Uma característica fundamental do homem que
se diz religioso é proceder à reforma íntima de si próprio.
Essa metanóia – mudança essencial de pensamento
ou de caráter, transformação espiritual – é um processo fundamental para a
construção do homem novo a que se refere Paulo (Efésios, 4: 22-24): “Renunciai
à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências
enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revestivos do
homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.”.
Para acelerar esse processo de renovação interior,
vale destacar alguns pontos básicos. Em primeiro lugar, é indispensável à
assunção da nossa condição de seres imperfeitos, necessitados de transformação.
Constitui ato de humildade assumir que precisamos
mudar. Uma rápida conversa íntima com a nossa consciência há de nos mostrar que
trazemos conosco defeitos de longa data. Enganamos outras pessoas para tirar
algum tipo de vantagem? Somos grosseiros, fazendo uso de linguagem chula ou
agressiva? Sentimos algum tipo de inveja de alguém? Falamos mal do próximo, espalhando
seus defeitos verdadeiros ou aumentando-os a nosso bel-prazer? Pisoteamos os
pequenos achincalhando-os, sobretudo diante de outras pessoas? Cultivamos sentimento
de raiva ou de vingança quando somos contrariados? – estas e muitas outras
perguntas podem nos levar a concluir que realmente precisamos operar mudanças
em nossa vida, imperfeitos que somos.
Um segundo passo é o desejo sincero de transformação.
Temos de ver desabrochar em nós uma vontade decisiva de alterar aspectos que
descobrimos estarem em desarmonia com as leis divinas, gerando infelicidade e
sofrimento. Reconhecemos os defeitos e, em função disso, almejamos intensamente
corrigi-los. Se não houver essa vontade interna de mudar, de extirpar condutas
viciosas, de agir contando com nosso próprio esforço de auto superação, tudo
fica mais difícil. A paz de espírito não virá automaticamente, de fora para
dentro, sem que haja participação intensa de cada um.
Não nos transformamos bruscamente, num passe
de mágica. Haverá tropeços nessa trilha rumo a uma vida mais feliz.
Faz-se mister, portanto, um terceiro passo: a
avaliação constante dos atos que praticamos.
Na pergunta 919 de “O Livro dos Espíritos”,
Santo Agostinho nos fala da importância de interrogarmos nossa consciência, passando
em revista ao final do dia tudo àquilo que fizemos, corrigindo constantemente o
curso de nossa trajetória.
A oração sincera – conversa íntima com Deus –
nos põe em sintonia com o Alto, aliviando-nos o sofrimento e dando-nos força
para essa luta travada contra as imperfeições que nos desarmonizam.
Um quarto aspecto deve ser sempre levado em
conta: a purificação dos nossos pensamentos e atos. É indispensável que vicejem
pensamentos generosos em nossa mente, que se vê constantemente intoxicada pelas
conversas inúteis, pelas más leituras, pela imaginação impregnada de sentimentos
negativos. É necessário também que o tempo de que dispomos seja ocupado por ações
construtivas, quer no ambiente de trabalho, quer em nosso próprio lar. Esse
processo de purificação íntima – de sintonia com Deus – resulta no equilíbrio,
na paz interior, ao passo que o pensar e o agir impuros geram doença, reflexo
do nosso desajuste às leis divinas.
Devemos privilegiar, portanto, as ações efetivas
de amor: (I) a nós próprios, desejosos que estamos de progredir e ascender espiritualmente;
(II) ao nosso próximo, que se põe diante de nós como oportunidade para que
cresçamos espiritualmente à medida que exercemos nosso amor; e,
conseqüentemente, (III) a Deus, uma vez que, amando a nós e ao nosso próximo,
consubstanciamos o amor ao Criador.
Não podemos nos considerar religiosos por
meramente freqüentarmos esta ou aquela instituição religiosa. É preciso que nos
engajemos com ardor no processo de mudança e renovação íntima – de todo o nosso
sentir, julgar e dispor –, submetendo-nos ao jugo das leis divinas, tão belamente
referidos por Jesus: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e
eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu
sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque
meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mateus, 11: 28-30).
SEI 2088
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