quarta-feira, 25 de maio de 2011

CANDEIAS NA NOITE ESCURA

Venho de um tempo que doces babás culturalmente despreparadas mas espiritualmente graduadas nas divinas universidades do amor fraterno, nos contavam histórias - ainda eram histórias e não estórias - singelas, nas quais o bem recebia sempre o seu prêmio e o mal o seu castigo. Em muitas dessas histórias, os heróis anônimos se perdiam pelos caminhos e a noite chegava cheia de terrores, mas tudo acabava bem quando, a distância, o viajante perdido descobria na escuridão um tímido ponto de luz em torno do qual viviam aqueles que o socorreriam.
Buscamos todos a luz. Mais que uma realidade energética no campo da física, a luz é o símbolo multimilenar do desenvolvimento espiritual. Dela dependemos para ver o mundo que nos cerca e o caminho que pisamos. Em espírito, buscamos as vibrações superiores do amor esse grande gerador de luzes fascinantes. E, a medida em que a luz se realiza em nós, desaparecem as sombras que nos envolvem e se iluminam não apenas as nossas veredas, mas também os caminhos dos que seguem ao nosso lado. Ainda que o desejássemos, não poderíamos guarda-la somente para nós, egoisticamente : ela se irradia por onde andamos e alcança os outros. Tudo no universo é solidário, porque vivemos e nos movemos em Deus, como dizia Paulo.
"Ninguém acende a luz e a coloca debaixo do alqueire", ensinava o Mestre. Quanta sabedoria profunda e intemporal nos seus mais singelos pronunciamentos! Que maravilhoso poder de comunicação na sua capacidade de traduzir em imagens tão nítidas o pensamento mais transcendental...
Vejo ainda, com os olhos da saudade, a lamparina humilde da fazenda, colocada no lugar mais alto para que todos 9,. vissem e nunca debaixo do alqueire.- Pelas paredes - dançavam sombras grotescas, mas nenhuma das sombras chegava perto da luz.
Lembro disso agora, ao verificar' que, mesmo a nossa luzinha humílima de principiantes, quanta gente atrai! São os que vêm buscar consolo, principalmente. Os que "perderam" entes queridos, os que sofrem provações incompreensíveis, os que se consomem no remorso. Mas vêm também os que, sem grandes dores, desejam compreender melhor a vida; que não têm remorsos, mas estão vazios de esperança. Quase todos, senão todos, atrasaram-se pelos caminhos e a noite chegou e se fechou sobre eles. De repente, encontram aqueles que, sem muito brilho, dispõem, no entanto, de uma candeia modesta. São estes os que se iniciaram nas primeiras tarefas do amor, são os que, tendo ainda tão pouco, possuem já o suficiente para dar, têm em si bastante amor para distribuir em nome do Cristo.
É certo que neste crepúsculo dos tempos muitos continuarão extraviados por largo espaço e, infelizmente, não está em nosso poder sacudi-los de sua inconsciência, mas estamos igualmente certos de que não ficarão abandonados à própria sorte, porque Deus vela por todos nós indistintamente. Também a chuva e o sol caem sobre o justo e o pecador, sobre a boa semente e a outra. Que orem por eles os que aprenderam a conversar com Deus, mas aqueles que disponham de uma pequena chama espiritual, ainda que humilde, que cuidem de colocar a candeia sobre o alqueire e não debaixo dele. Não para exibir conhecimentos e alardear virtudes que ainda não temos, mas quem sabe se lá ao longe, na escuridão da noite que nos envolve, algum irmão extraviado não vai enxergar a luzinha e chegar-se exausto e faminto, pedindo pousada, ajuda e carinho. Isso mesmo, daremos na medida das nossas forças e limitações, porque é bom repartir o pouco que temos, "para que a felicidade se multiplique entre nós", como,, diz Agar na sua linda prece. A felicidade aumenta , quando repartida, ao passo que a dor partilhada diminui. Vamos, pois, distribuir a nossa alegria consciente de viver em Deus. Nós sabemos o que somos - espíritos imortais, temporariamente encarcerados num corpo físico. Sabemos de onde viemos - de um longo rosário de vidas que aprofundam suas raízes na escuridão de remotas idades. Sabemos para onde vamos - para os mundos cada vez mais perfeitos que luzem adiante de nós, nas muitas moradas do nosso Pai.
A mensagem que temos a transmitir é, pois, extremamente simples e fácil de entender. Para muitos é ainda difícil aceitá-la, porque se habituaram demais à opressiva aridez da descrença; lembremo-nos, entretanto, daqueles mais desgraçados para os quais não é apenas difícil aceitar a realidade do espírito, mas ainda é impossível.
Que brilhe, então, a nossa luz humilde, alimentada pelo combustível do conhecimento e da caridade que começa a arder em nós. A hora é de dores, muitas e grandes; de desorientação e desespero; de ódios e crueldades. Hora de ajustes aflitivos e desenganos dolorosos. Mas é também uma hora de revelações maravilhosas, de descobertas memoráveis, de conquistas deslumbrantes, de oportunidades raras se, com muito amor e humildade, procurarmos em nosso próprio território íntimo o rastro luminoso que o Mestre de todos nós deixou em nós. Há séculos que ouvimos a sua palavra, repetida insistentemente. Há séculos que muitos de nós a pregamos à nossa maneira, obscurecida pelas paixões e incompreensões que nos toldam a visão. É chegado o tempo de fazê-la florescer e frutificar. É, assim, muito bela a tarefa que temos diante de nós, os que começamos a soletrar o beabá do conhecimento espiritual: incumbe-nos a responsabilidade e a alegria de transmiti-lo, proclamando aos quatro cantos da Terra que somos espíritos sobreviventes a caminho de Deus. E que, por estranho que pareça, Deus está também em nós. "Vós sois deuses!", dizia Jesus. Que brilhe a nossa candeiazinha humilde que não ilumina mais que uns poucos palmos à volta. Há irmãos tão desesperados que anseiam até mesmo por essas migalhas de luz.
Um dia seremos um clarão de amor fraterno, tal como nos quer o Príncipe da Paz.
Revista Reformador – Agosto de 1971 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CONFLITOS INTERPESSOAIS

Afirmam os Espíritos que o sentimento de crueldade é o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto resulta sempre de uma natureza má1. Do que conhecemos da história do homem na Terra, vemos que a crueldade formava o caráter predominante dos povos primitivos, eviden­ciando que a matéria preponderava sobre o Espírito naqueles tempos. Não somos mais um povo primi­tivo, guardamos, contudo, resquícios dessa fase, pois nossa civilização ainda não se pode dizer completa. Espalhados geograficamente pelo globo, povos de imperfeito desenvolvimento, por existir ainda em sua intimidade as fontes da violência, atraem ao seu convívio Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, e essa influência potencializa a maldade que existe em cada indivíduo, gerando o pano de fundo dos conflitos que se estampam nas páginas dos jornais, horrorizando-nos cotidianamente.
O ensino espírita demonstra que a crueldade deriva da falta de desenvolvimento do senso moral. Em estado rudimentar ou latente, todas as faculdades existem no homem. Desenvolvem-se, conforme lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvol­vimento excessivo de uma detém ou neutraliza o das outras. A excitação dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a pouco as facul­dades puramente animais. Em nossa sociedade, não tem existido o estímulo para o desenvolvimento do senso moral, e os Espíritos que vêm habitá-la acabam manifestando exteriormente aquilo que ainda os carac­teriza como criaturas de condição inferior: o apego às coisas materiais, o egoísmo e o orgulho.
Podemos encontrar seres cruéis em todas as socie­dades e em todos os tempos da nossa História, porque Deus permite que Espíritos de ordem inferior venham viver entre homens adiantados. O objetivo é que o contato com os homens de bem os levem a também se adiantarem, Mas, em numerosos casos, parece que acaba predominando a natureza primitiva, e o indi­víduo, ao invés de avançar, extravasa seus impulsos de maldade e investe contra seus semelhantes, perpe­trando crimes hediondos. Isso acontece também dentro dos lares, pois os vínculos consanguíneos não conse­guem fazer nascer nas almas o sentimento de respeito e amor ao próximo mais próximo, que é aquele que divide conosco os espaços de uma casa. Precisamos trabalhar muito, pelo progresso das coletividades humanas, para que esses homens, em quem o instinto do mal domina tenham os estímulos e o freio de que necessitam, para se educarem convenientemente e, então, suas manifes­tações desaparecerão gradualmente.
É projeto divino que, vivendo em família, os homens aprendam a amarem-se como irmãos Entre os animais, os pais e os filhos deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais precisam de cuidados, porque os animais vivem vida material e não vida moral. A ternura da mãe pelos filhos tem por princípio o instinto de conservação dos seres que ela deu à luz. Logo que esses seres podem cuidar de si mesmos, está ela com a sua tarefa concluída; nada mais lhe exige a Natureza. Por isso é que os abandona, a fim de se ocupar com os recém-vindos. O destino do homem é outro. Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. É no contato com seus semelhantes, que o indivíduo revela-se tal qual se construiu, ao longo das vidas que já experimentou. O grande desafio é fazer desabrochar o senso moral, entendendo que todos somos filhos do mesmo Pai de amor e bondade. É em família que esse aprendizado se concretiza, por isso afirmaram os Espíritos que o relaxamento dos laços de família resultaria em mais manifestações de egoísmo.
Aprender um pouco mais sobre as origens do conflito e como lidar com ele no âmbito da família é impor­tante neste momento. Precisamos nos conscientizar de que as pessoas, apesar de terem nascido numa mesma cultura e, às vezes, até do mesmo pai e da mesma mãe, diferem na maneira de perceber, pensar, sentir e agir, porque são Espíritos que têm sua trajetória própria, sua individualidade. As diferenças individuais são inevitá­veis, mas essas diferenças não são em si mesmas, boas ou más, e deveríamos considerá-las valiosas, porque propiciam maior riqueza à interação humana. Das diferenças, nascem às discussões, as tensões e insatis­fações e os conflitos interpessoais.
A partir de ideias e percepções diferentes, as pessoas se desentendem. Os conflitos são, pois, inevitáveis na experiência dos seres encarnados em mundos de provas e expiações, mas não são patológicos, nem destrutivos. Há muitos aspectos positivos no conflito. Podemos dizer que um conflito previne a estagnação e estimula o interesse, pois, quando ele se apresenta, instiga a nossa curiosidade em olhar para o outro, a fim de entender suas manifestações. Queremos saber por que o outro pensa e sente de forma diferente. O conflito é positivo também, porque descortina os problemas e, assim, possibilita encontrar soluções. Tendemos a acreditar que a felicidade seria a ausência de conflitos, por isso tentamos lidar com eles de maneira inadequada e não aproveitamos as oportunidades de aprendizagem que nos oferece. Não há fórmula mágica para se lidar com o conflito. É preciso compreender sua dinâmica, analisar a situação, porque cada caso é um caso.
O Espiritismo, Consolador prometido por Jesus, está no mundo para nos fazer reviver a religião cristã na sua pureza primitiva. Vem das fontes de ordem divina e se baseia nas próprias leis da Natureza, objetivando auxiliar-nos a desenvolver o potencial positivo que trazemos, para que nos tornemos cidadãos melhores e possamos criar leis mais compatíveis com a justiça. O objetivo do Espiritismo é fazer com que o coração e o amor caminhem unidos à Ciência e isso representa uma revolução. Não revolução no sentido que entendem os homens, que sempre pensam na violência como recurso para garantir o equilíbrio nas relações sociais, mas uma revolução moral, determinando a cada um de nós uma missão, um trabalho em prol da realidade nova que deve ser construída na Terra. A edificação da paz se fará pela melhoria moral de cada um. Precisamos tornar-nos agentes da paz, pelo esforço continuado no bem. Como convoca Fénelon: “Começou a nova cruzada. Apóstolos da paz universal, que não de uma guerra, modernos São Bernardos, olhai e marchai para frente; a lei dos mundos é a do progresso”

1 - O Livro dos Espíritos – questões 752 a 756
2 - O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap.I, 10.

terça-feira, 10 de maio de 2011

DEPRESSÃO


A depressão, também identificada anteriormente como melancolia, é conhecida na Humanidade desde recuados tempos, por estar associada ao comportamento psicológico do ser humano. A Bíblia, especialmente no Livro de Jó, dentre outros, nos apresenta vários exemplos desse distúrbio que ora aflige incontável número de criaturas terrestres. Podemos identificá-la na Grécia antiga, considerada como sendo uma punição infligida pelos deuses aos seres humanos em consequência dos seus atos incorretos. Encontramo-la, desse modo, também presente no século IV A.C., graças a diversas referências feitas por Hipócrates. Mais tarde, no século II A.C., Galeno estudou esse transtorno como sendo resultado do desequilíbrio dos quatro humores: sangue, bílis amarela, bílis negra e fleuma, que seriam responsáveis pelo bem-estar e pela saúde ou não dos indivíduos. Aristóteles assevera que Sócrates e Platão, como muitos outros filósofos, artistas, combatentes gregos, foram portadores de melancolia, que acreditava estar vinculada às capacidades intelectuais e culturais do seu portador. A Igreja romana, a partir do século IV, também passou a considerá-la e defini-la, ligando-a à tristeza, sendo tida como um pecado decorrente da falta de valor moral do homem para enfrentar as vicissitudes do processo existencial. Posteriormente esteve associada à acídia, passando a ser definida com mais severidade como sendo um pecado cardinal, em razão de tornar os religiosos preguiçosos e amedrontados ante as tarefas que deveriam desempenhar. As lendas a seu respeito fizeram-se muito variadas e as discordâncias complexas, vinculando-a, não raro, à bílis negra, responsável pelo ato impensado de Adão ao comer a maçã no paraíso...
‘A história da medicina também relata que, já no século X, um médico árabe, estudando a melancolia, confirmou que a mesma resultava da referida e tradicional bílis negra. Com o Renascimento, porém, esse transtorno passou a ser tido como uma forma de insanidade mental, surgindo nessa época diferentes propostas terapêuticas de resultado duvidoso.
“À medida que se processava o progresso cultural, a melancolia passou a expressar os estados depressivos e, a partir de 1580, tornou-se popular na literatura com características melhor definidas. Foi a partir do século XVII, que a tese de Galeno começou a ser superada e lentamente substituída por definições que abrangiam a natureza química e mecânica do cérebro, responsável pelo distúrbio perturbador. Não obstante a descoberta da circulação do sangue pelo eminente Harvey, que facultou a apresentação de novos conceitos explicativos para a depressão, esclarecendo que se podia tratar de uma deficiência circulatória, permaneceram ainda aceitos os conceitos ancestrais de Galeno, e, por efeito, a terapia se apresentava centrada nos métodos da aplicação de sangrias, purgantes, vomitórios com o objetivo de limpar o como, eliminando os humores negros nefastos. No século XIX, ainda por um largo período foi associada à hipocondria, responsável pela ansiedade mórbida referente ao estado de saúde e às funções físicas... Logo depois, passou à condição de uma perturbação mental, de um estado emocional deprimido.
“A melancolia alcançou homens e mulheres notáveis que não conseguiram superá-la, e padeceram por largos períodos a sua afugente presença, e em alguns casos, conduzindo-os a perturbações profundas e até mesmo a suicídios hediondos. Inúmeros poetas, escritores, artistas, religiosos, cientistas famosos não passaram sem sofrer-lhe a incidência cruel, dando margem a que alguns desavisados pensassem que se tratava da exteriorização da genialidade de cada um...”
Houve uma pausa oportuna, a fim de facultar o entendimento do discurso na sua apresentação histórica para logo prosseguir:
- A depressão é hoje classificada como sendo uma perturbação do humor, uma perturbação afetiva, um estado de mal-estar que se pode prolongar por tempo indeterminado. Foi o admirável Emil Kraepelin, o nobre psiquiatra alemão, quem apresentou melhores análises sobre a depressão no século passado, classificando-a como de natureza unipolar, quando é menos grave, mais simples e rápida, e bipolar, quando responsável pelas associações maníacas.
Aprofundadas pesquisas ofereceram novas classificações nos anos sucessivos, incluindo as melancolias de involução, que se manifestam em forma de medo, de culpa e de vários distúrbios do pensamento. O eminente psicanalista Sigmund Freud sugeriu o luto como sendo responsável pela depressão, resultado de perda, de um ser amado ou de outra natureza. A perda, para o nobre mestre austríaco, produz dilacerações psicológicas muito graves, gerando distúrbios comportamentais que se prolongam por tempo indeterminado. Concomitantemente, outros pesquisadores estabeleceram que a depressão poderia ser endógena, quando originada em disfunções orgânicas, portanto, de natureza biológica, e reativa, como consequência de fatores psicossociais, socioeconômicos, sócio morais, em razão das suas nefastas consequências emocionais. Outros observadores, no entanto, detiveram-se em analisar a depressão sob dois outros aspectos: a de natureza neurótica e a de natureza psicótica. A primeira é mais simples, com melhores possibilidades terapêuticas, enquanto que a segunda, por se caracterizar pelas alucinações e ilusões perturbadoras, exige procedimentos mais cuidadosos e prolongados.
“A depressão, seja como for considerada, é sempre um distúrbio muito angustiante pelos danos que proporciona ao paciente: dores físicas, taquicardias, problemas gástricos, inapetência, cefalalgia, sentimento de inutilidade, vazio existencial, desespero, isolamento, ausência total de esperança, pensamentos negativos, ansiedade, tendência ao suicídio... O enfermo tem a sensação de que todas as suas energias se encontram em desfalecimento e as forças morais se diluem ante a sua injunção dolorosa.
“A perturbação depressiva ainda pode apresentar-se como grave e menos grave, crônica ou distímica, cuja fronteira é muito difícil de ser estabelecida.
Somente através dos sintomas é que se pode defini-las, tendo-se em vista as perturbações que produz nos pacientes. Nesse sentido, a somatização, decorrente de estigmas e constrangimentos que lhe facultam a instalação, pode dar lugar ao que Freud denominou perturbação de conversão, graças à qual um conflito emocional se converte em cegueira, mudez, paralisia ou equivalentes, enquanto outros psicoterapeutas, discordando da tese, acreditam que esses fenômenos resultem de perturbações físicas não identificadas...
“Por outro lado, a fadiga tem sido analisada como responsável por vários estados depressivos, especialmente a de natureza crônica, que se apresenta acima do nível tolerável de gravidade. Não obstante, a depressão também se manifesta em crianças e jovens, estruturada em fatores endógenos e outros de natureza sociológica, decorrentes do relacionamento entre pais e filhos, do convívio familiar e comunitário conflitivo.
“A mania, por outro lado, é mais severa em razão das alterações manifestadas no humor, que se fazem mui amiúde em proporções gravemente elevadas. Em determinado paciente pode expressar-se como um estado de excessivo bom humor, de exaltação da emotividade, em contraste com os acontecimentos vivenciados no momento, logo regredindo com rapidez para a depressão, as lágrimas, envolvendo sentimentos contraditórios, que passam dos risos excitados aos prantos pungentes. No momento de exacerbação o enfermo delira, acreditando-se messias, gênio da política, da arte, com demasiada valorização das próprias possibilidades. Vezes outras, experimenta estados de temor, por acreditar que existe conspiração contra sua vida e seus desejos, seus valores especiais. Apresenta-se em determinado momento palrador, mudando de conduta com muita freqüência, ou então deixa-se ao abandono, sem higiene, aparecendo, noutras vezes, de maneira extravagante e vulgar. Nessa fase, torna-se sexualmente excitado, exótico, irresponsável, negando-se a aceitar a enfermidade e mesmo a submeter-se ao tratamento adequado.
“A incidência do distúrbio depressivo apresenta-se quantitativamente maior no sexo feminino. Nesse caso, podemos aduzir ao quadro geral, as manifestações da depressão pré e post-partum, que se originam em disfunções hormonais, conduzindo as pacientes a estados de grave perda do equilíbrio emocional e mental.”
O expositor calou-se por um pouco, enquanto o público atento, acompanhava-lhe o raciocínio rico de ensinamentos oportunos. De imediato, deu curso à conferência:
— As influências básicas para a síndrome depressiva são muitas, e podem ser encontradas nas crenças religiosas, nos comportamentos sociais, políticos, artísticos, culturais e nas mudanças sazonais. Por outro lado, a hereditariedade é fator decisivo na ocorrência inquietante, tanto quanto diversos outros de natureza ambiental e social, como guerras, fome, abandono, sequelas de enfermidades dilaceradoras... Pode-se, portanto, informar que é também multifatorial. Do ponto de vista psicanalítico, conforme eminentes estudiosos quais Freud, Abraham e outros, a depressão oculta uma agressão contra a pessoa ou o objeto oculto. Numa análise biológica, podemos considerar como fatores responsáveis pelo desencadear do distúrbio depressivo, as alterações do quimismo cerebral, no que diz respeito aos neurotransmissores como a serotonina e a noradrenalina. Em uma análise mais cuidadosa, além dos agentes que produzem stress, incluímos entre os geradores da depressão, os hormônios esteroides, estrênios e androgênios, relacionados com o sexo, que desempenham papel fundamental no humor e no comportamento mental.
“É claro que não estamos relacionando todas as causas que predispõem ou que dão origem à depressão, antes desejamos referir-nos mui superficialmente a somente algumas daquelas que desencadeiam esse processo alienante. Nosso objetivo essencial neste momento é identificar o fator de natureza preponderante para depois concluirmos pelo de natureza predisponente. E esse, essencial, importante, é o próprio Espírito reencarnado, por nele se encontrarem ínsitas as condições indispensáveis para a instalação do distúrbio a que faz jus, em razão do seu comportamento no transcurso das experiências carnais sucessivas.
“O Espírito é sempre o semeador espontâneo, que volve pelo mesmo caminho, a fim de proceder à colheita das atividades desenvolvidas através do tempo. Não bastassem as suas próprias realizações negativas para propiciar o conflito depressivo e as suas ramificações decorrentes, que geraram animosidades, mágoas e revoltas em outros seres que conviveram ao seu lado e foram lesados nos sentimentos, transformando-se em outro tipo de razão fundamental para a ocorrência nefasta.
“Ao reencarnar-se o Espírito, o seu períspirito imprime no futuro programa genético do ser os requisitos depurativos que lhe são indispensáveis ao crescimento interior e à reparação dos gravames praticados. Os genes registram o desconserto vibratório produzido pelas ações incorretas no futuro reencarnante, passando a constituir-se um campo no qual se apresentarão os distúrbios do futuro quimismo cerebral. Quando se apresentam as circunstâncias predisponentes, manifesta-se o quadro já existente nas intrincadas conexões neuroniais, produzindo por fenômenos de vibração eletroquímica o transtorno, que necessitará de cuidadosa terapia específica e moral. Não apenas se fará imprescindível o acompanhamento do terapeuta especializado, mas também a psicoterapia da renovação moral e espiritual através da mudança de comportamento e da compreensão dos deveres que devem ser aceitos e praticados.
“Nesse processo, no qual o indivíduo é responsável direto pelo distúrbio psicológico, face aos erros cometidos, às perdas e ao luto que lhe permanecem no inconsciente e agora ressumam, o distúrbio faz-se inevitável, exceto se, adotando nova conduta, adquire recursos positivos que eliminam o componente cármico que lhe dorme interiormente. Não são da Lei Divina a punição, o castigo, a vingança, mas são impostas a necessidade da reparação do erro, da renovação do equivocado, da reconstituição daquilo que foi danificado... O Espirito reflete o amor de Deus nele insculpido, razão pela qual está fadado à perfeição relativa, que alcançará mediante o esforço empreendido na busca da meta que lhe está reservada. São, portanto, valiosas, as modernas contribuições das ciências da psique, auxiliando os alienados e depressivos a reencontrar a paz, a alegria interior, a fim de prosseguirem no desiderato da evolução.”
Novamente o lúcido orador fez uma pausa oportuna, logo dando prosseguimento:
— Nesse capítulo, não podemos olvidar aqueles outros Espíritos que foram vitimados pelo infrator, que agora retorna ao palco terrestre a fim de crescer interiormente. Quando permanecem em situação penosa, sem olvido do mal que padeceram, amargurados e fixados nas dores terrificantes que experimentaram, ou se demoram em regiões pungitivas, nas quais vivenciam sofrimentos incomuns, face à pertinácia nos objetivos perversos do desforço pessoal, são atraídos psiquicamente aos antigos verdugos, com eles mantendo intercurso vibratório danoso, que a esses últimos conduz a transtornos obsessivos infelizes, O cérebro do hospedeiro bombardeado pelas ondas mentais sucessivas do hóspede em desalinho, recebe as partículas mentais que podem ser consideradas como verdadeiros elétrons com alto poder desorganizador das conexões neuroniais, afetando-lhe os neurotransmissores como a serotonina, a noradrenalina, a dopamina e outros mais, aos quais se encontra associado o equilíbrio emocional e o do pensamento.
“Instalado o plugue na tomada perispiritual, o intercâmbio doentio prosseguirá atingindo o paciente até o momento quando seja atendido por psicoterapia especial, qual seja a bioenergética, por intermédio dos passes, da água fluidificada, da oração, das vibrações favoráveis à sua restauração, à alteração da conduta mental e comportamental, que contribuirão para anular os efeitos morbosos da incidência alienadora. Simultaneamente, a desobsessão, mediante cujo contributo o perseguidor desperta para as próprias responsabilidades, modifica a visão espiritual, ajudando-o a resolver-se pela mudança de atitude perante aquele que lhe foi adversário, entregando-o, e a si mesmo também se oferecendo, aos desígnios insondáveis do Pai Criador.
“Nunca será demasiado repetir que, na raiz de todo processo de desequilíbrio mental e emocional, nas psicopatologias variadas, as causas dos distúrbios são os valores morais negativos do enfermo em processo de reeducação, como decorrência das ações pretéritas ou atuais praticadas. Não existindo efeito sem causa, é compreensível que toda ocorrência infeliz de hoje resulte de atividade agressiva e destrutiva anterior.
“Não poucas vezes, também se pode identificar na gênese da depressão o fator responsável pelo funcionamento sexual deficiente, receoso, frustrante, que induz o paciente ao desinteresse pela vida, à fuga da realidade...
“Desse modo, a depressão, mesmo quando decorra de uma psicogênese bem delineada, seja pela hereditariedade ou pelos fatores psicossociais e outros, sua causa profunda se encontra sempre no Espírito endividado que renasce para liberar-se da injunção penosa a que se entregou.
“Assim sendo, aproxima-se o dia, no qual, a ciência acadêmica se dará conta da realidade do ser que transcende a matéria, e cujas experiências multifárias através dos renascimentos corporais responde pelo binômio saúde doença.
“Nós próprio, quando nos labores terrestres, muito nos aproximamos da fronteira da imortalidade, não a havendo transposto em razão dos preconceitos acadêmicos, embora não nos houvessem sido regateados os recursos que evidenciavam a indestrutibilidade do ser através da morte e isso demonstravam de forma irretocável. Como ninguém pode deter o progresso, que se multiplica por si mesmo, o amanhã constitui a esperança dos que tombaram nos processos perturbadores e degenerativos, quando encontrarão a indispensável contribuição dos cientistas e religiosos que, de mãos dadas, estarão trabalhando em favor da sua recuperação mental e orgânica.”
Fez, propositadamente, uma nova pausa, que a todos nos comoveu pelo que disse de imediato:
— Não há como negar-se: Jesus-Cristo é o Psicoterapeuta excepcional da Humanidade, o único que pôde penetrar psiquicamente no âmago do ser, auxiliando-o na reestruturação da personalidade, da individualidade, facultando-lhe uma perfeita identificação entre o ego e o self, harmonizando-o para que não mais incida em compromissos degenerativos. Por isso mesmo, todos aqueles que lhe buscaram o conforto moral, a assistência para a saúde combalida ou comprometida, física ou mental, defrontaram a realidade da vida, alterando a forma existencial do comportamento que lhes seria de inapreciado valor nas futuras experiências carnais.
“A Ele, o afável Médico das almas e dos corpos, a nossa sincera gratidão e o nosso apelo para que nos inspire na equação dos dramas que afligem a humanidade, tornando a Terra um lar melhor para se crescer moral e espiritualmente, onde os sofrimentos decorrentes das enfermidades de vária gênese cedam lugar ao equilíbrio e à produção da vera fraternidade assim como da saúde integral.”
Pairava no ambiente uma dulçurosa vibração de paz e de alegria. Todos apresentavam o semblante irradiante de júbilo. O lúcido orador mantinha-se sereno e suavemente iluminado, banhado por peregrina claridade que jorrava dos Altos Cimos...
Eurípedes levantou-se, abraçou-o, conduziu-o à mesa diretora da solenidade e, visivelmente feliz, proferiu inesquecível oração gratulatória, dando como encerrada a conferência.
A noite havia chegado e se encontrava banhada por argênteo luar e pelos pingentes estelares que cintilavam muito ao longe.
Os mais interessados acercaram-se do palco, a fim de conhecer mais de perto o convidado eloquente e com ele dialogarem brevemente. Nós, Alberto, Dr. Ignácio e eu, fomos daqueles que se lhe acercaram, a fim de fruir mais proximamente a sua vibração penetrante e saudável, congratulando-nos com a exposição oportuna e esclarecedora.

Do livro “Tormentos da Obsessão” ditada pelo espírito Manoel Philomeno de Miranda.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

OS BONS ESPÍRITAS

A o analisarmos o item 4, do capítulo XVII, de O Evangelho segundo o Espiritismo, com o mesmo título do presente artigo, verificamos a grandeza da lição oferecida por Allan Kardec, definindo, com perceptibilidade,  as características do autêntico espírita, que se torna legítimo cristão, coerente com os ensinos evangélico-doutrinários que adquire.
O texto, de notável luminosidade, leva-nos a refletir sobre a importância de promover mudança de rumo em nossa existência, prontos para atender ao chama mento da mensagem libertadora, como oportunidade única de alcançarmos objetivos retificadores. Ao conquistarmos as efetivas condições espirituais para evolução de nós mesmos, somos atingidos no coração e reconhecidos como verdadeiros espíritas pela nossa transformação moral e pelos esforços que empregamos para domar nossas inclinações infelizes.
Desventuradamente, no entanto, nem sempre estamos dispostos a seguir certas lições que o Espiritismo nos proporciona; somos es píritas que, sem entender a essência dos ensinamentos doutrinários, acreditamos poder continuar na ilusão de júbilos engano sos e nos excessos das satisfações pessoais buscadas com ambição desmedida. Ao comentar o problema, em  O Livro dos Médiuns, o Codificador, com propriedade e sabedoria, qualifica de espíritas imperfeitos:
Os que no Espiritismo veem mais do que fatos; compreendem lhe a parte filosófica; ad miram a moral daí decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é a influência que lhes exerce nos caracteres. Em nada alteram seus hábitos e não se privariam de um só gozo que fosse. O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de si, o invejoso e os ciosos sempre hostis. Considera a caridade cristã apenas uma bela máxima. [...]
Kardec chegou a essa conclusão após minuciosos estudos do perfil dos inúmeros adeptos que se ligaram à Doutrina, evidenciando que, essencialmente, “os que não se contentam com admirar a moral espírita, que a praticam e lhe aceitam todas as consequências” e que “[...] tratam de aproveitar os seus breves instantes para avançar pela senda do progresso”, são os espíritas cristãos, aqueles que real mente compreende a necessidade de cumprir com disciplina e nobreza os princípios da Consoladora Revelação.
Para efeito das reflexões que o tema possa suscitar, é importante encaminhar essas ideias para o trabalho que executamos na seara espírita, onde é preciso cultivar certa  austeridade evangélica sem olvidar a humildade ativa. Nas ideias expostas pelo escritor espírita Indalício Mendes (1901 1988), encontram-se significativas contribuições sobre a questão, ao analisar os antagonismos existentes entre irmãos de um mesmo credo:
O Espiritismo é e tem de ser cultivado pela humildade laboriosa. Sem humildade não há espírito evangélico nem há soli dez doutrinária. Devemos insistir em que a Doutrina de Kardec seja a pedra de toque da formação moral de todos aqueles que ingressam no Espiritismo e nele permanecem. Não podemos ter a veleidade de aspirar posições de relevo, muito menos de adquirir supremacia nisto ou naquilo. Nosso dever, perante Jesus e perante o Espiritismo, é ser humildes de coração, absoluta mente fiéis às determinações doutrinárias e ao Evangelho segundo o Espiritismo.
É indispensável pesar as consequências dos nossos atos e adquirir postura realmente cristã. Enganam-se aqueles que acham que as realizações espíritas existem para disputar lugar nos labirintos do poder religioso. Cumpre-nos, antes, trabalhar no bem e exemplificar, cuidando para que tenhamos a capacidade de cultivar genuínos sentimentos de amor e solidariedade para com os companheiros de jornada. A sabedoria consiste em nos aproximarmos cada vez mais uns dos outros, efetuando, em nossas instituições, ações conjuntas que favoreçam a missão do Consolador Prometido em prol da evangelização da coletividade terrestre.
A valiosa mensagem dada pelo benemerente Espírito Bezerra de Menezes enfatiza o extraordinário papel do Espiritismo no mundo e exalta a disposição de Kardec, que “[...] experimentou [...] as incompreensões, fora e dentro dos arraiais do Movimento Espírita [mas], teve a coragem de não desaminar; teve o valor moral de não arremeter contra; soube expor a Doutrina com elevação, mas viveu a cristãmente, santamente, dando nos o legado incorruptível que devemos preservar, para passar à posteridade”. Exemplos históricos e da atualidade mostram os grandes erros cometidos em no me do Cristianismo, pois, “infelizmente, as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação”. Sabedor das dificuldades encontradas junto aos admiradores espíritas de sua época, o insigne Kardec, ao elaborar o capítulo I de A Gênese, que tem como título “Caráter da Revelação Espírita”, res salta, em nota ao item:
Diante de declarações tão nítidas e tão categóricas, quais as que se contêm neste capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações; temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos, para que nenhuma dúvida persista a tal respeito. Elas, ao demais, assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero trabalhador.
Essa advertência nos alerta para as inclinações que surgem do passado longínquo, tornando-nos, vez ou outra, personalistas e ávidos por posições transitórias de destaque, nas instituições espíritas em que atuamos. Por que pretensões individuais se o campo edificante a semear desdobra-se para todos? O educador espiritual Emmanuel afirma que:
O discípulo não pode ignorar que a permanência na Terra de corre da necessidade de trabalho proveitoso e não do uso de vantagens efêmeras que, em muitos casos, lhe anulariam a capacidade de servir. [...]
Onde permanece a atração do interesse pessoal, não é possível o cultivo dos sentimentos de justiça, amor e caridade, expressos nas leis morais. A orientação dada pelos Espíritos reveladores contém preciosos esclarecimentos sobre como devemos aproveitar os ensinos espíritas para que se transformem em abençoadas regras de viver:
Toda virtude tem o seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. Há virtude sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensa mento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade. 10
Outro ponto a destacar é que o espírita, ciente de sua responsabilidade, se preocupa com a disciplina, com o tempo e passa a ter mais ampla noção do dever, que lhe exige a realização de ações irrepreensivelmente executadas. O Espírito Emmanuel aviva-nos para um problema a enfrentar: aquele que assim age, em exatos momentos, [...] supõe-se com mais vasta provisão de direitos. E, por vezes, leva mais longe que o necessário a faculdade de preservá-los e defende-los, iniciando as primeiras formações de irascibilidade, através da superestimação do próprio valor. Insta lado o sentimento de auto importância, a criatura abraça facilmente melindres e mágoas, diante de lutas naturais que considera por incompreensões e ofensas alheias. 11
 Essa característica comporta mental procura solidificar e de clareara sua individualidade, prejudicando, sensivelmente, aqueles que assim agem, colocando-os em posição crítica perante os demais companheiros, que passam a julgá-los intolerantes e excessivamente autoritários. A aceitação de pensamentos opostos aos nossos nos leva ao consenso. Essa preocupação, inspirada pela bondade, sabe rá olhar com equilíbrio para o proceder alheio.
Entretanto, “se a nossa consciência jaz tranquila [...] no aproveitamento das oportunidades que o Senhor nos concedeu, estejamos serenos na dificuldade e operosos na prática do bem, à frente de quaisquer circunstâncias”, 11 esforçando-nos para sermos bons espíritas.


 Reformador Maio 2011


Referências
 1 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 25. ed. (bolso). 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 17, it. 4.
 2 ______. ______. p. 295.
 3 ______.  O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 80. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 1, cap. 3, it. 28, subit. 2.
 4 ______. ______. subit. 3.
 5 MENDES, Indalício. Rumos doutrinários. 3. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. Conduta espírita, it. Intelectualismo pernicioso, p. 47.
 6 SOUZA, Juvanir Borges de (Coordenador). Bezerra de Menezes: ontem e hoje. 41. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 3. cap. 34, p. 232. 
7 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 52. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 1, it. 8.
 8 ______. ______. It. 55, nota de Kardec, n. 11.
 9 XAVIER, Francisco C. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 103, p. 222.
 10 KARDEC, Allan.  O livro dos espíritos. rad. Guillon Ribeiro. 91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 893.
 11 XAVIER, Francisco C. Estude e viva. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 14, it. Em torno da irritação, p. 88-89

domingo, 1 de maio de 2011

O LUGAR SECRETO

Nos Salmos do Antigo Testamento e nos Evangelhos há referências expressas ao “lugar secreto”, sede de nossa consciência, o nosso ser íntimo.
Nele originam-se os pensamentos, as resoluções interiores, mesmo quando derivadas de sugestões de outros seres. O Espírito nele reina soberano, no exercício de seu livre-arbítrio.
“A consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos.”
“Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.” (“O Livro dos Espíritos”, Questões 835 e 843.)
Nenhuma causa assenta-se de fora para dentro. O interior é que produz o exterior.
Acontece freqüentemente, no curso da vida, a sujeição de nossos pensamentos a hábitos adquiridos, estereotipando idéias que se tornam fixas, invariáveis, mas sempre com nossa concordância. Se os hábitos-pensamentos ajustam-se à Lei Divina, tanto melhor para o ser. Mas se violam a Lei, responderemos pelas conseqüências.
Isto justifica a necessidade de vigilância permanente, de esclarecimento constante do Espírito, para que a prática da vida, desdobrando-se nas ações mais variadas, resulte de pensamentos retos.
Se bem atentarmos nos ensinamentos de Jesus, que para muitos parecem extremamente complexos e fora da realidade da vida, se nos aplicarmos às verdades trazidas pelo Consolador aos tempos modernos, rememorando aqueles ensinos, depararemos com uma certeza muito clara e evidente: a mensagem do Cristo, revivida na Doutrina dos Espíritos, é de natureza transcendente, porque provém do Alto, mas é de índole prática por excelência, porque indica a cada indivíduo o “caminho e a verdade” para que seu procedimento o conduza à própria felicidade, à “salvação”, ao progresso contínuo, tal o seu destino.
Ë óbvio reconhecer, pois, a extrema importância da orientação que dada um imprime ao seu íntimo. Pensar retamente, de conformidade com a Lei, resultará em que, agora ou depois, tudo estará bem no mundo exterior.
O papel das religiões e filosofias pode ser resumido, em todos os tempos, em ajudar e esclarecer o homem, para que pense corretamente, aproximando-o das realidades e da verdade. Não sendo elas detentoras da verdade absoluta, representam parcelas de conhecimento que estão em consonância com o patamar evolutivo das raças e povos.
A vinda do Cristo, o Guia e Governador espiritual do nosso mundo, complementa e retifica as religiões e filosofias, suprindo suas carências e desvios, como torna patente a Terceira Revelação.
Entretanto, podemos observar que a Humanidade, na sua maior parcela, tem invertido os termos da realidade. Desde os tempos primitivos da vida do homem neste Planeta, prevalece a ilusão de que os atos exteriores, de fácil observação pelo fascínio que exercem sobre os sentidos físicos, podem ocupar o lugar do pensamento e do sentimento.
Por isso, na política e nas regras das sociedades humanas tem prevalecido a idéia de que as leis e instituições da Terra resolvem todos os problemas do homem, mesmo que permaneça ele mau, ignorante e despreparado.
Sucedem-se então as tentativas de criarem-se instituições perfeitas e leis justas para atenderem às mais diferentes necessidades humanas. Acontece que as desilusões também se sucedem, eis que não podem surgir instituições e leis justas e perfeitas criadas e sustentadas por mentes desajustadas da Lei maior, nem cumpridas boas normas por indivíduos despreparados.
Toda a gama de regimes políticos e sistemas sociais, desde os reinados e principados absolutos até os sistemas atuais de democracias representativas e socialistas, passando por todas as experiências escravocratas, feudais, ditatoriais e quantas que se conhecem, incidem no mesmo erro, o da ilusão de que as ações exteriores podem substituir o pensamento correto. Entretanto, o pensamento reto só pode ser gerado pelas mentes reeducadas no bem.
No domínio das religiões ocorre fato semelhante, com o predomínio do culto exterior nas massas dos seguidores, com prejuízo do culto interior, além dos desvios de princípios essenciais, pelas falsas interpretações e pela imposição de dogmas impróprios. É o que se observa nas grandes religiões tradicionais e nas seitas atuais que proliferam por toda parte.
As instituições humanas só se aproximarão da perfeição quando resultarem, na sua criação e no seu funcionamento, de consciências retas e de sentimentos puros. Por isso será necessário, antes, forjarem-se os caracteres morais. Todo um programa de reeducação integral está à espera do interesse dos homens.
Enquanto predominar nas massas o egoísmo coletivo, como somatório do egoísmo individual, enquanto for lugar comum a inveja, a ganância e a corrupção em detrimento do amor e da justiça concebidos interiormente, para que se manifestem na compreensão exterior, enquanto prevalecer a indiferença entre os indivíduos, sufocando a solidariedade, estaremos diante de sinais inequívocos de que os homens continuam iludidos pelas exterioridades, sem atentarem para a necessidade de estancar em seu nascedouro, no íntimo dos seres, as causas dos males evidentes.
Todas as mazelas humanas que se manifestam sob as múltiplas formas do egoísmo e do orgulho só serão detidas quando substituídos esses sentimentos negativos pelas formas positivas do amor e da justiça interiores. E uma questão de educação do Espírito para que atente no seu próprio destino: o progresso intelectual e moral.
No campo social, a felicidade coletiva é a soma do esforço individual no bem. O melhor para todos depende da reeducação dos pensamentos e dos sentimentos de cada um.
Nossa função não é a de criar o bem, já que ele existe de toda a eternidade. Nosso papel é o de aceitá-lo interiormente e de exercitá-lo em pensamentos e ações. A mensagem do Cristo e o ensino dos Espíritos Superiores preconizam exatamente nossa harmonização com o determinismo do bem.
Felizes os que aprendem as retas veredas da alma, assenhoreiam-se de seus pensamentos e os ajustam aos ensinamentos do Mestre Divino, no seu sentido espiritual transcendente.
A busca do bem e da verdade assemelha-se ao trabalho de garimpagem. Para encontrá-los em meio à ganga torna-se imprescindível não só o esforço inteligente, mas também a simplicidade de coração, para só assimilar o correto e o justo perante a Lei Divina.
A paz interior baseia-se na estabilidade do coração, quando há firmeza na busca do bem.
Ouvimos muitas vezes de companheiros espíritas que o conhecimento da Doutrina e o esforço na prática de seus princípios morais foi fator decisivo na modificação de suas vidas. Nada mais lógico e natural.
Quando conhecemos a verdade e aceitamos determinados princípios que conduzem à realidade de nosso ser, a experiência acrescida nos leva à criação de novas condições interiores, com reflexos em todo o ambiente que nos é próprio.
Pensamentos retos produzem modificações na maneira incorreta de agir. Se passamos a preocupar-nos com os postulados da consoladora Doutrina Espírita, esforçando-nos em ceder algo em favor dos outros, somos despertados pelo amor fraterno, sentindo a necessidade do próximo, a angústia do vizinho, o sofrimento das pessoas. Atraímos condições especiais em nosso meio, adotamos nova tábua de valores, entre os quais os bens materiais já não ocupam os primeiros lugares.
Esforçamo-nos, enfim, pelo nascimento interior de um reino que nos pertence e que podemos governar com a consciência permanentemente em busca da paz.
É natural que não somente nós percebamos as transformações íntimas, mas também os que nos rodeiam. Os familiares e amigos, parentes e companheiros de jornada percebem a mudança, embora quase sempre atribuindo-a às circunstâncias externas.
O homem permanecerá escravo do erro e da ignorância, sofrendo-lhes as conseqüências enquanto não se libertar pelo conhecimento de si mesmo e das leis da vida.
Para a libertação da Humanidade, Jesus, seu Guia e Salvador, afirmou:  “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”
Sua pregação revelou grande parte da Verdade, mostrando-nos Deus na figura de Pai e Criador e ensinando aos homens como viver e como morrer. Em nova etapa do conhecimento da Verdade, os Espíritos do Senhor desvendaram os segredos da morte, na vida que se desdobra infindável, sob outras formas e dimensões.
O “lugar secreto” é o reino interno da nossa mentalidade. Todos os nossos pensamentos são aí criados. Os pensamentos induzidos por outrem são perfilhados ou rejeitados. Somente o próprio Espírito tem o domínio de sua consciência. O livre-arbítrio é um dos dons com que o Criador dotou o Espírito imortal.
Criado ou adotado certo pensamento, produz ele conseqüências inevitáveis. Assim, se não desejamos determinados efeitos, o meio normal de evitá-los é abstermo-nos da geratriz, que se encontra dentro de nós.
Por aí podemos perceber a extensão e a importância da vigilância interior, coadjuvada pela oração, a forma de evitar e repelir os pensamentos indesejáveis.
Igualmente podemos entender melhor o sentido do pecado por pensamentos que muitos rejeitam por entenderem que não tem existência real. O erro está em considerar irreal o que é imaterial.
Não se podem separar emoções e sentimentos dos pensamentos correspondentes.
O amor, a bondade, a alegria sã, a doçura, a piedade e todos os sentimentos elevados induzem pensamentos positivos que com eles se confundem. Produzem o otimismo, a confiança, a certeza, a fé. Já quando alimentamos sentimentos de ódio, raiva, rancor, inveja, despeito, nossos pensamentos geram mal-estar em nós e nos outros, produzindo danos à saúde do corpo e do Espírito.
A força do pensamento, bem dirigida, permite ao Espírito a aproximação com o Criador.
É lei da vida que, pela forma como pensamos, falamos, agimos e escolhemos nossas companhias espirituais.
Qualquer que seja a conduta adotada, invariavelmente ela voltará para nós, cedo ou tarde.
O bem ou o mal que desejamos e que dedicamos aos outros, recebê-los-emos de volta, aqui ou alhures.
Fonte: Reformador – junho, 1989.