A lei dos renascimentos, dissemos, rege a vida universal. Com alguma atenção, poderíamos ler em toda a Natureza, como num livro, o mistério da morte e da ressurreição.
As estações sucedem-se no seu ritmo imponente. O inverno é o sono das coisas; a primavera é o acordar; o dia alterna com a noite; ao descanso segue-se a atividade; o Espírito ascende às regiões superiores para tornar a descer e continuar com forças novas a tarefa interrompida.
As transformações da planta e do animal não são menos significativas. A planta morre para renascer, cada vez que volta a seiva; tudo murcha para reflorir. A larva, a crisálida e a borboleta são outros tantos exemplos que reproduzem, com mais ou menos fidelidade, as fases alternadas da vida imortal.
Como seria, pois, possível que só o homem ficasse fora do alcance dessa lei? Quando tudo está ligado por laços numerosos e fortes, como admitir que nossa vida seja como um ponto atirado, sem ligação, para os turbilhões do tempo e do espaço? Nada antes, nada depois! Não. O homem, como todas as coisas, está sujeito à lei eterna. Tudo o que tem vivido reviverá em outras formas para evoluir e aperfeiçoar-se. A Natureza não nos dá a morte senão para dar-nos a vida. Em conseqüência da renovação periódica das moléculas do nosso corpo, que as correntes vitais trazem e dispersam, pela assimilação e desassimilação cotidianas, já habitamos um sem-número de invólucros diferentes numa única vida. Não é lógico admitir que continuaremos a habitar outros no futuro?
A sucessão das existências apresenta-se-nos, pois, como uma obra de capitalização e aperfeiçoamento. Depois de cada vida terrestre, a alma ceifa e recolhe, em seu corpo fluídico, as experiências e os frutos da existência decorrida. Todos os seus progressos refletem-se na forma sutil da qual é inseparável, no corpo etéreo, lúcido, transparente, que, purificando-se com ela, se transforma no instrumento maravilhoso, na harpa que vibra a todos os sopros do Infinito.
Assim, o ser psíquico, em todas as fases de sua ascensão, encontra-se tal qual a si mesmo se fez. Nenhuma aspiração nobre é estéril, nenhum sacrifício baldado. E na obra imensa todos são colaboradores, desde a alma mais obscura até o gênio mais radioso. Uma cadeia sem fim liga os seres na majestosa unidade do Cosmo. É uma efusão de luz e amor que, das cumeadas divinas, jorra e se derrama sobre todos, para regenerá-los e fecundá-los. Ela reúne todas as almas em comunhão universal e eterna, em virtude de um princípio que é a mais esplêndida revelação dos tempos modernos.
A alma deve conquistar, um por um, todos os elementos, todos os atributos de sua grandeza, de seu poder, de sua felicidade, e para isso precisa do obstáculo, da natureza resistente, hostil mesmo, da matéria adversa, cujas exigências e rudes lições provocam seus esforços e formam sua experiência. Daí, também, nos estádios inferiores da vida, a necessidade das provações e da dor, a fim de que se inicie sua sensibilidade e ao mesmo tempo se exerça sua livre escolha e cresçam sua vontade e sua consciência. É indispensável a luta para tornar possível o triunfo e fazer surgir o herói. Sem a iniqüidade, a arbitrariedade, a traição, seria possível sofrer e morrer por amor da justiça?
Cumpre que haja o sofrimento físico e a angústia moral para que o espírito seja depurado, limpe-se das partículas grosseiras, para que a débil centelha, que se está elaborando nas profundezas da inconsciência, se converta em chama pura e ardente, em consciência radiosa, centro de vontade, energia e virtude.
Verdadeiramente só se conhecem, saboreiam e apreciam os bens que se adquirem à própria custa, lentamente, penosamente. A alma, criada perfeita, como o querem certos pensadores, seria incapaz de aquilatar e até de compreender sua perfeição, sua felicidade. Sem termos de comparação, sem permutas possíveis com seus semelhantes, perfeitos quanto ela, sem objetivo para sua atividade, seria condenada à inação, à inércia, o que seria o pior dos estados; porque viver, para o espírito, é agir, é crescer, é conquistar sempre novos títulos, novos méritos, um lugar cada vez mais elevado na hierarquia luminosa e infinita. E para merecê-lo é necessário ter penado, lutado, sofrido. Para gozar da abundância é preciso ter conhecido as privações. Para apreciar a claridade dos dias é mister haver atravessado a escuridão das noites. A dor é a condição da alegria e o preço da virtude, sendo esta última o bem mais precioso que há no universo.
Construir o próprio “eu”, sua individualidade através de milhares de vidas, passadas em centenas de mundos e sob a direção de nossos irmãos mais velhos, de nossos amigos do espaço, escalar os caminhos do Céu, arrojarmo-nos cada vez mais para cima, abrir um campo de ação cada vez mais largo, proporcionado à obra feita ou sonhada, tornarmo-nos um dos atores do drama divino, um dos agentes de Deus na obra eterna, trabalhar para o universo, como o universo trabalha para nós, tal é o segredo do destino!
Assim, a alma sobe de esfera em esfera, de círculos em círculos, unida aos seres que tem amado; vai, continuando as suas peregrinações, em procura das perfeições divinas. Chegada às regiões superiores, está livre da lei dos renascimentos; a reencarnação deixa de ser para ela obrigação para tornar-se somente ato de sua vontade, o cumprimento de uma missão, obra de sacrifício.
Depois que atingiu as alturas supremas, o Espírito diz, às vezes, de si para si:
“Sou livre; quebrei para sempre as algemas que me acorrentavam aos mundos materiais. Conquistei a ciência, a energia, o amor. Mas o que granjeei quero repartir com meus irmãos, os homens, e para isso irei de novo viver entre eles, irei oferecer-lhes o que de melhor há em mim, retomarei um corpo de carne, descerei outra vez para junto daqueles que penam, que sofrem, que ignoram, para os ajudar, consolar e esclarecer.”
E, então, temos Lao-Tse, Buda, Sócrates, Cristo, numa palavra, todas as grandes almas que têm dado sua vida pela humanidade!
Léon Denis
Livro: O problema do ser, do destino me da dor.
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