segunda-feira, 30 de abril de 2012

PROCEDENDO À REFORMA ÍNTIMA



Uma característica fundamental do homem que se diz religioso é proceder à reforma íntima de si próprio.

Essa metanóia – mudança essencial de pensamento ou de caráter, transformação espiritual – é um processo fundamental para a construção do homem novo a que se refere Paulo (Efésios, 4: 22-24): “Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revestivos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.”.

Para acelerar esse processo de renovação interior, vale destacar alguns pontos básicos. Em primeiro lugar, é indispensável à assunção da nossa condição de seres imperfeitos, necessitados de transformação.

Constitui ato de humildade assumir que precisamos mudar. Uma rápida conversa íntima com a nossa consciência há de nos mostrar que trazemos conosco defeitos de longa data. Enganamos outras pessoas para tirar algum tipo de vantagem? Somos grosseiros, fazendo uso de linguagem chula ou agressiva? Sentimos algum tipo de inveja de alguém? Falamos mal do próximo, espalhando seus defeitos verdadeiros ou aumentando-os a nosso bel-prazer? Pisoteamos os pequenos achincalhando-os, sobretudo diante de outras pessoas? Cultivamos sentimento de raiva ou de vingança quando somos contrariados? – estas e muitas outras perguntas podem nos levar a concluir que realmente precisamos operar mudanças em nossa vida, imperfeitos que somos.

Um segundo passo é o desejo sincero de transformação. Temos de ver desabrochar em nós uma vontade decisiva de alterar aspectos que descobrimos estarem em desarmonia com as leis divinas, gerando infelicidade e sofrimento. Reconhecemos os defeitos e, em função disso, almejamos intensamente corrigi-los. Se não houver essa vontade interna de mudar, de extirpar condutas viciosas, de agir contando com nosso próprio esforço de auto superação, tudo fica mais difícil. A paz de espírito não virá automaticamente, de fora para dentro, sem que haja participação intensa de cada um.

Não nos transformamos bruscamente, num passe de mágica. Haverá tropeços nessa trilha rumo a uma vida mais feliz.

Faz-se mister, portanto, um terceiro passo: a avaliação constante dos atos que praticamos.

Na pergunta 919 de “O Livro dos Espíritos”, Santo Agostinho nos fala da importância de interrogarmos nossa consciência, passando em revista ao final do dia tudo àquilo que fizemos, corrigindo constantemente o curso de nossa trajetória.

A oração sincera – conversa íntima com Deus – nos põe em sintonia com o Alto, aliviando-nos o sofrimento e dando-nos força para essa luta travada contra as imperfeições que nos desarmonizam.

Um quarto aspecto deve ser sempre levado em conta: a purificação dos nossos pensamentos e atos. É indispensável que vicejem pensamentos generosos em nossa mente, que se vê constantemente intoxicada pelas conversas inúteis, pelas más leituras, pela imaginação impregnada de sentimentos negativos. É necessário também que o tempo de que dispomos seja ocupado por ações construtivas, quer no ambiente de trabalho, quer em nosso próprio lar. Esse processo de purificação íntima – de sintonia com Deus – resulta no equilíbrio, na paz interior, ao passo que o pensar e o agir impuros geram doença, reflexo do nosso desajuste às leis divinas.

Devemos privilegiar, portanto, as ações efetivas de amor: (I) a nós próprios, desejosos que estamos de progredir e ascender espiritualmente; (II) ao nosso próximo, que se põe diante de nós como oportunidade para que cresçamos espiritualmente à medida que exercemos nosso amor; e, conseqüentemente, (III) a Deus, uma vez que, amando a nós e ao nosso próximo, consubstanciamos o amor ao Criador.

Não podemos nos considerar religiosos por meramente freqüentarmos esta ou aquela instituição religiosa. É preciso que nos engajemos com ardor no processo de mudança e renovação íntima – de todo o nosso sentir, julgar e dispor –, submetendo-nos ao jugo das leis divinas, tão belamente referidos por Jesus: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mateus, 11: 28-30).

SEI 2088

domingo, 29 de abril de 2012

A FUNÇÃO DO CARMA



 “Os pecados de alguns homens são notórios e levam a juízo, ao passo que os de outros, só mais tarde se manifestam.” - Paulo – I Timóteo, 5:24

Errar não compensa. Acontece que a ignorância, indubitavelmente, favorece o erro e, para que ela desapareça do mundo, teremos muito “pano para manga”. O maior ideal nosso deve ser a busca da instrução por todos os meios e a procura da educação por todos os métodos.

Só os Espíritos superiores não erram, mercê de seu saber especulado na Terra. Eles já percorreram todos os caminhos e palmilharam todos os roteiros, reunindo, aqui e ali, as experiências necessárias para atingir o grau evolutivo que conquistaram. A idade deles é avançada, no campo do saber universal. Mas em se tratando dos homens na Terra, ainda existe muita estrada para percorrer e, nessas estreitas vias, é errando que se aprende, é aprendendo que se ilumina para a libertação espiritual.

Nós só erramos por ignorância. Uns são menos culpados, por lhes faltarem os primeiros albores da compreensão, que é a teoria. Outros têm maiores culpa, pois conhecem a teoria, ignorando apenas a prática e, por isso, não encontram forças para colocar em função o que realmente sabem. São mais culpados, mas em parte, são também ignorantes.

Um estudante de medicina – a não ser os que cursam os últimos anos – conhece a arte de curar, puramente na teoria, ignorando a prática, que é outra dimensão do conhecimento. Somente quando começa a viver o drama do clínico abalizado é que a ignorância começa a desaparecer da sua contextura intelectual.

Portanto, há dois tipos de saber que livram o ser da força do carma: o teórico e o prático.

Enquanto os dois não se unirem, a alma ainda sofrerá, debatendo-se nos difíceis caminhos do mundo à procura da perfeição. Quando o Espíritos é portador destas duas linhas de entendimento, começa a libertar-se, tornando-se Espírito puro, Senhor do carma e do destino.

Todavia, não há benção especial para nenhum filho de Deus. Todos têm as mesmas oportunidades, no vasto campo evolutivo da vida. As diferenças que se encontram nas almas, são os diferentes estados evolutivos de cada uma, pois é da lei que na recua perante o progresso.

Queiramos ou não, estamos andando para frente.

Nós não percebemos, com a sensibilidade que temos a vertiginosa velocidade da Terra em torno do Sol, e o movimento de “pião” em torno de si mesma. Ainda assim, ela gira, obedecendo às leis mecânicas que muitas vezes escapam à compreensão humana, por ser oriunda de Deus, que labora na natureza para a perfeição da iluminação dos Espíritos. A nossa consciência dos mecanismos das leis quase não existe, por nos faltar qualidades. A evolução, porém, vai nos conferindo, paulatinamente, meios de observação, e aí nos compete sentir os princípios da verdade maior, e sustentar uma fé mais pura, que possa encarar todos os raciocínios, frente a frente, no dizer de Allan Kardec.

Todos nós somos devedores. Isso é notório, mas nem todos pagamos ou recebemos dívidas na mesma época. Uns já liquidaram, outros estão pagando agora e outros ainda irão saldar depois, mas todos passam pelos mesmos processos da contabilidade divina, métodos estatuídos por Deus, para a evolução das criaturas.

Há almas que erram a vida toda na carne, sem serem chamadas em juízo na Terra, no céu ou em si mesmas. E é esse caso que suscita, em muitos, a revolta pela vida ou contra Deus, revolta cujo móvel único é a ignorância. Aquele que pensa ludibriar a lei, que aparentemente está sendo protegido pela sorte, é o mais desfavorecido, por não possuir evolução bastante para suportar os contrastes nos campos operacionais da consciência. São, na verdade, crianças, razão por que a Inteligência Divina não lhes colocou fardos pesados nos ombros, pelo fato de serem frágeis. No tempo certo, a lei da reencarnação tomará conta das suas artimanhas e selecionará todos os seus problemas, trazendo-os ao envelope do corpo quantas vezes forem necessárias.

As faltas dos Espíritos que são logo corrigidas é por tratar-se de almas com as medidas cheias de iniqüidades, almas mais velhas, cujo início de resgate já começou a operar, e todo erro sempre lhes traz conseqüências desastrosas. Esses Espíritos estão sendo chamados para o arrependimento de tudo o que fizeram e encontrando oportunidades para se desfazerem do mal que causaram aos outros.

A prática do mal, durante muito tempo, encheu a taça do coração, levedou a massa divina do Espírito e perturbou, por completo, as fibras mais íntimas da alma. Essa, estando prejudicada, interessa-se por desfazer tudo isso, nas condições oferecidas pelo carma. Esses Espíritos são chamados para saldarem as dívidas no banco universal da consciência divina, em completa associação com a própria consciência.

Sejamos complacentes para com os que erram tolerantes para com aqueles que nos ofendem e sejamos persistentes no bem.

Não vamos nos perturbar com as vantagens e desvantagens dos outros, pois cada um tem o seu dia, a sua oportunidade.

“Os pecados de alguns homens são notórios e levam a juízo, ao passo que os de outros, só mais tarde se manifestam.”

Capítulo do livro “O Reino de Deus”

Pelo Espírito Miramez / Médium João Nunes Maia

Editora Fonte Viva

sábado, 28 de abril de 2012

FÉ RACIOCINADA



“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em  todas  as  épocas da Humanidade.” (1)



 Em torno da fé existem inúmeras afirmativas negando-lhe o caráter racional. Segundo alguns teólogos, raciocina-se sobre a crença, mas não sobre a fé. A fé, segundo eles, é uma virtude, um dom que transcende a própria razão.

 Por colocarem-na como virtude ou dom transcendental, pertencente exclusivamente à área do sentimento, é que muitas pessoas confundem emoção com fé. Por isso, é comum pessoas dizerem  ter sentido uma fé imensa, capaz de levá-las a grandes realizações, no momento em que ouviam o relato de passagens do Evangelho, ou de ações levadas a efeito por benfeitores da Humanidade, ou até mesmo em decorrência da simples leitura de uma página edificante. A emoção, a vibração espiritual que os atos nobres suscitam nas almas já portadoras de alguma sensibilidade não pode ser confundida com fé. O estado emocional é transitório, enquanto a fé é permanente. A emoção, se analisada e orientada pela inteligência, pode ser auxiliar valiosa para levar a criatura a modificar-se para melhor. Entretanto, se não for esclarecida pela razão pode conduzir ao fanatismo, à chamada fé cega, que é a negação da própria fé.

 O mundo está cheio de exemplos tristes dos frutos do fanatismo religioso. Em nome da fé, quantas perseguições, quantas mortes e até guerras? Ainda nos dias atuais, principalmente na semana santa, existem pessoas que vertem seu próprio sangue, ferindo seus corpos, ou se entregam a privações terríveis no intuito de mostrar sua fé em Deus. Se raciocinassem, veriam que Deus, como Pai amoroso, bom e misericordioso, nunca poderia ser homenageado com o derramamento do sangue dos Seus filhos. Essa concepção de um deus sanguinário, combateu-a o Profeta Elias, séculos antes de Jesus, quando enfrentou os sacerdotes adoradores do deus Baal. (I Reis, 18: 22 a 40).

 Aprende-se no Espiritismo que, na sua caminhada evolutiva, o Espírito vai conhecendo as leis de Deus, vai percebendo-lhes a perfeição e, quanto mais as conhece, mais se identifica com elas, mais confia na justiça e no amor do Criador, mais se conscientiza da Sua perfeição, mais tem fé. Essa a fé que nasce do entendimento. Inabalável, indestrutível.

 Emmanuel ensina: “Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade. Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer eu creio, mas afirmar eu sei, com todos os valores da razão, tocados pela luz do sentimento.” (2).

 A fé que o Espiritismo preconiza não é uma fé contemplativa, capaz de levar uma pessoa à imobilidade, em situações de êxtase, em que fica aguardando providências de Deus em seu favor. Ao contrário, é uma fé dinâmica, edificada vagarosa e conscientemente pelo Espírito, à medida que evolui, conforme ensina Emmanuel: “A árvore da fé viva não cresce no coração miraculosamente. A conquista da crença edificante não é serviço de menor esforço. A maioria das pessoas admite que a fé constitua milagrosa auréola doada a alguns espíritos privilegiados pelo favor divino.” (3)

 A fé espírita não é aquela que se fixa em objetos materiais como cruzes, escapulários, bentinhos, talismãs, amuletos, medalhas, etc. O espírita tem fé em Deus, em Jesus, nos bons Espíritos, entidades dotadas de sentimento e de inteligência, seres capazes de movimentar recursos em seu favor. Essa fé é muito diferente da crença infantil num pretenso poder mágico de objetos materiais, que não poderiam jamais movimentar, com inteligência e sentimento, recursos a benefício de alguém.

 Entretanto, é lícito se indague sobre a origem da fé raciocinada. Teria ela nascido com o Espiritismo? Não, a fé raciocinada nos vem de Jesus, dos ensinamentos do seu Evangelho. O Mestre mudou completamente o próprio conceito de religião, introduzindo no campo até então puramente emocional da fé, o componente razão, entendimento. Ninguém, até Jesus, fez tantos apelos ao raciocínio no âmbito religioso. Kardec, conhecedor profundo da atuação de Jesus, o conhecia, não como um místico, mas como um educador de almas que, ao tempo em que tocava o sentimento daqueles que o ouviam, sabia também levá-los ao entendimento das lições.. Por isso, tem a Doutrina Espírita essa característica de racionalidade. E não podia ser de outra forma, de vez que ao Espiritismo coube o papel de reviver o Cristianismo na sua pureza, simplicidade e pujança originais.

 Jesus nunca explorou a emoção de ninguém. Sua fala, mansa e humilde, precisa e firme, era dirigida ao sentimento e à inteligência. Suas lições foram sempre pautadas no diálogo, através do qual propunha o exame racional daquilo que ensinava.

 Censurado por haver curado uma mulher paralítica num sábado, bem poderia deixar que a própria cura falasse por ele, mas não perdeu a oportunidade de, através de uma pergunta, fazer pensar aqueles que o ouviam: “(...) no sábado não desprende da manjedoura cada um de vós o seu boi, ou o jumento, e não o leva a beber? E não convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, esta filha de Abraão, a qual há dezoito anos Satanás a tinha presa?” (Lc, 13: 15 e 16).

 De outra feita, ele próprio perguntou aos doutores da lei, antes de curar um homem: “É lícito curar no sábado?” (Lc, 14: 3). Como não respondessem, Jesus curou o hidrópico e o despediu. Depois, ele volta a inquiri-los, a fim de conscientizá-los de que acima da letra morta há uma interpretação racional, inteligente: “Qual de vós o que, caindo-lhe num poço, em dia de sábado, o jumento ou o boi, o não tire logo?” (Lc, 14: 5).

 “E orando, não useis de vãs repetições...” (Mt, 6: 7). Quer o Mestre dizer que devemos orar com plena consciência daquilo que falamos, que a nossa oração não seja uma repetição emocional de uma fórmula decorada, como se fosse algo recitado ou declamado. Ao contrário, que seja uma mensagem conscientemente elaborada, com um conteúdo de comunicação dirigida ao Alto, e que não seja uma simples ladainha.

 Jesus, ao conversar com a samaritana, à beira do poço de Jacó, demonstra que não necessitava de inquirir alguém para informar-se de algo. Ali deixa claro para ela que conhecia-lhe o passado como a palma de sua mão. (Jo, 4: 17). Entretanto, freqüentemente fazia perguntas para suscitar dúvida no seu interlocutor, a fim de fazê-lo pensar, raciocinar e não receber passivamente um ensinamento: “Qual é mais fácil? Dizer: Os teus pecados te são perdoados; ou dizer: Levanta-te e anda?” (Lc, 5: 23).

 Ao invés de fazer um discurso eloqüente e emocionado sobre a Providência Divina, o Mestre busca, através de perguntas, levar seus ouvintes a pensarem, a raciocinarem sobre Deus. Depois de lhes ter falado sobre os lírios do campo, dizendo que Deus os veste, e compara sua vestimenta ao luxo do rei Salomão: “Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?” (Mt, 6: 30).

 “E qual de vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhos pedirem?” (Mt, 7: 9 a 11). Também por essa passagem pode-se ver que Jesus não buscava levar ninguém a uma adoração emotiva, a uma fé cega. Ele poderia ter dito, por exemplo que se deve ter fé em Deus, criador de tudo o que existe, que é bom, amoroso, misericordioso, providente etc. Mas não, só isso não bastava. Se ficasse só nessas afirmações, teria suscitado uma fé passiva. Ele queria fazer as criaturas entenderem, através de uma comparação, que o Todo Poderoso deveria ser, necessariamente, melhor que um pai terreno e, portanto, capaz de dar maiores bens aos Seus filhos.

 Os apelos que Jesus, nas suas lições, fazia não só ao sentimento, mas também à inteligência, foi objeto de estudo até mesmo fora do ambiente religioso, por um médico psiquiatra, Augusto Jorge Cury, quando diz: “... ele não anulava arte de pensar, ao contrário, era um mestre intrigante nessa arte. Cristo não discorria sobre uma fé sem inteligência. Para ele, primeiro se deveria exercer a capacidade de pensar e refletir antes de crer, depois vinha o crer sem duvidar. Se estudarmos os quatro evangelhos e investigarmos a maneira como Cristo regia e expressava seus pensamentos, constataremos que pensar com liberdade e consciência era uma obra-prima para ele.” (4)

 O trecho do Novo Testamento que mais evidencia o ambiente pedagógico, de diálogo, de liberdade de análise, na busca de esclarecimentos, que Jesus propiciava a todos que ouviam-lhe as lições é, certamente, o assim chamado “A Transfiguração”. Registra Mateus, no capítulo 17, que Jesus subiu a um alto monte, acompanhado de Pedro, Tiago e João. O Mestre orou e se transfigurou, cobrindo-se de luz, ao tempo em que apareceram – seguramente materializados, pois que os três discípulos os viram – Moisés e Elias, que conversaram com ele. Passado o momento sublime, ao regressarem, o Mestre ordena aos discípulos que não contem nada do que acontecera até ele ressuscitasse. É de se imaginar o contentamento e a emoção que devem ter sentido aqueles discípulos ao contemplarem Jesus coberto de luz, Moisés, o pai dos profetas, e o grande profeta Elias.  Entretanto, eles não se detiveram em atitude de contemplação mística, de deslumbramento. Pelo contrário, o raciocínio funcionou imediatamente, na busca de resposta para algo que lhes pareceu estranho: “E os discípulos o interrogaram, dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro?” (Mt, 17: 10).  Por que a pergunta? Ora, havia sido predito pelos profetas – e os escribas sempre o repetiam – que o Mestre seria precedido por Elias, que voltaria para preparar-lhe o caminho. Os discípulos, vendo Elias desencarnado, deduziram que algo estava errado: ou as profecias não espelhavam a verdade, ou aquele que se apresentara e conversara com Jesus não era Elias, ou Jesus não era o Messias! Jesus, com a tranqüilidade daqueles que detêm a verdade, respondendo, disse-lhes: “Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem.” (Mt, 17: 12). E, em seguida, conclui o Evangelista: “Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista.” (Mt, 17: 13). Tudo estava certo. A profecia já se havia cumprido.

 Diante do que se acabou de ver, conclui-se que Jesus foi um pedagogo e não um místico. Sabia atrair seus ouvintes com as doces consolações da fé, mas não alimentava atitudes de deslumbramento contemplativo, face aos apelos ao raciocínio com que mesclava suas sublimes lições. Encaminhava-os ao entendimento lógico, racional dos fatos! Jesus, como Mestre admirável que foi, soube criar um clima de diálogo aberto. Foi essa liberdade que levou os discípulos a buscarem imediatamente esclarecimento sobre a aparição de Elias, embora a pergunta formulada por eles contivesse embutido um grave questionamento, qual seja o da própria condição de Messias do seu Mestre. Jesus não se sente agastado e, com a segurança daqueles que estão com a Verdade, os esclarece. Assim, vê-se claramente que Jesus não impunha suas idéias, não violentava consciências, nem exigia fé cega, sem exame. Não. Sua mensagem sempre foi dirigida ao intelecto e ao sentimento, bases legítimas da fé raciocinada, que o Espiritismo veio reviver.



1. O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 9, item 7

 2. O Consolador, perg. 354

 3. Caminho, Verdade e Vida, cap. 40

 4. Análise da Inteligência de Cristo, pág. 18

 5. Bíblia Sagrada, trad. João Ferreira d'Almeida (todas as citações)

  

José Passini

Publicado no Reformador – fev. 2005

quinta-feira, 26 de abril de 2012

COMPORTAMENTOS ESDRÚXULOS


A criatura humana, pela sua procedência espiritual, está equipada de recursos que lhe facultam a crença natural na imortalidade da alma. Nela predomina o atavismo da fé espontânea, que lhe constitui recurso iluminativo, provendo-lhe de ânimo para a resistência a quaisquer adversidades e infortúnios, por sentir que a existência corporal é, sem dúvida, uma experiência educacional e não a realidade em toda a sua exuberância. No entanto, à medida que envereda pelos meandros do comportamento conflitivo, elabora mecanismos de resistências contra a sobrevivência, em inquietantes tentativas de aniquilar a vida, como, se dessa forma, se pudesse evadir por definitivo do sofrimento e das frustrações. Inconscientemente, rebela-se contra os impositivos da evolução, e, guindando-se ao prazer, gostaria que as sensações tivessem uma duração indefinida, longe de responsabilidades e esforços. Nesse momento, predominam-lhe as sensações e deixa-se iludir pelas falsas alegrias que desfruta. Toda a historiografia da vida é formada na evidência da imortalidade da alma, que sempre se tem feito presente em todos os fastos do pensamento, nos diferentes povos e épocas transatas. Apesar disso, o desejo do aniquilamento, para fugir dos defeitos dos atos, despertam-lhe um sentimento utópico de negação com o qual se debate nos variados sistemas que cria, para sustentar o conceito estranho do aniquilamento da vida. Compreende-se que indivíduos de formação acadêmica, trabalhados pelos fatos palpáveis dos seus laboratórios, invistam na consumpção do ser, quando cessam os fenômenos biológicos, procurando ignorar, por sistema e hábito, a premissa do espírito como ser causal, anterior ao corpo e a ele sobrevivente. Todavia, quando religiosos buscam apoio em doutrinas de investigação parapsicológica, chegando a conclusões excludentes da interferência dos seres espirituais na vida, essa conduta surpreendente é, pelo menos, esdrúxula, porque pregando a imortalidade com apoio na teologia da sua fé, recusam-se a aceitar os fatos que a comprovam, procurando explicações materialistas para todos os fenômenos paranormais, sem se concederem a possibilidade daqueles de natureza mediúnica. Esse comportamento disfarça os conflitos que pairam nas suas mentes e as profundas frustrações que lhes assinalam a existência que lhes parece inútil, já que direcionada para doutrinas que lhes não enriqueceram o coração, nem harmonizaram as aspirações da inteligência com as propostas dos sentimentos.

Assim também procedem as pessoas que se dizem vinculadas a doutrinas espiritualistas, assinaladas pela razão, que tiveram oportunidade de investigar os fenômenos paranormais e concluíram pela presença dos seres espirituais, no entanto, agem como se o corpo lhes fosse o único bem de que dispõem, permitindo-se extravagâncias e excentricidades, quando não se entregam ao uso desordenado dos recursos do prazer, que os consomem. Além disso, quando não se permitem os mecanismos de autodestruição, agem contrariamente aos postulados imortalistas, que trabalham o caráter do ser dulcificando-o, desenvolvendo-lhe os sentimentos superiores da tolerância, da compreensão das dificuldades e limites das outras pessoas. Têm esses que assim se conduzem atitudes arrogantes, prepotentes, exibicionistas, agindo, sempre que possível, de forma contrária aos cânones espirituais de elevação. Mesmo quando se dedicam ao trabalho de transformação moral para melhor, impõem sua forma de ser, estabelecendo normas que seguem, certamente, mas que desejam transformarem método de comportamento para os demais. É sempre estranhável o comportamento do indivíduo que se diz espiritualista em geral ou espírita em particular, quando extrapola os limites do respeito aos direitos alheios, ou se torna fiscal impiedoso do seu próximo. A visão da imortalidade trabalha o íntimo do indivíduo, ensejando-lhe a superação dos instintos primitivos que o agrilhoam à inferioridade, promovendo-o a degraus mais elevados na escala do progresso. A certeza da transitoriedade orgânica faculta uma preparação continua para a vida futura, auxiliando no desapego dos bens do mundo, mas também dos tesouros do orgulho e das vaidades de toda ordem, que cedem lugar à humildade de reconhecer-se como aprendiz da vida em constante aprimoramento. A descrença tem as suas vantagens que se caracterizam pela acomodação à indiferença pelo esforço de tornar-se melhor em conhecimento, em sentimento, deixando-se arrastar pela revolta contra os Códigos da Vida e encharcando-se de pessimismo, quando não de agressividade. A morte, porém, no seu périplo de visitar todos os seres, sempre chega e arrebata, convidando, então, às tardias reflexões entre revoltas e desesperos que se anestesiam nas futuras reencarnações silenciosas do sofrimento. São assim tratados todos aqueles que da vida, somente esperam recompensas e tripudiam sobre os elevados sistemas de preservação dos valores espirituais. Agindo insensatamente, embora as advertências que lhes chegam de todo lado estabelecem os ditames do porvir, a eles submetendo-se para aprender a progredir, já que, incursos no programa da imortalidade, não se podem evadir de si mesmos nem do infinito curso da evolução.

Merece ainda anotação, o comportamento particular das pessoas que apelam para a negação, quando indagam: - Consideremos que haja um processo de evolução. E quando se atinge esse estado, que se passa a fazer; que acontece? Acostumadas a tudo definir, a tudo limitar, pretendem de um golpe alcançar a finalidade máxima da vida e entender o que seja perfeição nos parâmetros dos seus particulares conceitos de finalismo, de gozo, de realização interior. Adaptadas ao imediatismo da sensação encontram-se distantes do significado da harmonia em considerando-se que os seus objetivos são tormentosos momentos de exaustão pelos sentidos, não possuindo sensibilidade para detectar as emoções superiores do êxtase, da elevação psíquica, das paisagens imateriais dos mundos transcendentes, onde não existem a dor a frustração, a morte, as ausências... Todos aqueles que se propõe sempre a negar a imortalidade da alma, procurando demonstrar que a vida material sintetiza a realidade do existir; enfrentarão, naturalmente, o próprio despertar além das sombras angustiantes dos processos de fixação perturbadora, a que se deixaram conduzir. Poderoso, inevitável, o tempo acompanha o deperecimento de tudo e de todos, as suas transformações, decadências, glórias e vicissitudes, até o momento da morte, quando abre os painéis da vida exuberante, inalienável, propondo novos cometimentos e realizações futuras, em nome da Harmonia, da Beleza que predominam no Universo.

 Vianna de Carvalho (espírito)


terça-feira, 24 de abril de 2012

ESPIRITEIROS


A possibilidade de se melhorarem noutra existência não será de molde afazer que certas pessoas perseverem no mau caminho, dominadas pela idéia de que poderão corrigir-se mais tarde?

Aquele que assim pensa em nada crê e a idéia de um castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra, porque sua razão a repele, e semelhante idéia induz à incredulidade a respeito de tudo. Se unicamente meios racionais se tivessem empregado para guiar os homens, não haveria tantos cépticos. De fato, um Espírito imperfeito poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas, liberto que se veja da matéria, pensará de outro modo, pois logo verificará que fez cálculo errado e, então, sentimento oposto a esse trará ele para sua nova existência. É assim que se efetua o progresso e essa a razão porque, na Terra, os homens são desigualmente adiantados (....) Questão 195

Não encontraremos no dicionário a expressão ”espiriteiro”.

Podemos situá-la como um neologismo (palavra nova) para definir pessoas que se ligam ao Centro Espírita desligadas das finalidades do Espiritismo.

Espiriteiro é o ”papa-passes”, que comparece às reuniões apenas para receber sua ”hóstia” depuradora, representada pela transfusão magnética.

Freqüentador assíduo de ”consultórios do Além”, grupos mediúnicos que se formam apenas para receber favores espirituais, não consegue compreender que o Espiritismo não é mero salva-vidas para acidentes existenciais nascidos de sua própria invigilância.

Refratário a qualquer compromisso que imponha disciplinas de horário e assiduidade, alega absoluta falta de tempo, sem atentar a um princípio elementar: tempo é uma questão de preferência.

Kardec fala dos espiriteiros, em ”O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no capítulo XVII: Nalguns, ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do infinito, donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores, nem com seus hábitos, não percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados.

Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente- para guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações.

Atêm-se mais aos fenômenos do que à moral, que se lhes afigura cediça e monótona.

Pedem aos Espíritos que incessantemente os iniciem em novos mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignos de penetrar os arcanos do Criador.

Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas e das prevenções.

Tive um amigo espiriteiro, um ”bon vivant”, dado a aventuras extraconjugais e viciações. Embalado pelo comodismo, surdo e cego aos princípios espíritas que dizia esposar, justificava sua posição:

- Temos milênios pela frente, nos domínios da eternidade. Retornaremos incontáveis vezes ao educandário terrestre. Por isso não há pressa. O que não fizer hoje, faço amanhã. Além do mais, ninguém é de ferro. Disciplina demais é tirania do cérebro sobre o coração. Como ensinava Jesus, ”o Espírito é forte, mas a carne é fraca”. Homem que sou, não posso furtar-me às contingências do mundo. Incrível! Uma observação tão séria de Jesus, em circunstância dramática, é vulgarizada, com inversão de seu significado para justificar os desatinos de um espiriteiro!

Textualmente, segundo Marcos (14:38), diz Jesus: Vigiai e orai para que não entreis em tentação.

O Espírito, na verdade., está pronto, mas a carne é fraca.

O Mestre fez esta advertência no Horto, antes de ser entregue soldados romanos. Em plena madrugada recomendava aos discípulos que o ajudassem na vigília, buscando, em oração, a proteção divina para os testemunhos que viriam.

Embora a fraqueza da carne representasse naquele momento o sono que insistia em apossar-se dos discípulos, ficou o simbolismo vigoroso quanto à necessidade de vigiarmos nossos pensamentos, a fim de não nos deixarmos dominar por impulsos incompatíveis com os princípios religiosos que esposamos.

O grande recurso, nesse propósito, é a oração, evocando as forças do Céu, no empenho por mantermos nossa integridade moral.

O reconhecimento, pois, de que ”a carne é fraca”, deve ser, à luz dos ensinamentos evangélicos, uma advertência; jamais uma justificativa para deslizes de comportamento.

A intenção de transferir para um futuro remoto nossas realizações espirituais, como pretendia nosso amigo espiriteiro, é algo um tanto irracional, porquanto o contato com a verdade implica em compromisso com ela.

É até compreensível que alguém se recuse a levar a sério a idéia de que há penas e castigos eternos para os que não se ajustam a determinados princípios religiosos. Quando aprendemos a raciocinar escasseia espaço em nosso cérebro para a fantasia.

O mesmo não ocorre com a idéia da reencarnação, que se exprime na lógica, dando-nos conhecimento dos porquês da existência humana, onde somos convocados ao desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras, superando mazelas e imperfeições.

Sobretudo, ficamos sabendo que a Dor, a grande mestra, tende a acentuar sua energia na proporção em que, tomando conhecimento do que nos compete, deixamos de fazê-lo.

***

Abeberando-nos do conhecimento espírita, não haverá justificativa para a omissão. Partindo da afirmativa evangélica de que muito será pedido ao que muito recebe, concluímos que nós, espíritas, estaremos sempre em débito com a Doutrina, porquanto o empenho de uma vida será pouco, ante a gloriosa visão de realidade espiritual que ela desdobra aos nossos olhos.

Companheiros que se manifestam nos Centros Espíritas a que estiveram vinculados, reportam-se a esse problema.

Não tiveram dificuldade em reconhecer sua nova condição, bafejados pelo conhecimento doutrinário.

Habilitam-se à proteção de benfeitores amorosos, ligados que estiveram a atividades no campo da fraternidade humana.

Reportam-se a indescritíveis emoções, no reencontro com familiares queridos.

Mas, com freqüência, revelam indefinível tristeza, por não terem aproveitado integralmente as oportunidades recebidas.

Guardam a nostalgia do ideal espírita não realizado. Embora as conquistas alcançadas como espíritas, não conseguem furtar-se à penosa impressão de que estiveram mais para espiriteiros...



Richard Simonetti

Livro: Quem tem medo de Espíritos

sexta-feira, 20 de abril de 2012

TIRADENTES


 Mensagem recebida em 21 de abril de 1937,

  Dos infelizes protagonistas da Inconfidência Mineira, no dia 21 de abril de todos os anos, aqueles que podem excursionar pela Terra volvem às ruínas de Ouro Preto, a fim' de se reunirem entre as velhas paredes da casa humilde do sítio da Cachoeira, trazendo a sua homenagem de amor à personalidade do Tiradentes.

Nessas assembléias espirituais, que os encarnados poderiam considerar como reuniões de sombras, os preitos de amor são mais expressivos e mais sinceros, livres de todos os enganos da História e das hipocrisias convencionais.

Ainda agora, compareci a essa festividade de corações, integrando a caravana de alguns brasileiros desencarnados, que para lá se dirigiu associando-se às comemorações do proto mártir da emancipação do País.

Nunca tive muito contato com as coisas de Minas Gerais, mas a antiga Vila Rica, atualmente elevada à condição de Monumento Nacional, pelas suas relíquias prestigiosas, sempre me impressionou pela sua beleza sugestiva e legendária. Nas suas ruas tortuosas, percebe-se a mesma fisionomia do Brasil dos Vice-Reis. Uma coroa de lendas suaves paira sobre. as suas ladeiras e sobre os seus edifícios seculares, embriagando o espírito do forasteiro com melodias longínquas e perfumes distantes. Na terra empedrada, ainda existem sinais de passos dos antigos conquistadores do ouro dos seus rios e das suas minas e, nas suas igrejas, ainda se ouvem soluços de escravos, misturados com gritos de sonhos mortos, do seu valoroso heroísmo. A velha Vila Rica, com a névoa fria dos seus horizontes, parece viver agora com as suas saudades de cada dia e com as suas recordações de cada noite.

Sem me alongar nos lances descritivos, acerca dos seus tesouros do passado, objeto da observação de jornalistas e escritores de todos os tempos, devo dizer que, na noite de hoje, a casa antiga dos Inconfidentes tem estado cheia das sombras dos mortos. Aí fui encontrar, não segundo o corpo, mas segundo o espírito, as personalidades de Domingos Vidal Barbosa, Freire de Andrada, Mariano Leal, José Joaquim da Maia, Cláudio Manuel, Inácio Alvarenga, Dorotéia de Seixas, Beatriz Francisca Brandão, Toledo Pisa, Luís de Vasconcelos e muitos outros nomes, que participaram dos acontecimentos relativos à malograda conspiração. Mas, de todas as figuras veneráveis ao alcance dos meus olhos, a que me sugeria as grandes afirmações da pátria era, sem dúvida, a do antigo alferes Joaquim José da Silva Xavier, pela sua nobre e serena beleza. Do seu olhar claro e doce, irradiava-se toda uma onda de estranhas revelações, e não foi sem timidez que me acerquei da sua personalidade, provocando a sua palavra.

Falando-lhe a respeito do movimento de emancipação política, do qual havia sido o herói extraordinário, declinei minha qualidade de seu ex-compatriota, filho do Maranhão, que também combatera, no passado, contra o domínio dos estrangeiros.

- "Meu amigo - declarou com bondade -, antes de tudo, devo afirmar que não fui um herói e sim um Espírito em prova, servindo simultaneamente à causa da liberdade da minha terra.

Quanto à Inconfidência de Minas, não foi propriamente um movimento nativista, apesar de ter aí ficado como roteiro luminoso para a independência da pátria.. Hoje, posso perceber que o nosso movimento era um projeto por demais elevado para as forças com que podia contar o Brasil daquela época, reconhecendo como o idealismo eliminou em nosso espírito todas as noções da realidade prática; mas, estávamos embriagados pelas idéias generosas que nos chegavam da Europa, através da educação universitária. E, sobretudo, o exemplo dos Estados Americanos do Norte, que afirmaram os princípios imortais do direito do homem, muito antes do verbo inflamado de Mirabeau, era uma luz incendiando a nossa imaginação.

O Congresso de Filadélfia, que reconheceu todas as doutrinas democráticas, em 1776, afigurou-se-nos uma garantia da concretização dos nossos sonhos. Por intermédio de José Joaquim da Maia procuramos sondar o pensamento de Jefferson, em Paris, a nosso respeito; mas, infelizmente, não percebíamos que a luta, como ainda hoje se verifica no mundo, era de princípios. O fenômeno que se operava no terreno político e social era o desprezo do absolutismo e da tradição, para que o racionalismo dirigisse a Vida dos homens. Fomos os títeres de alguns portugueses liberais, que, na colônia, desejavam adaptar-se ao novo período histórico do Planeta, aproveitando-se dos nossos primeiros surtos de nacionalismo. Não possuíamos um índice forte de brasilidade que nos assegurasse a vitória, e a verdade só me foi intuitivamente revelada quando as autoridades do Rio mandaram prender-me na rua dos Latoeiros."

- E nada tendes a dizer sobre a defecção de alguns dos vossos companheiros? - perguntei.

- "Hoje, de modo algum desejaria avivar minhas amargas lembranças. . . Aliás, não foi apenas Silvério quem nos denunciou perante o Visconde de Barbacena; muitos outros fizeram o mesmo, chegando um deles a se disfarçar como um fantasma, dentro das noites de Vila Rica, avisando quanto à resolução do governo da província, antes que ela fosse tomada publicamente, com o fim de salvaguardar as posições sociais de amigos do Visconde, que haviam simpatizado com a nossa causa. Graças a Deus, todavia, até hoje, sinto-me ditoso por ter subido sozinho os vinte degraus do patíbulo." - E sobre esses fatos dolorosos, não tendes alguma impressão nova a nos transmitir?

E os lábios do Herói da Inconfidência, como se receassem dizer toda a verdade, murmuraram estas frases soltas:

- "Sim. . . a Sala do Oratório e o vozerio dos companheiros desesperados com a sentença de morte... a Praça da Lampadosa, minha veneração pelo Crucifixo do Redentor e o remorso do carrasco. . . a procissão da Irmandade da Misericórdia, os cavaleiros, até o derradeiro impulso da corda fatal, arrastando-me para o abismo da Morte..."

E concluiu:

- "Não tenho coisa alguma a acrescentar às descrições históricas, senão minha profunda repugnância pela hipocrisia das convenções sociais de todos os tempos."

- É verdade - acrescentei -, reza a História que, no instante da vossa morte, um religioso, falou. sobre o tema do Eclesiastes - "Não atraiçoes o teu rei, nem mesmo por pensamentos." E terminando a minha observação com uma pergunta, arrisquei:

- Quanto ao Brasil atual, qual a vossa opinião a respeito?

- "Apenas a de que ainda não foi atingido o alvo dos nossos sonhos. A nação ainda não foi realizada para criar-se uma linha histórica, mantenedora da sua perfeita independência. Todavia, a vitalidade de um povo reside na organização da sua economia e a economia do Brasil está muito longe de ser realizada. A ausência de um interesse comum, em "favor do País, dá causa não mais à derrama dos impostos, mas ao derrame das ambições, onde todos querem mandar, sem saberem dirigir a si próprios." Antes que se fizesse silêncio entre nós, tornei ainda:

- Com relação aos ossos dos inconfidentes, vindos agora da África para o antigo teatro da luta, hoje transformado em Panteão Nacional, são de fato autênticos esqueletos dos apóstolos da liberdade? .

- "Nesse particular - respondeu Tiradentes com uma ponta de ironia -; não devo manifestar os meus pensamentos. Os ossos encontrados tanto podem ser de Gonzaga, como podem pertencer, igualmente, ao mais miserável dos negros de Angola. O orgulho humano e as vaidades patrióticas têm também os seus limites... Aliás, o que se faz necessário é a compreensão dos sentimentos que nos moveram a personalidade, impelindo-nos para o sacrifício e para a morte. ..”

Mas, não pôde terminar. Arrebatado numa' aluvião de abraços amigos e carinhosos, retirou-se o grande patriota que o Brasil hoje festeja, glorificando o seu heroísmo e a sua doce humildade.

Aos meus ouvidos emocionados ecoavam as notas derradeiras da música evocativa e dos fragmentos de orações que rodeavam o monumento do Herói, afigurando-se-me que Vila Rica ressurgira, com os seus coches dourados e os seus fidalgos, num dos dias gloriosos do Triunfo Eucarístico; mas, aos poucos, suas luzes se amorteceram no silêncio da noite, e a velha cidade dos conspiradores entrou a dormir, no tapete glorioso de suas recordações, o sono tranqüilo -dos seus sonhos mortos.

Fonte: Extraído do livro Crônicas do além túmulo, Francisco C. Xavier/ Humberto de Campos

quinta-feira, 19 de abril de 2012

JESUS - CORPO FLUÍDICO

JESUS



Lembrai-vos destas palavras de Jesus, aludindo, antes e depois do sacrifício do Gólgota, à sua missão terrena e a este sacrifício, referentes essas palavras ao corpo que ele revestira e que constituía sua vida aos olhos dos homens: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira; sou eu que por mim mesmo a deixo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar"(João, X, v. 18).

Jesus houvera podido, unicamente por ato exclusivo da sua vontade, atraindo a si os fluidos ambientes necessários, constituir o perispírito ou corpo fluídico tangível que vestiu para surgir no vosso mundo sob o aspecto de uma criancinha. Maria, porém, antes da sua encarnação, pedira, por devotamento e por amor, a graça de participar da obra de Jesus, atraindo, pela emanação de seus fluidos perispiríticos, os fluidos ambientes necessários a constituição daquele perispírito. Dessa maneira se tinha que verificar a sua cooperação, mas de forma para ela inconsciente, porquanto o estado de encarnação humana lhe não permitia lembrar-se. Assim, ao aproximar-se o momento final da sua gravidez aos olhos dos homens, ela, inconscientemente, mas ardendo no desejo de cumprir a missão que o Senhor lhe revelara por intermédio do anjo ou Espírito superior que lhe fora enviado, estabeleceu, pela emanação dos fluidos do seu perispírito, uma irradiação simpática, que atraiu os fluidos necessários à formação do corpo fluídico de Jesus. Nenhum efeito, entretanto, teria produzido a ação inconsciente de Maria, sem a intervenção da vontade daquele que ia descer ao vosso mundo. Jesus, pois, constituiu, ele próprio, pela ação da sua vontade, o perispírito tangível e quase material, que se tornou, tendo-se em vista o planeta em que habitais, um corpo relativamente semelhante ao vosso.

Falando desse invólucro fluídico, a que chamamos, para sermos percebidos pelo vosso entendimento humano, perispírito tangível, dissemos: e quase material. Era quase material, no sentido de que Jesus assimilara, para formá-lo, os fluidos ambientes que servem à formação dos vossos seres.

Não esqueçais que o Espírito assimila seu perispírito às regiões que percorre; que a terra é um dos mundos inferiores e que, por conseguinte, os elementos de tangibilidade podem aí reunir-se tanto mais facilmente, quanto mais poderosa seja a vontade do Espírito.

A ciência humana acha cômodo rir toda vez que é incapaz de compreender. Sim, o perispírito do homem, sobretudo no estado de tangibilidade, é semi-material. A ciência já encontrou porventura meio de comparar o ambiente que vos cerca com os dos outros planetas? Já pôde acaso o sábio descer aos planetas inferiores, para sentir que o ar que os envolve o sufocaria pelo seu peso, lhe toldaria a vista pela sua espessura e se lhe afiguraria um véu estendido por sobre tudo o que em torno dele se encontrasse? Já subiu às regiões superiores, a fim de experimentar a vertigem que lhe causaria a sutileza do ar? Já sentiu seus olhos se dilatarem com o auxílio das camadas de ar superpostas e, varando distâncias para ele incomensuráveis, ir a sua vista perceber objetos em dimensões tais, que os vossos telescópios não lograriam divisar? Qual a razão dessas diferenças? É que as camadas de fluidos são apropriadas às vossas necessidades. Vós o sabeis e dizeis, mas não compreendeis as causas e não procurais compreender os efeitos. O perispírito humano, como perispírito tangível, com relação a vós, é semimaterial, assim como o vapor é semilíquido e a fumaça semi-aérea.

Relativamente à natureza que vos é peculiar, o corpo dos habitantes dos mundos superiores, bem como o perispírito humano do vosso planeta, é um corpo fluídico. Quando vos é dado vê-lo, tem toda a aparência de material.

O corpo perispirítico de Jesus era mais material do que o corpo perispirítico do Espírito superior, nenhuma comparação podendo, entretanto, ser estabelecida a esse respeito. Maior ainda era a diferença entre esse corpo de Jesus e os vossos corpos de lama. Aquele participava em grande escala do corpo do homem nos mundos superiores, por isso que se compunha dos mesmos elementos, mas modificado, solidificado por meio dos fluidos humanos ou animalizados, de modo a manter-se, segundo a vontade do Mestre e as necessidades da sua missão terrena, visível e tangível para os homens, com todas as humanas aparências corporais do vosso planeta.

Que o homem não se insurja contra a possibilidade desses fatos, por não poder ainda compreender e explicar uma composição que se efetua fora das leis materiais da sua natureza.

Não diremos, como os que, por estas palavras: "Tudo é possível a Deus", explicam o que não compreendem. Dizemos ao contrário: o que o homem, na sua ignorância, considera uma derrogação das leis imutáveis não é, sequer, um deslocamento das leis universais; é, sim, uma aplicação delas. Quando ele tenha vencido as dificuldades que o impedem de se elevar no espaço, quando tiver chegado a decompor as camadas de ar superpostas nas alturas que um dia atingirá, quando compreender as propriedades e os efeitos dos fluidos, o uso que deles pode fazer, verá que o que hoje provoca a zombaria da ignorância e da incredulidade se tornará um fato patente, analisado, decomposto pela ciência, que se admirará de que tão poderosos agentes não hajam estado sempre submetidos ao seu império, como se admira de não ter empregado sempre a eletricidade, cujos efeitos visíveis admite, mas cujas causas ainda não determinou. A cada dia basta o seu labor.

 OS QUATRO EVANGELHOS

J.B ROUSTAING

TOMO 1

terça-feira, 17 de abril de 2012

RELIGIÃO É VIDA

"Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim”.  Jesus (João, 14:6).



Você é convocado para uma nova ideia de Religião.

Não se trata de mera inovação humana. É o retorno ao sentido legítimo de Religião.

Certo é que Você terá visto muita gente fazendo do templo de fé o local da prática religiosa.

Templo, porém, é escola do coração.

Ali se aprende.

A prática dos ensinamentos morais do Cristianismo puro, contudo, pede por palco a própria vida.

Nada de locais restritos e especiais.

É junto de seus familiares, ao lado de seus amigos, no encontro com seus desafetos, que Religião alcança a sua dinâmica de "ligação com Deus".

Jesus viveu religiosamente em toda parte.

Jamais fugiu do mundo.

 Você é chamado para isso: para viver no campo do amor ao próximo, ajudando a construir um mundo novo a partir das fronteiras de seu próprio mundo íntimo.

Evangelho é mensagem de Vida.

A sua presença, no cotidiano, corresponde a um abrir de olhos, a uma visão mais ampla da existência, permitindo que Você se coloque corajosamente diante de Você mesmo.

A Boa Nova é o caminho.

Os Espíritos, rompendo com as barreiras do Além, vêm convocá-la para rasgar os horizontes de novas esperanças.

Eles e Você estão juntos.

O grande desafio, que abala os orgulhosos e confunde os egoístas, é para que Você tenha a coragem de amar, de querer paz, de construir e reconstruir o seu destino.

A serenidade é o salário do Bem.



J.  Alexandre 

Reformador (FEB)  em Jan 1974

quinta-feira, 12 de abril de 2012

SACRAMENTOS ESPÍRITAS?


O Espiritismo, suscitado numa época por excelência caracterizada pela liberdade de pensamento, pelo espírito de crítica e de raciocínio; que, como ciência repousa sobre fatos de observação, milhares de vezes comprovados, como filosofia apoia-se nas mais sólidas induções e deduções que daí decorrem, submetendo todos os ensinos espirituais ao cadinho da lógica inflexível, e como moral, finalmente, vem por termo ao reinado da letra que mata, substituindo-o pelo do espírito que vivifica: o Espiritismo virá a ser um dia uma religião com tudo o que as deforma e esteriliza, isto é, com dogmas, sacerdotes, liturgia, sacramentos, numa palavra, com todo o complicado aparato do culto exterior que, em todos os tempos, deveram as religiões o seu efêmero prestígio, mas também por fim a sua ruína inevitável e fatal?

Seria necessário desconhecer a significação do tempo que vivemos e o papel que o Espiritismo é chamado a desempenhar, como propulsor do progresso humano, incompatível com aquelas embaraçosas engrenagens, para concluir pela afirmativa.

Com efeito, a revelação espírita surge em uma época em que a humanidade, suficientemente esclarecida, acha-se preparada para compreender a inutilidade das fórmulas e do formalismo, e tende a buscar a satisfação de suas latentes aspirações de felicidade e de progresso, não nas práticas, mais ou menos materiais, do culto exterior, mas no desenvolvimento sistemático das forças ocultas da alma, que lhe permitirão uma posse, um conhecimento e, por conseguinte, um gozo espiritual tanto mais intenso quanto maior for o apuro e o desenvolvimento das suas faculdades.

Até aqui, a educação religiosa do homem se tem feito mediante a imposição de um certo número de preceitos, cuja observância – diziam-lhe – asseguraria a salvação. Hoje, pelo Espiritismo, sabemos que o destino é regido por leis sábias, inflexíveis, amorosas e equitativas que “dão a cada um segundo suas obras”, isto é, que exigem de toda criatura, para que efetivamente progrida se adiante e engrandeça espiritualmente, o esforço constante e pessoal, no exercício das virtudes cristãs, por um longo estudo e conhecimento de si mesma, destruindo todas as tendências trazidas do passado, e estimulando as secretas aspirações de Bem e da Verdade, que em todas Deus depositou. Não há assim progresso possível, sem a intervenção da própria atividade consciente, muito embora não cesse a divina Bondade de outorgar-lhe seus favores, suprindo em misericórdia o que em merecimento falta. Mas a inciativa é necessária.

Daí resulta que, estabelecendo-se cada vez mais íntimas e permanentes as relações entre as criaturas e o Criador, por intermédio dos seus mensageiros, e cumprindo a cada uma fazer do seu próprio coração o tabernáculo em que o adore em espírito e verdade, praticando as suas leis, desaparece inteiramente toda a razão de ser dos formalismos, cerimonias e exterioridades cultuais, que as religiões até agora inculcaram necessários à salvação dos homens.

O Espiritismo, pois, que vem preparar, inaugurar e estabelecer definitivamente na terra esse reinado do espírito, por Jesus anunciado e prometido à Samaritana, jamais se poderá constituir uma religião dogmática, enfronhada na modesta roupagem dos complicados e estéreis cerimoniais que caracterizam em geral todas as religiões.

Assim não o parecem infelizmente entender alguns confrades que, ora aqui, ora nos Estados - como esses do interior de S. Paulo- tem ido pouco a pouco introduzindo nas práticas espiritas umas tantas cerimônias, de que porventura se lhes afigura impossível prescindir.

Está neste caso o batismo, de que aqui particularmente nos ocuparemos, e que em maior ou menor escala vai sendo praticado em centros e grupos, a cujos diretores fazemos a justiça de atribuir a boa fé ingênua de com isso acreditarem não infringir as normas genuinamente espíritas.

Ora, é porque somos dos que consideram essas práticas uma infração positiva de tais normas, e num intuito de elucidação do assunto, na medida de nossa limitada capacidade, que são traçadas estas linhas.

Antes de tudo convém definir a significação e os efeitos daquele sacramento e para isso não é necessário mais que recorrermos à fonte originária e às tradições religiosas de que procede, e em que ainda permanece.

O batismo da água foi instituído primitivamente, mas transitoriamente, por João, o precursor, por isso denominado o Batista, que, porém, anunciava abertamente que, após ele vinha o que batizaria no espírito, isto é, o Cristo, que daria aos homens as leis espirituais pelas quais se deveriam reger de então em diante, regenerando-se em seus preceitos, que não nas abluções exteriores, de mero simbolismo. Esse símbolo não era, contudo aplicados senão a homens adultos, e depois de uma pública penitência ou confissão de suas faltas, submetendo-se eles espontaneamente, livre e voluntariamente a essa prática.

Introduzido mais tarde nos hábitos da igreja cristã, então nascente, veio a adquirir o cunho de um dogma perfeitamente característico e definido, tal como até hoje se mantém, atribuindo-se-lhe o maior alcance e a mais alta significação.

São estes os seus efeitos: extingue-se a mácula do pecado original e torna cristão; confere a graça santificante, como dá direito aos frutos da redenção e, por conseguinte, ao céu torna filho da igreja, submetido às suas leis e apto a receber os outros sacramentos, que sem ele são nulos. Imprime à alma uma característica inapagável e não pode por isso ser jamais reiterado. É, finalmente, indispensável à salvação.

Assim, o estatuiu a teologia católica, a que nos reportamos fielmente. E tamanha era a importância que lhe atribuíram que, nos primeiros tempos da igreja, organizada como tal, os adultos não eram admitidos ao batismo senão depois de terem percorrido os três sucessivos graus do catecumenato: primeiramente como ouvintes, recebiam a necessária instrução; em seguida, como competentes, assistiam ao começo da missa e praticavam as abstinências de preceito; como eleitos, por fim, recebiam solenemente o batismo, ministrado quer na véspera da Páscoa, quer do Pentecostes.

Eis aí, pois, definido em sua significação e em seus efeitos esse sacramento, que alguns menos refletidos têm procurado introduzir nas práticas espiritas. E aqui cabe perguntar-Ihes se, adaptando-o, conservam -lhe os mesmos atributos e vantagens acima enumerados, desde a extinção do pecado original até a outorga formal da salvação.

Optarão sem duvida pela negativa e nem é preciso para isso aguardar-lhes o pronunciamento. Mas então a que título o adotam? Que significação lhe atribuem? Será por mero espírito servil de imitação que o copiam do ritual católico?

Há evidentemente- seja-nos licito afirmar de nossa parte- no fundo do pensamento que tem inspirado a uns tantos espíritas a introdução dessa cerimonia em seus processos, ou uma forte e inveterada reminiscência dos hábitos de passadas vidas. Ou, pelo menos, uma influência de sua atual educação religiosa.

Alegarão eles que o que praticam não é o batismo d'água, tal como o faz a igreja; alguns mesmo chegam com efeito, a dissimular o ato, substituindo-lhe o nome pelo de “apresentação espiritual” supondo ter assim dissipado toda confusão e porventura inventado alguma coisa nova. E esse será talvez o evasivo pretexto, de que muitos ainda se socorrerão, para não renunciar a tal prática, no seu conceito, indispensável à nova e estranha liturgia . Julgar-se-ão assim justificados, podendo alegar que não praticam o batismo: limitam-se à “apresentação” aos guias espirituais do recém-nato. 

Mas apresentação para que? Para esses guias invocados tomem sob sua proteção o espírito que mais uma vez volta ao planeta? Será então para isso indispensável uma tal formalidade, ou mesmo sem ela o guia espiritual não cessa de velar pelo ser confiado aos seus cuidados?

Se é indispensável, a doutrina espírita não está na verdade, quando afirma que toda criatura, todo espírito, desde o começo de sua evolução e durante a encarnação como na erraticidade, tem sempre a encaminhar- Ihe os passos e sugerir-lhe as boas resoluções um anjo tutelar, que o não abandona senão quando ele adiantou-se, evoluiu ao ponto de poder, por sua vez, constituir-se o guia de outros mais atrasados, como outrora o foi.

E se a apresentação não é indispensável - e não o é, porque seria a negação da previdência de Deus, desse modo colocada à mercê da claudicante iniciativa humana- nada justifica a sua supérflua inclusão nos hábitos espiritas. Deve, portanto, ser banida.

Ao demais, quando essa prática, com o nome de batismo ou de apresentação – importa pouco – não tivesse contra si a inoportunidade, isto é, quando não fosse levada a efeito ao momento em que o espírito encarnado menos consciência tem de si, por isso que se acha na plenitude da perturbação, mal entreabertos os olhos à indecisa luz do exterior e, por conseguinte menos pode conhecer os efeitos de um ato em que não toma parte, não constituiria menos esse enxerto um erro grave e um funesto precedente.

É um erro grave, porque importa antes de tudo em uma violação da liberdade de consciência individual. Por menos, com efeito, que se queira atribuir a esse batismo original o valor e o cunho da imposição da fé espírita, não é menos certo que o batizando ficará inscrito nos registros (?) da nova comunidade, com incontestável gáudio para as secretas intensões dos seus progenitores. Dirão estes que, sendo o Espiritismo a melhor das Doutrinas só pode haver benefício em se anteciparem eles à escolha de seu filho, incluindo de antemão nas fileiras a que há de pertencer mais tarde.

Foi assim que também raciocinaram nossos pais, quando nos fizeram conduzir à pia batismal, e foi igualmente assim que entenderam e praticaram todas as anteriores gerações, que- está-se vendo --possuíam do respeito ao livre arbítrio uma noção que não pode ser positivamente a mesma que possuem, ou pelo menos devem possuir, os espíritas. E com tudo isso não se puderam evitar as apostasias c abjurações.

Por melhor, pois, que considerem, e com justa razão- não há negar- a doutrina espirita em relação a todas as demais, nenhum pai tem contudo o direito de ligar de antemão seu filho, por uma fórmula ou uma cerimônia qualquer, a sua própria crença. O que lhe cumpre é educa-lo nos mais puros preceitos da moral cristã, mais por exemplos que por palavras, e esperar que, crescendo à sua sombra tutelar, venha ele mais tarde a adotar livremente as mesmas convicções religiosas. Se o contrario se der, se refratário aos ensinos e exemplos paternos, o filho, obedecendo a uma tendência natural de seu espírito, preferir qualquer outra das religiões ainda existentes sobre a terra , ao menos restará aos pais o consolo, não somente de ter cumprido o seu dever de exemplificação, mas também de haver fielmente respeitado a liberdade de consciência do que por Deus lhes fora confiado, abstendo-se de viola-la em qualquer tempo.

Reconhecemos quão difícil é atrair à própria crença pela integridade dos exemplos, que de alguma sorte impô-la por uma cerimônia momentânea; mas é muito útil e eficaz.

Quando ao precedente funesto a que aludimos, consiste ele no próprio fato da adoção de uma solenidade formalística, incompatível – repetimos – com o cunho eminente e exclusivamente espiritual da nossa Doutrina.

Há, com efeito, sempre um perigo na iniciativa de atos dessa ordem. E se é verdade que o Espiritismo, como dizíamos em começo, se apresenta e – temos fé – se conservará para o futuro com aquele característico de pura espiritualidade, graças sobretudo à universalidade da fonte em que se regenera e terá perpetuamente a segurança de sua evolutiva renovação - o mundo espiritual – não é menos certo que a adoção de exteriores formalidades pelos seus crentes poderá pelo menos criar embaraços às gerações futuras.

Convém nunca perder de vista as lições que a história da igreja nos oferece. Ao começo os cristãos se reuniam, para elevar ao céu as suas orações e estudar em comum o Testamento deixado pelo Divino Mestre, até um certo tempo conservado apenas na tradição oral, e mais tarde reduzido a texto escrito. Essa comunhão fraterna era ilustrada unicamente pela palavra dos profetas, ou médiuns, que, sob a inspiração e direção dos espíritos prepostos, dirimiam as dúvidas e elucidavam os ensinos.

Depois foram adotados alguns cânticos que, a pretexto de predispor as almas para o recolhimento e a unção religiosa, não foram mais que o pretexto fatal para outros acessórios, e mais outros, até chegar-se ao estado atual da igreja, que outrora, e por muito tempo infelizmente, foi do Cristo, mas que degenerou por fim nessa mundaneria em que o fausto, as pompas, as riquezas, tudo em suma o que pode entreter e lisonjear os sentidos, vieram a substituir esse indispensável trabalho de aperfeiçoamento da alma, mediante o cultivo de suas faculdades. Que contraste, realmente, entre aquelas assembleias recolhidas, afetuosas e fraternas dos primeiros cristãos e as solenidades pagãs e ruidosas da moderna igreja, entre a simplicidade espiritual e pura de suas crenças e o amontoado de dogmas, regras e pretensões teológicas atuais.

Cumpre pois, ter sempre em vista essas lições e banir sistematicamente tudo o que possa importar na organização de um ritual. Lembremo-nos de que muito pode o respeito ao passado e às tradições, e de que, instituindo certas práticas, colocaremos os nossos sucessores na desagradável perplexidade de, ao romper com os precedentes, escandalizando a muitos, ou conservar religiosamente o legado transmitido, em respeito à ‘sabedoria’ dos seus maiores.

E não será temerário nem gratuito vaticinar a possibilidade de se formarem correntes de opiniões em um e outro sentido, com evidente risco de perturbações e anarquias, que desde agora a prudência e a noção que devemos ter das nossas responsabilidades nos aconselham evitar.

Façamo-nos espíritas de fato e, como tais, homens novos, inteiramente emancipados de formalísticas rotinas, fiéis ao Cristo e aos seus mandatos, unicamente preocupados de por em prática os seus ensinos, hoje em toda a sua pureza restabelecidos em espírito e verdade.



Pedro Richard

Reformador (FEB), ano XXIII, número 23 em 03 de dezembro de 1905.