante em que despertei, amolentada, experimentando o assédio de vibriões assassinos.
Achava-me, disforme, num leito estranho, pleno de sombra, enregelada, visitada por vermes asquerosos ...
Agitei minhas mãos, tateei o meu corpo e notei que o sangue continuava a fluir do baixo ventre.
Sangue pestilencial, sangue podre ... Reergui-me horrorizada.
Caminhei vacilante.
Pisei detritos de carne, cujo fétido odor me impunha náuseas incoercíveis.
Consegui ensaiar alguns passos e vi-me no cemitério.
Gritei, aloucada, pelo socorro de meus parentes. Vermes famintos atacavam-me, vigorosos.
Clamei por auxílio, até que uma voz igualmente chorosa me respondeu.
Aproximou-se alguém de mim.
Era outra mulher.
Aos meus olhos, trazia uma criança nos braços. (Explicou-nos competente mentor que a imagem da criança era uma forma-pensamento plasmada pelo remorso da mãe delinquente que a transportava, desolada e infeliz).
Diante dela, passei a ouvir os gemidos de meu filhinho assassinado.
Pusemo-nos ambas a gritar estentoricamente. Entrelaçamo-nos uma à outra.
Abandonamos o sítio infeliz para encontrar uma terceira mulher, não muito longe, que clamava também por socorro.
Depois de mais alguns passos, encontramos uma quarta companheira e, pelas ruas a fora, dentro da noite, na cidade dormente, outras mulheres se juntaram a nós.
Umas exibiam sinais arroxeados dos golpes que lhes haviam sido vibrados no seio, outras mostravam chagas abertas no colo exposto, outras traziam, como eu, o próprio ventre aberto ...
Algumas ziguezagueavam no solo, rastejantes, outras tinham acessos de fúria, histéricas, indominadas, enlouquecidas e, de quando em quando, outras bailavam, gargalhavam, gemiam, estertoravam, até que, formando extensa nuvem de loucura e de pranto, nos movemos tocadas por faunos desnudos, que mais se assemelhavam a demônios egressos de pavorosas regiões infernais.
Tentei desvencilhar-me de semelhante companhia, mas achava-me imantada àquele triste grupo, como se correntes férreas a ele me retivessem.
Tangidas quais se fôssemos vara de bestas, em gritos de pavor e requebros de demência, fomos apresadas numa casa de meretrício em que o álcool e o entorpecente surgiam a jorros ...
E a estranha legião começou a gargalhar e bailar.
Cenas que vozes humanas, com todo o patético do mundo, seriam incapazes de definir, projetaram-se aos nossos olhos ...
Implorei a bênção do Céu.
Roguei proteção à Mãe Santíssima, para que se compadecesse de mim, enviando-me leve gota dágua ao vulcão de dor que me devorava as entranhas ...
Braços piedosos apartaram-me, então, do rebanho sinistro.
Fui internada num manicômio que não saberei descrever - naturalmente aprisionada, porque a loucura me invadira o espírito e o fogo da alienação mental me calcinava os nervos.
Ouvi preleções sobre a vida eterna, ouvi preces, rogativas, exortações, frases consoladoras, leituras edificantes, contudo, na cela que as minhas trevas de mãe delituosa povoavam de pesadelos amargos, eu apenas ouvia o choro do meu filhinho ...
Cristalizara-se-me a aflição.
As minhas recordações, tomando consistência, os meus pensamentos, materializados, e todo o cortejo de remorsos que eu não podia alijar da mente, subjugavam-me o crânio, dominavam-me os sentimentos e, a falar verdade, nada compreendi, porque as chamas do sofrimento me crepitavam na alma toda ...
Alucinada, humilhada e vencida, roguei à Mãe Santíssima novo acréscimo de piedade, e a Divina Estrela, Advogada de todos os pecadores e, muito particularmente, a Mãe Augusta de todas as pecadoras da Terra, compadeceu-se de minhas penas ...
É assim que transito hoje do hospício que me albergava para o berço de provação que me aguarda no mundo.
Volto, hoje, a nova experiência terrena ... Que gênero de luta me espera?
Serei estrangulada ao nascer?
Terei, mirradas, as mãos assassinas?
Ou quem sabe exibirei na via pública as chagas de um corpo aleijado e infeliz?
Nada sei do futuro ...
Sei, no entanto, que Nossa Mãe Celestial condoeu-se de minha sorte e que, amparada por nossa Divina Estrela, palmilharei o grande caminho da restauração.
Mãe Bendita, Mãe dos pecadores, Lírio de Nazaré, ajuda-me ainda; pois, em minha amargura, Mãe Amantíssima, não há senão justiça, não há senão harmonia, não há senão a misericórdia e a bênção da grande Lei.

Josefina

domingo, 21 de fevereiro de 2010

DORES EXCESSIVAS

Reclamas o peso do fardo moral sobre os teus ombros frágeis, olvidando-te de que Deus não sobrecarrega a ninguém em demasia. Sempre confere os sofrimentos necessários de acordo com as resistências de que cada qual dispõe.
Identificas dificuldades onde se manifestam oportunidades de crescimento interior, porque te encontras fatigado pelos testemunhos constantes, esquecendo-te de que a árvore cresce silenciosamente embora tombe com grande ruído.
Acreditas-te vítima de ocorrências desgastantes e contínuas, quando, em realidade, representam condições para o teu avanço espiritual, desde que te candidataste ao empreendimento iluminativo.
Certamente, permanecer fiel ao dever, quando outros o abandonam, ou manter-se confiante nos momentos em que as circunstâncias apresentam-se menos favoráveis, constituem um esforço muito significativo. Entretanto, mede-se o caráter de uma pessoa pelos valores dignificantes que o exornam.
O indivíduo comum, que prefere avançar perdido na massa, na futilidade, desempenhando o papel do imediatista e aproveitador, não enfrenta esse tipo de desafios, nada obstante, experimenta outros conflitos perturbadores, porque ninguém se encontra na Terra em caráter de exceção, como quem realiza uma agradável jornada ao país da fantasia.
Aquele que se ilude com a existência terrena igualmente desperta, cedo ou tarde, sendo convocado aos enfrentamentos do processo da evolução.
Desse modo, acumula experiências libertadoras através dos aparentes insucessos e dos contínuos tributos de luta e de compreensão à existência corporal.
Para onde olhes defrontarás intérminas batalhas pela sobrevivência, pela afirmação dos valores mais nobres, mesmo que nas rudes refregas do instinto em crescimento para a razão.
Nos reinos vegetal e animal, o predador está sempre seguindo sua vítima, que adquire mecanismos de salvação, adaptando-se ao meio ambiente, mudando de forma, ocultando-se.
Embora a vitória da herança atávica para a preservação da vida, sucumbem ante o ser humano, cuja inteligência é aplicada à conquista de instrumentos que lhes superam as habilidades, vencendo-os de contínuo.
Apesar disso, aqueles que sobrevivem mantêm prodigiosamente o milagre da vida em operosidade.
O vendaval ameaça a árvore altaneira, que se dobra para deixá-lo passar, ou sofre-lhe o açoite destruidor, reerguendo-se depois e prosseguindo vitoriosa no mister que lhe foi estabelecido.
O barro submete-se ao oleiro, aceita o aquecimento exagerado e mantém a forma que lhe foi conferida.
O solo é sulcado e sacudido de todos os lados, a fim de proporcionar a germinação das sementes.
Os metais derretem-se, de modo a receberem novas expressões que darão beleza ao mundo.
Tudo é renovação contínua, que decorre dos impositivos da evolução.
* * *
Se perguntares o que sofre a semente no seio abafado da terra, a fim de que possa libertar a vida que nela jaz adormecida, e se ela pudesse, responderia que o medo, a angústia e a opressão fazem parte de todas as suas horas até o momento em que as vergônteas recebem a luz do Sol e atingem o objetivo a que se destinam.
Se indagares ao triunfador como lhe foi possível alcançar o pódio da vitória, ele te narrará inúmeros sofrimentos que nunca experimentaste, mas que foram superados com alegria, considerando a meta para onde dirige os passos.
Se inquirisses o Sol como pode manter a corte de astros à sua volta, e ele dispusesse de meios de explicar-te, contestaria que transforma a sua massa em energia constante, gastando a média de quatrocentos e vinte milhões de toneladas por segundo.
Em toda parte o esforço enfrenta a luta, que se impõe como necessidade de transformações e de progresso.
Quem se nega ao esforço permanece na paralisia, e aquele que foge à batalha de crescimento, asfixia-se na inutilidade.
Não te aflijas, portanto, pelos enfrentamentos necessários, jamais superestimando as ocorrências que te parecem afligentes.
Sempre existirá alguém mais sobrecarregado do que tu. Porque não se queixa e não lhe conheces o fadário, tens a impressão de que as tuas são dores únicas e mais volumosas do que as de todos.
Há muitos corações crucificados que desfilam pelos teus caminhos e ignoras completamente o que lhes acontece.
Este, no qual te encontras, é um mundo de provas e expiações, portanto, hospital de almas, oficina de reparos, escola de aperfeiçoamento.
É natural que isso ocorra, porquanto será graças a esses fenômenos, nem sempre agradáveis, que alcançarás as estrelas.
Quem poderia imaginar que o Rei Solar tivesse de sofrer tanto, a fim de afirmar o Seu amor por nós?
Se Ele, que é todo amor e misericórdia, pureza e perdão, aceitou de boamente os testemunhos pavorosos para nos demonstrar a Sua grandeza, qual será a quota reservada a cada Espírito que transita na retaguarda a fim de conseguir o seu triunfo durante o seu processo de enriquecimento?
Não reclames, pois, nem te consideres abandonado pela sorte.
Colhes hoje o que semeaste há muito tempo.
Faculta-te agora uma semeadura diferente em relação ao futuro, de maneira que te libertes das dores excruciantes deste momento, auferindo alegrias e bênçãos jamais imaginadas.
Aquieta, desse modo, as objurgações infelizes, o coração intranqüilo, superando o pessimismo e a amargura, e poderás enxergar melhor os acontecimentos que te envolvem, graças aos quais alcançarás a plenitude.
Assim, não te permitas autocomiseração, nem conflito perverso de qualquer natureza, entregando-te a Jesus e nEle confiando de forma irrestrita e terminante, pois que Ele cuidará de ti.
* * *
A tua atual existência está programada para o êxito. Não mais tombarás nas sombras de onde procedes, se insistires por banhar-te com a clara luminosidade do amor de Deus.
Reflexiona melhor e com mais maturidade, de maneira que constatarás alegrias e bem-estar pelo teu caminho, nada obstante algumas dificuldades naturais que todos devem enfrentar.
Alegra-te por seres incompreendido, por estares no campo de elevação entre dissabores, porque a compensação divina é sempre o resultado do grau de esforço desenvolvido pelo ser humano durante a trajetória de elevação.

Joanna de Ângelis
Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, na noite de 18 de maio de 2004, em Berlim, Alemanha.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

PEQUENAS DIFICULDADES E SIMPLES SOLUÇÕES

Reuni aqui neste capítulo alguns questionamentos que fizeram parte de minha iniciação quando dos primeiros contatos com o Espiritismo e a mediunidade. As respostas aqui assinaladas foram aquelas que me aliviaram a consciência e me tranqüilizaram quanto ao exercício da mediunidade. São simples questionamentos e respectivas respostas que podem ser úteis àqueles que se encontram iniciando o contato com a mediunidade.

1. Aos que sentem influências psíquicas espirituais e não sabem o que fazer e como vencer a dificuldade.
Em todos os casos de suspeita de influência espiritual as recomendações básicas são: procurar uma pessoa conhecedora do assunto, ou um Centro Espírita, para esclarecer-se; utilizar-se da oração nos momentos de aflição; ler sobre o assunto e não considerar que é loucura ou simples imaginação. Para vencer a dificuldade é preciso ter paciência e tranqüilidade evitando que o medo tome conta da consciência.

2. O que fazer com a mediunidade quando não se quer exercê-la institucionalmente.
É um equívoco pensar que a mediunidade só pode ser psicologia e mediunidade exercida na tarefa de esclarecimento a entidades desencarnadas e num Centro Espírita. Quando a mediunidade for um incômodo e não se queira exercitá-la da forma convencional, deve-se buscar outras formas de uso que aliviem a tensão provocada pelo inconsciente aberto devido à sua manifestação. Antes de encontrar aquelas formas é necessário e imprescindível que se a conheça.
Estudá-la em primeiro lugar. Aconselho a que se inicie pela leitura de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec. Após isso, algumas possibilidades são indicadas abaixo.
a) Dedicar-se a uma atividade, profissional ou não, na qual o aconselhamento a terceiros faça parte;
b) Dedicar-se a uma atividade de cura, a exemplo do passe, do Reiki, massagem terapêutica, etc.;
c) Participar de grupos de ajuda mútua, a exemplo das Organizações Não Governamentais (ONGs) que visem a solidariedade e a paz social;
d) Praticar a meditação, levando a sério suas próprias intuições;
e) Fazer retiros espirituais, visando entrar em contato com sua natureza essencial;
f) Participar de trabalhos terapêuticos em grupo a fim de conectar-se ao sentido principal de sua vida.
Independente dessas formas, que são uns poucos exemplos dentre muitos, a pessoa poderá, se o quiser, preparar-se em algum Centro Espírita para dar passes, estudar a mediunidade ou mesmo, aos poucos, desenvolvê-la em grupos adequados.

3. Como lidar com o desejo de comunicar-se apenas com Bons Espíritos e com o chamado “Anjo de Guarda”.
Caso você se enquadre nesta categoria, isto é, seja um dos que só querem se comunicar com espíritos bons, não se esqueça de que existem todos os tipos de pessoas desencarnadas. Mesmo só querendo se comunicar com os bons, você está cercado de outros que não o são e que podem também querer estabelecer contato com você. Querer se comunicar apenas com os bons pode significar que você ainda se relaciona com o espiritual para obter vantagens. Não se esqueça de que ´seu´ “Anjo de Guarda” é uma das representações do que de bom existe em você, o qual deve ser buscado.

4. Como lidar com a vontade de ter uma mediunidade precisa e a inveja de quem a tem.
A mediunidade é aquisição do Espírito e, de acordo com a intensidade, significa dedicação ao longo de várias encarnações.
É preciso se dedicar a ela com afinco. Possuir uma mediunidade precisa confere ao médium responsabilidade para colocá-la a serviço da própria evolução e da comprovação da imortalidade da alma. Por outro lado, ter uma mediunidade tão ampla, coloca o médium em contato muito intenso com o espiritual, o que exige maturidade a fim de lidar com as invasões psíquicas decorrentes.
Portanto, para realizar aqueles desejos é preciso estudo, dedicação, seriedade, humildade e paciência.

5. Como compreender a si mesmo estando em sintonia com os espíritos e com a vida material simultaneamente.
É preciso que o médium se perceba como espírito imortal e, como tal, deve realizar-se, independente do trabalho que executa com sua mediunidade em favor do Espiritismo. O trabalho espírita não é o meio de realização pessoal, mas uma das dimensões da vida do médium, que deve conter outras dimensões de realização.
O médium deve levar uma vida normal como qualquer outro ser humano sem precisar se considerar um missionário da humanidade.
O exercício da mediunidade não deve ser mais importante do que as demais atividades da pessoa em sociedade. O médium deve estabelecer uma relação com os espíritos, de tal forma, que haja mútuo interesse pelo autodesenvolvimento pessoal. psicologia e mediunidade.

6. Como enfrentar uma crise existencial na qual o exercício da mediunidade se encontra em cheque.
As crises existenciais são momentos importantes para o Espírito, nas quais ele tem a oportunidade de tomar decisões fundamentais para sua evolução. Todo ser humano enfrenta crises na vida, principalmente após a meia idade. Não deve o médium pensar que seria diferente para com ele. Suas crises são como as de todo ser humano. O exercício da mediunidade sendo colocado em cheque significa pouca consistência em sua inserção nos seus propósitos pessoais e espirituais na vida. É necessário que o médium entenda o significado do exercício da mediunidade na sua realização pessoal. Seria importante que ele entendesse que sua vida espiritual engloba sua vida material, sendo esta última seu grande e atual campo de realização.

7. Como trabalhar mediunicamente estando com desejo de fazer sexo.
A atividade sexual do ser humano é ocorrência comum aos espíritos, não sendo algo que lhes seja desconhecido. O estado emocional do médium é o que é relevante no momento do exercício institucional da faculdade. Deve o médium, de acordo com suas possibilidades e condições de vida, realizar seu desejo, avaliando as influências que acarretarão em sua mente emocional de forma a que não o atrapalhe no exercício da mediunidade. É melhor que a atividade sexual seja realizada e adequadamente satisfeita a fim de que não se apresente como obstáculo ao exercício pretendido, quer seja pela fixação mental do ato durante o serviço mediúnico ou pela repressão indevida.

8. Como ser médium e resolver o medo dos espíritos.
O medo no contato com os espíritos é natural e decorre do instinto de autopreservação. O médium deve ter consciência de sua imortalidade e de que os espíritos desencarnados não podem fazer o que querem. Tampouco costumam pôr em risco a vida de seus médiuns. A melhor maneira de reduzir o medo é enfrentando-o com determinação e confiança em Deus. Entendendo que os espíritos são pessoas tão comuns como o próprio médium, talvez ele diminua seu medo na medida que for se conscientizando da falibilidade e fragilidade deles. É importante que o médium não atribua tanto poder aos espíritos desencarnados.

9. Como lidar com o deslumbramento decorrente do contato com os espíritos.
É comum ao médium iniciante, ao receber boas e elogiosas comunicações dos espíritos, deslumbrar-se e achar que é um privilegiado.
Não sabe ele que esse fato pode ser o começo de uma grande e solitária responsabilidade. É importante que o médium se conscientize de que é um intermediário dos espíritos e que a qualidade do que recebe, embora tenha sua contribuição, deverá ser submetida ao juízo crítico de pessoas mais experientes, para sua própria segurança. Para lidar melhor com o deslumbramento, deve o médium sempre submeter a outrem as comunicações que recebe.

10. Como lidar com aquelas pessoas interessadas em obter mensagens de desencarnados, que não sabem que isto independe do médium.
É muito importante para o médium que ele seja transparente no exercício de sua mediunidade. Deve sempre que necessário esclarecer às pessoas sobre como funcionam as comunicações dos espíritos. Dizer-lhes que não se tem o domínio sobre a vida dos espíritos e que, mesmo que queiram se comunicar, nem sempre o conseguem. A quem lhe pede, recomendar paciência e explicar a importância da oração em favor da pessoa desencarnada, dando a entender que o ciclo dela na Terra já se findou. Fundamental é terse a humildade de admitir a incapacidade de obter o que se pede devido ao livre arbítrio dos espíritos e, quando for o caso, a depender das restrições do tipo de mediunidade que se possui. psicologia e mediunidade.

11. Como lidar com a obsessão mesmo sendo um médium experiente.
Todo médium, por mais experiente que o seja, está sujeito à obsessão por conta das influências espirituais a que está exposto.
É aconselhável a todo médium, de tempos em tempos, trocar experiências com outros, mesmo que exerça sua faculdade há muito tempo. O exercício prolongado da mediunidade, como o de qualquer atividade humana, leva a um padrão típico (rígido) de fazê-lo. É possível que esse padrão, se não percebido, leve a atitudes que podem se tornar extemporâneas e inconvenientes por causa da evolução da sociedade. Aqueles comportamentos são válidos num cenário cultural de uma época e podem ser desnecessários num novo contexto social. Tudo se transforma na natureza e com o exercício da mediunidade não pode ser diferente.
Submeter-se a um processo de análise psicoterapêutica faz bem a qualquer pessoa, mas se o médium experiente não o fizer, poderá valer-se de freqüentes diálogos com pessoas tão experientes quanto ele. É só ter um pouco mais de humildade.

12. Como lidar com espíritos que desejam comunicar-se e cuja produção seja intelectualmente inferior.
Quando o médium verificar, após submeter sua produção a pessoas mais experientes, que se trata de algo de qualidade inferior, deve dialogar com os espíritos que com ele se comunicam orientando-lhes para que amadureçam mais as idéias que pretendem passar a fim de que se tornem mais adequadas ao meio que pretendem atingir. Deve sempre ser transparente com eles e estar preparado para não postergar a decisão de parar com o exercício, se for o caso.

adenáuer novaes

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA

Livro “O Céu e o Inferno” 1ª parte – Cap. VII

O Espiritismo não vem, pois, com sua autoridade privada, formular um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma, deduzida das observações do fato, pode resumir-se nos seguintes pontos:
1º - A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as conseqüências de todas as imperfeições que não conseguiu corrigir na vida corporal. O seu estado, feliz ou desgraçado, é inerente ao seu grau de pureza ou impureza.
2º - A completa felicidade prende-se à perfeição, isto é, à purificação completa do Espírito. Toda imperfeição é, por sua vez, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que toda perfeição adquirida é fonte de gozo e atenuante de sofrimentos.
3º - Não há uma única imperfeição da alma que não importe funestas e inevitáveis conseqüências, como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um gozo.
A soma das penas é, assim, proporcionada à soma das imperfeições, como a dos gozos à das qualidades.
A alma que tem dez imperfeições, por exemplo, sofre mais do que a que tem três ou quatro; e quando dessas dez imperfeições não lhe restar mais que metade ou um quarto, menos sofrerá.
De todo extintas, então a alma será perfeitamente feliz. Também na Terra, quem tem muitas moléstias, sofre mais do que quem tenha apenas uma ou nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez perfeições, tem mais gozos do que outra menos rica de boas qualidades.
4º - Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau, conforme o esforço e vontade próprios, temos que o futuro é aberto a todas as criaturas. Deus não repudia nenhum de seus filhos, antes recebe-os em seu seio à medida que atingem a perfeição, deixando a cada qual o mérito das suas obras.
5º - Dependendo o sofrimento da imperfeição, como o gozo da perfeição, a alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito. O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, e o céu igualmente onde houver almas felizes.
6º - O bem e o mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos e, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre.
7º - O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que, sendo a sua atenção constantemente dirigida para as conseqüências desse mal, melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.
8º - Sendo infinita a justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente considerados, não havendo uma só ação, um só pensamento mau que não tenha conseqüências fatais, como não na uma única ação meritória. um só bom movimento da alma que se perca, mesmo para os mais perversos, por isso que constituem tais ações um começo de progresso.
9º - Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se o não for em urna existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si. Aquele que se quita numa existência não terá necessidade de pagar segunda vez.
10º - O Espírito sofre, quer no mundo corporal, quer no espiritual, a conseqüência das suas imperfeições. As misérias, as vicissitudes padecidas na vida corpórea, são oriundas das nossas imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou em precedentes existências.
Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode julgar-se a natureza das faltas cometidas em anterior existência, e das imperfeições que as originaram.
11º - A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo, portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que for cometida.
12º - Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração do castigo: a única lei geral é que toda falta terá punição, e terá recompensa todo ato meritório, segundo o seu valor.
13º - A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita. O que Deus exige por termo de sofrimentos é um melhoramento sério, efetivo, sincero, de volta ao bem. Deste modo o Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo prolongar os sofrimentos pela pertinácia no mal, ou suavizá-los e anulá-los pela prática do bem. Uma condenação por tempo predeterminado teria o duplo inconveniente de continuar o martírio do Espírito renegado, ou de libertá-lo do sofrimento quando ainda permanecesse no mal. Ora, Deus, que é justo, só pune o mal enquanto existe, e deixa de o punir quando não existe mais por outra, o mal moral, sendo por si mesmo causa de sofrimento, fará este durar enquanto subsistir aquele, ou diminuirá de intensidade à medida que ele decresça.
14º - Dependendo da melhoria do Espírito a duração do castigo, o culpado que jamais melhorasse sofreria sempre, e, para ele, a pena seria eterna.
15º - Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não lobrigarem o termo da provação, acreditando-a eterna, como eterno lhes parece deva ser um tal castigo. (Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se o limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos pólos; também se diz o secretário perpétuo da Academia, o que não significa que o seja ad perpetuam, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção pode dizer-se que as penas são eternas, para exprimir que não têm duração limitada; eternas, portanto, para o Espírito que lhes não vê o termo.)
16º - O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação. Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.
17º - O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo.
Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são conseqüentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal. A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros numa existência, por fraqueza ou má-vontade, achar-se-á numa existência ulterior em contacto com as mesmas pessoas que de si tiverem queixas, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito. Nem todas as faltas acarretam prejuízo direto e efetivo; em tais casos a reparação se opera, fazendo-se o que se deveria fazer e foi descurado; cumprindo os deveres desprezados, as missões não preenchidas; praticando o bem em compensação ao mal praticado, isto é, tornando-se humilde se tem sido orgulhoso, amável se foi austero, caridoso se tem sido egoísta, benigno se tem sido perverso, laborioso se tem sido ocioso, útil se tem sido inútil, frugal se tem sido intemperante, trocando em suma por bons os maus exemplos perpetrados. E desse modo progride o Espírito, aproveitando-se do próprio passado.
OBSERVAÇÃO: A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça. que se pode considerar verdadeira lei de reabilitação morai dos Espíritos. Entretanto, essa doutrina religião alguma ainda a proclamou. Algumas pessoas repelem-na porque acham mais cômodo o poder quitarem-se das más ações por um simples arrependimento, que não custa mais que palavras, por meio de algumas fórmulas; contudo, crendo-se, assim, quites, verão mais tarde se isso lhes bastava. Nós poderíamos perguntar se esse principio não é consagrado pela lei humana, e se a justiça divina pode ser inferior à dos homens? E mais, se essas leis se dariam por desafrontadas desde que o indivíduo que as transgredisse, por abuso de confiança, se limitasse a dizer que as respeita infinitamente.
Por que hão de vacilar tais pessoas perante uma obrigação que todo homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas forças?
Quando esta perspectiva de reparação for inculcada na crença das massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem mais poderoso que o inferno e respectivas penas eternas, visto como interessa a vida em sua plena atualidade, podendo o homem compreender a procedência das circunstâncias que a tornam penosa, ou a sua verdadeira situação.
18º - Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja harmonia perturbariam. Ficam nos mundos inferiores a expiarem as suas faltas pelas tribulações da vida, e purificando-se das suas imperfeições até que mereçam a encarnação em mundos mais elevados, mais adiantados moral e fisicamente. Se pode conceber um lugar circunscrito de castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos quais pululam Espíritos imperfeitos, desencarnados à espera de novas existências que lhes permitam reparar o mal, auxiliando-os no progresso.
19º - Como o Espírito tem sempre o livre-arbítrio, o progresso por vezes se lhe torna lento, e tenaz a sua obstinação no mal. Nesse estado pode persistir anos e séculos, vindo por fim um momento em que a sua contumácia se modifica pelo sofrimento, e, a despeito da sua jactância, reconhece o poder superior que o domina.
Então, desde que se manifestam os primeiros vislumbres de arrependimento, Deus lhe faz entrever a esperança. Nem há Espírito incapaz de nunca progredir, votado a eterna inferioridade, o que seria a negação da lei de progresso, que providencialmente rege todas as criaturas.
20º - Quaisquer que sejam a inferioridade e perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos têm seu anjo de guarda (guia) que por eles vela, na persuasão de suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e, bem assim, de espreitar-lhes os movimentos da alma, com o que se esforçam por reparar em uma nova existência o mal que praticaram. Contudo, essa interferência do guia faz-se quase sempre ocultamente e de modo a não haver pressão, pois que o Espírito deve progredir por impulso da própria vontade, nunca por qualquer sujeição.
O bem e o mal são praticados em virtude do livre-arbítrio, e, consequentemente, sem que o Espírito seja fatalmente impelido para um ou outro sentido. Persistindo no mal, sofrerá as conseqüências por tanto tempo quanto durar a persistência, do mesmo modo que, dando um passo para o bem, sente imediatamente benéficos efeitos.
OBSERVAÇÃO - Erro seria supor que, por efeito da lei de progresso, a certeza de atingir cedo ou tarde a perfeição e a felicidade pode estimular a perseverança no mal, sob a condição do ulterior arrependimento: primeiro porque o Espírito inferior não se apercebe do termo da sua situação; e segundo porque, sendo ele o autor da própria infelicidade, acaba por compreender que de si depende o fazê-la cessar; que por tanto tempo quanto perseverar no mal será infeliz; finalmente, que o sofrimento será intérmino se ele próprio não lhe der fim. Seria, pois, um cálculo negativo, cujas conseqüências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. Com o dogma das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente, tal hipótese, visto como é para sempre interdita qualquer idéia de esperança, não tendo pois o homem interesse em converter-se ao bem, para ele sem proveito.
Diante dessa lei, cai também a objeção extraída da presciência divina, pois Deus, criando uma alma, sabe efetivamente se, em virtude do seu livre-arbítrio, ela tomará a boa ou a má estrada; sabe que ela será punida se fizer o mal; mas sabe também que tal castigo temporário é um meio de fazê-la compreender o erro, cedo ou tarde entrando no bom caminho. Pela doutrina das penas eternas conclui-se que Deus sabe que essa alma falirá e, portanto, que está previamente condenada a torturas infinitas.
21º - A responsabilidade das faltas é toda pessoal, ninguém sofre por erros alheios, salvo se a eles deu origem, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia fazê-lo.
Assim, o suicida é sempre punido; mas aquele que por maldade impele outro a cometê-lo, esse sofre ainda maior pena.
22º - Conquanto infinita a diversidade de punições, algumas há inerentes à inferioridade dos Espíritos, e cujas conseqüências, salvo pormenores, são pouco mais ou menos idênticas.
A punição mais imediata, sobretudo entre os que se acham ligados à vida material em detrimento do progresso espiritual, faz-se sentir pela lentidão do desprendimento da alma; nas angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida, na conseqüente perturbação que pode dilatar-se por meses e anos.
Naqueles que, ao contrário, têm pura a consciência e na vida material já se acham identificados com a vida espiritual, o trespasse é rápido, sem abalos, quase nula a turbação de um pacífico despertar.
23º - Um fenômeno mui freqüente entre os Espíritos de certa inferioridade moral é o acreditarem-se ainda vivos, podendo esta ilusão prolongar-se por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e perplexidades da vida.
24º - Para o criminoso, a presença incessante das vitimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.
25º - Espíritos há mergulhados em densa treva; outros se encontram em absoluto insulamento no Espaço, atormentados pela ignorância da própria posição, como da sorte que os aguarda. Os mais culpados padecem torturas muito mais pungentes por não lhes entreverem um termo.
Alguns são privados de ver os seres queridos, e todos, geralmente, passam com intensidade relativa pelos males, pelas dores e privações que a outrem ocasionaram. Esta situação perdura até que o desejo de reparação pelo arrependimento lhes traga a calma para entrever a possibilidade de, por eles mesmos, pôr um termo à sua situação.
26º - Para o orgulhoso relegado às classes inferiores. é suplício ver acima dele colocados, cheios de glória e bem-estar, os que na Terra desprezara. O hipócrita vê desvendados, penetrados e lidos por todo o mundo os seus mais secretos pensamentos, sem que os possa ocultar ou dissimular; o sátiro, na impotência de os saciar, tem na exaltação dos bestiais desejos o mais atroz tormento; vê o avaro o esbanjamento inevitável do seu tesouro, enquanto que o egoísta, desamparado de todos, sofre as conseqüências da sua atitude terrena; nem a sede nem a fome lhe serão mitigadas, nem amigas mãos se lhe estenderão às suas mãos súplices; e pois que em vida só de si cuidara, ninguém dele se compadecerá na morte.
27º - O único meio de evitar ou atenuar as conseqüências futuras de uma falta, está no repará-la, desfazendo-a no presente. Quanto mais nos demorarmos na reparação de uma falta, tanto mais penosas e rigorosas serão, no futuro, as suas conseqüências.
28º - A situação do Espírito, no mundo espiritual, não é outra senão a por si mesmo preparada na vida corpórea. Mais tarde, outra encarnação se lhe faculta para novas provas de expiação e reparação, com maior ou menor proveito, dependentes do seu livre-arbítrio; e se ele não se corrige, terá sempre uma missão a recomeçar, sempre e sempre mais acerba, de sorte que pode dizer-se que aquele que muito sofre na Terra, muito tinha a expiar; e os que gozam uma felicidade aparente, em que pesem aos seus vícios e inutilidades, pagá-la-ão mui caro em ulterior existência. Nesse sentido foi que Jesus disse: - "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados," (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V.)
29º - Certo, a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. O culpado que ela atinge não fica exonerado, e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre a conseqüência dos seus erros. Por infinita misericórdia, devemos ter que Deus não é inexorável, deixando sempre viável o caminho da redenção.
30º - Subordinadas ao arrependimento e reparação dependentes da vontade humana, as penas, por temporárias, constituem concomitantemente castigos e remédios auxiliares à cura do mal. Os Espíritos, em prova, não são, pois, quais galés por certo tempo condenados, mas como doentes de hospital sofrendo de moléstias resultantes da própria incúria, a compadecerem-se com meios curativos mais ou menos dolorosos que a moléstia reclama, esperando alta tanto mais pronta quanto mais estritamente observadas as prescrições do solícito médico assistente. Se os doentes, pelo próprio descuido de si mesmos, prolongam a enfermidade, o médico nada tem que ver com isso.
31º - As penas que o Espírito experimenta na vida espiritual ajuntam-se as da vida corpórea, que são conseqüentes às imperfeições do homem, às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de presentes e passadas faltas. É na vida corpórea que o Espírito repara o mal de anteriores existências, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual. Assim se explicam as misérias e vicissitudes mundanas que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser. Justas são elas, no entanto, como espólio do passado - herança que serve à nossa romagem para a perfectibilidade. (Vede 1ª' Parte, cap. V, "O purgatório", n.º 3 e seguintes; e, após, 2ª Parte, cap. VIII, "Expiações terrestres". Vede, também, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, "Bem-aventurados os aflitos".)
32º - Deus, diz-se, não daria prova maior de amor às suas criaturas, criando-as infalíveis e, por conseguinte, isentas dos vícios inerentes à imperfeição? Para tanto fora preciso que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimentos, quer em moralidade. Certo, porém, Deus poderia fazê-lo, e se o não fez é que em sua sabedoria quis que o progresso constituísse lei geral. Os homens são imperfeitos, e, como tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas. E pois que o fato existe, devemos aceitá-lo.
Inferir dele que Deus não é bom nem justo, fora insensata revolta contra a lei.
Injustiça haveria, sim, na criação de seres privilegiados, mais ou menos favorecidos, fruindo gozos que outros porventura não atingem senão pelo trabalho, ou que jamais pudessem atingir. Ao contrário, a justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação dos Espíritos; todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua formação por melhor aquinhoado; nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: os que chegam ao fim, têm passado, como quaisquer outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas.
Isto posto, nada mais justo que a liberdade de ação a cada qual concedida. O caminho da felicidade a todos se abre amplo, como a todos as mesmas condições para atingi-la. A lei, gravada em todas as consciências, a todos é ensinada. Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo, para que cada qual tivesse seu mérito.
Todos somos livres no trabalho do próprio progresso, e o que muito e depressa trabalha, mais cedo recebe a recompensa. O romeiro que se desgarra, ou em caminho perde tempo, retarda a marcha e não pode queixar-se senão de si mesmo.
O bem como o mal são voluntários e facultativos: livre, o homem não é fatalmente impelido para um nem para outro.
33º - Em que pese à diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos Espíritos imperfeitos, o código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios:
1º - O sofrimento é inerente à imperfeição.
2º - Toda imperfeição, assim como toda falta dela promanada, traz consigo o próprio castigo nas conseqüências naturais e inevitáveis: assim, a moléstia pune os excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo.
3º - Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade.
A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: - tal é a lei da Justiça Divina.