segunda-feira, 26 de junho de 2017

DOR – A GRANDE EDUCADORA


(Balada aos que sofrem)



Chama-se Dor.



Revela-se na desventura do amante, na desolação da orfandade, na angústia da miséria, no alquebramento da saúde, no esquife do ser querido que se foi deixando atrás de si a lágrima e o luto, no opróbrio da desonra, na humilhação do cárcere, no aviltamento dos prostíbulos, na tragédia dos cadafalsos, na insatisfação dos ideais, na tortura das impossibilidades, no acervo das desilusões contra que se contunde e se decepciona o coração da Humanidade.

Não obstante, a Dor é a grande amiga a zelar pela espécie humana, junto dela exercendo missão elevada e santa.

Estendendo sobre a criatura as suas asas, húmidas sempre do orvalho regenerador das lágrimas, a Dor corrige, educa, aperfeiçoa, exalta, redime e glorifica o sentimento humano a cada vibração que lhe extrai através do sofrimento.

O diamante escravizado em sua ganga sofre inimagináveis dilacerações sob o buril do lapidário até poder ostentar toda a real pureza do grande valor que encerra. Assim também será a nossa alma, que precisará provar o amargor das desventuras para se recobrir dos esplendores das virtudes imortais cujos germens o Sempiterno lhe decalcou no ser desde os longínquos dias do seu princípio!

A alma humana é o diamante raro que a Natureza - Deus - criou para, por si mesmo, aperfeiçoar-se no desdobrar dos milênios, até atingir a plenitude do inimaginável valor que representa, como imagem e semelhança d' Aquele mesmo Foco que a concebeu. Mas o diamante - Homem - acha-se envolvido nas brutezas das paixões inferiores. É um diamante bruto! Chega o dia, porém, em que os germens da Imortalidade, nele decalcados, se revolucionam nos refolhos da sua consciência, nele palpitando, então, as ânsias por aquela perfeição que o aguarda, num destino glorificador: - Foi criado para as belezas do Espírito e vê-se bruto e inferior! Destinado a fulgir nos mostruários de esferas redimidas, reconhece-se imperfeito e tardo nas sombras da matéria! Sonha com a sublimação das alegrias em pátrias divinais, onde suas ânsias pelo Ideal serão plenamente saciadas, mas se confessa verme, porquanto não aprendeu ainda sequer a dominar os instintos primitivos!

Então o diamante - Homem - inicia, por sua vontade própria, a trajetória indispensável ao aperfeiçoamento dos valores que consigo traz em estado ignorado, e entra a sacudir de si a crosta das paixões que o entravam e entenebrecem.

E essa marcha para o Melhor, essa trajetória para o Alto denomina-se Evolução! A luta, então, apresenta-se rude! É dolorosa, e lenta, e fatigante, e terrível! Dele requer todas as reservas de energias morais, físicas e mentais. Dilacera-lhe o coração, tortura lhe a alma, e o martirológio quase sempre segue com ele, rondando-lhe os passos!

Mas seu destino é imortal e ele prossegue!

E prosseguindo vence! ...

Então, já não é o bruto de antanho ...

O diamante tornou-se joia preciosa e refulge agora, pleno de méritos e satisfações eternas, nos grandes mostruários da Espiritualidade - esferas de luz que bordam o Infinito do Eterno Artista, que é Deus!

A Dor, pois, é para o Espírito humano o que o Sol é para as trevas da noite tempestuosa: - Ressurreição! - Porque, se este aclara os horizontes da Terra levantando com seu brilho majestoso o esplendor da Natureza, aquela desenvolve em nosso ego os magnificentes dons que nele jaziam ignorados: - fecunda a inteligência, dela fazendo brotar a razão, depurando o sentimento sob as lições da experiência, educando o caráter, dignificando, elevando, num progredir constante, - todo o ser daquele em quem se faz vibrar, tal como o Sol, que vivifica e benfaz as regiões em que se mostra.

A Dor é o Sol da Alma...

A criatura que ainda não sofreu convenientemente, carrega em si como que a aridez que desola os polos glaciais, e, como estes, é inacessível às elevadas manifestações do Bem, isto é, às qualidades redentoras que a Dor produz.

Nada possuirá para oferecer aos que se lhe aproximarem pelos caminhos da existência senão a indiferença que em seu ser se alastra, pois, que é na desventura que se aprende a comungar com o Bem e não pode saber senti-lo quem não teve ainda as fibras da alma tangidas pela inspiração da Dor!

O orgulho e o egoísmo, cancerosas chagas que corrompem as belas tendências do Espírito para os surtos evolutivos que o levarão a redimir-se; as vaidades perturbadoras do senso, as ambições desmedidas, funestas, que não raro arrastam o homem a irremediáveis, precipitosas situações; as torpes paixões que tudo arrebatam e tudo ferem e tudo esmagam na sua voragem avassaladora, são parasitas que infestam a alma humana inferiorizando-a ao nível da brutalidade, e os quais a Dor, ferindo, cerceia para implantar depois os fachos imortais de virtudes tais como a humildade, a fé, o desinteresse, a tolerância, a paciência, a prudência, a discrição, o senso do dever e da justiça, os dons do amor e da fraternidade e até os impulsos da abnegação e do sacrifício pelo bem alheio, remanescentes daquelas mesmas sublimes virtudes que de um homem - Jesus Nazareno - fizeram o mensageiro do Eterno!

Ela, a Dor, é o maior agente do Sempiterno na obra gigantesca da regeneração humana! É a retorta de onde o Sentimento sairá purificado dos vírus maléficos que o infelicitam! Quanto maior o seu jugo, mais benefícios concederá ao nosso ego, tal como o diamante, que mais cintila, alindado, quanto maiores forem os números dos golpes que lhe talharem as facetas! É a incorruptível amiga e protetora da espécie humana: - zelando pela sua elevação espiritual, inspirando nobres e fraternas virtudes! Ela é quem, no Além-túmulo, nos leva a meditar, através da experiência, produzindo em nosso ser a ciência de nós mesmos, o critério indispensável para as conquistas do futuro, de que hauriremos reabilitação para a consciência conturbada. É quem, a par do Amor, impele as criaturas à comiseração pelos demais sofredores, e a comiseração é o sentimento que arrasta à Beneficência. E é ainda ela mesma quem nos enternece o coração fazendo-nos avaliar, pelo nosso, o infortúnio alheio; predispondo-nos aos rasgos de proteção e bondade; e proteger os infelizes é amar o próximo, enquanto que amar o próximo é amar a Deus, pautando-se pela suprema lei recomendada no Decálogo e exemplificada pelo Divino Mestre!

Por isso mesmo, o coração que sofre não é desgraçado, mas sim venturoso, porque renasce para as auroras da Perfeição, marcha para o destino glorioso, para a comunhão com o Criador Onipotente! Prisioneiro do atraso, o homem somente se desespera sob os embates da Dor, porque não a pode compreender ainda. Ela, porém, é magnânima e não maléfica. Não é desventura, é necessidade. Não é desgraça, é progresso. Não é castigo, é lição. Não é aniquilamento, é experiência. Nem é martírio, mas prelúdio de redenção! Notai que depois do sacrifício na Cruz do Calvário foi que Jesus se aureolou da glória que converterá os séculos!

“- Quando eu for suspenso atrairei todos a mim. ” Ele próprio o confirmou, falando a seus discípulos.

Sob o seu ferrete é que nos voltamos para aquele misericordioso Pai que é o nosso último e seguro refúgio, a nossa consolação suprema!

As ilusões passageiras da Terra, os prazeres e as alegrias levianas que infestam o mundo, aviltando o sentimento de cada um, nunca fizeram de seus idólatras almas aclaradas pelas chamas do amor de Deus. É que, para levantar na aridez das nossas almas a pira redentora da Fé, só há um elemento capaz, e esse elemento é a Dor! Ela e só ela é bastante poderosa para reconciliar os homens - filhos pródigos - com o seu Criador e Pai!

Seu socorro é, portanto, indispensável para nos aperfeiçoar o caráter e inestimável é o seu valor educativo. Serena, vigilante, nobre, heroica, ela é o infalível corretivo às ignomínias do coração humano!

Nada há mais belo e respeitável do que uma alma que se conservou serena e comedida em face do Infortúnio. Palpita nessa alma a epopeia de todas as vitórias! Responde por um atestado de redenção! Seu triunfo, conquanto ignorado pelo mundo, repercutiu nas regiões felizes do Invisível, onde o comemoram os santos, os mártires de todos os tempos, os gênios da sabedoria e do bem, as almas redimidas e amigas, que ali habitam, as quais, como todos os homens que viveram e vivem sobre a Terra, também conheceram as correções da Dor, pois ela é lei que aciona a Humanidade nos caminhos para o Melhor e para a Perfeição!

Ó almas que sofreis! Enxugai o vosso pranto, calai o vosso desespero! Amai antes a vossa Dor e dela fazei o trono da vossa Imortalidade, pois que, ao findar dessa trajetória de lágrimas a que as existências vos obrigam, é a glorificação eterna que recebereis por prêmio!

Salve, ó Dor bendita, nobre e fiel educadora do coração humano!

E glória ao Espiritismo, que nos veio demonstrar a redenção das almas através da Dor!



Léon Denis

Por Yvonne A. Pereira



Reformador (FEB) Abril 1959

O SUPREMO BEM




                                                                                         

"Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo semelhante a este; Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas." – Mateus 22:37 a 40.





O amor de Deus é a força misteriosa da vida: cria, conserva, e transforma a vida no Universo. Tudo quanto vive é animado pelo amor divino. Sem ele nada existiria; nenhum Ser viveria. Ele é a energia que engendra, organiza e governa tudo quanto existe, visível ou invisível, mutável ou perpétuo. É o poder universal e eterno que em tudo e todos se manifestam numa variedade infinita de formas.



As leis de coesão, atração, gravitação, repulsão, reprodução, são manifestações materiais do amor divino que tudo governa de toda a eternidade e por toda a eternidade.



A sede desse amor se manifesta inconscientemente nos seres inferiores e conscientemente nos mais adiantados.



Como todas as formas de vida física da Terra recebem e refletem do Sol a luz e o calor vivificante; assim também todos os seres do Universo recebem e refletem o amor divino, que é a vida mesma em toda a sua gloriosa manifestação. A luz e o calor do Sol que se projetam sobre a Terra são os mesmos, mas a recepção e a reflexão podem ser em parte impedidas por obstáculos materiais. Igualmente o amor divino é o mesmo para todos os seres, mas encontra obstáculos morais e intelectuais, em grau maior ou menor, que o forçam a refletir-se de modos diferentes nos seres vivos, sedentos de individualização ilusória e de monopólio da vida.



Somente os seres muito avançados em perfeição recebem e refletem em toda a plenitude o amor de Deus, e amam com todas as veras de sua alma o Criador e a todas as suas criaturas, sem distinguir entre bons ou maus, isto é, entre felizes e infelizes, adiantados e atrasados na escala do progresso. Essa capacidade de receber e distribuir em toda a plenitude o amor divino, é a suma felicidade, a bem-aventurança indizível na pobre linguagem humana, incompreensível para nós, retrógrados terrícolas, calcetas do pecado e da ignorância.



Só podemos por enquanto gozar as formas muito menos elevadas do amor, formas quase materiais, como o amor materno, o amor conjugal, ainda muito próximos da animalidade; porém, mesmo estas formas elementares já nos permitem imaginar a suprema ventura dos seres que já podem cumprir literalmente o primeiro mandamento; porque amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo, significa viver a vida superior na plenitude do amor divino, haver-se identificado com Deus e realizado o Cristo em seu próprio ser, possuir em si a Eternidade e o Infinito; ter o pleno gozo da força, da bondade, da compreensão, da vida completa e indestrutível; gozar toda a luz que irradia de Deus; estar integrado em tudo que vive; ser uno com O Criador e com todas as Suas criaturas.



Tristes calcetas do pecado, ligados à roda dos renascimentos expiatórios em mundos inferiores: ousando julgar, pelas aparências enganosas do curto momento de uma encarnação, as criaturas de Deus; esquecidos do passado e apavorados diante do porvir; preocupados com o que havemos de comer e com o que havemos de vestir; famintos e sedentos de aprovação e simpatia; tentando egoisticamente monopolizar em nosso favor as coisas que nos parecem boas, em detrimento dos nossos companheiros de peregrinação; divididos pelo medo em grupos que se hostilizam; confundindo o cárcere do corpo com ai vida. Contudo isso, somos os beneficiários do amor divino que nos não abandona um momento e nos faz caminhar para a plenitude da vida, para a plenitude do amor, para a Bem-aventurança dos eleitos do Pai; somos as ovelhas do rebanho confiado a Jesus, e nunca seremos abandonados, porque ele é o bom pastor que disse: Dou a minha vida pelas ovelhas (*), e nos levará um dia ao supremo bem.



Ismael Gomes Braga

Reformador (FEB) Junho 1954



(*) João 10:15