sábado, 31 de dezembro de 2011

PERÍSPIRITO E VESTES BRANCAS

Estudar o períspirito e conhecer suas propriedades e funções é uma das mais gratificantes atividades a que pode se dedicar o estudante espírita.
Sob o título “O períspirito descrito em 1805”, Allan Kardec publicou na Revista Espírita de janeiro de 1865 um relato do doutor Woetzel, que causou grande sensação no princípio daquele século.
Durante uma doença de sua mulher, o doutor Woetzel lhe pedira que, em caso de morte, lhe aparecesse em Espírito. Algumas semanas após o decesso, um vento pareceu soprar no quarto, embora estivesse fechado, e, “a despeito da fraca claridade que reinava, Woetzel viu a forma de sua mulher, a dizer-lhe em voz doce:
‘Charles, sou imortal; um dia nos reveremos’.
A mulher mostrou-se de vestido branco, com o mesmo aspecto que tinha antes de morrer”.
Numa segunda obra, o autor desenvolve sua teoria, segundo a qual a alma, depois da morte, seria envolvida por um corpo etéreo, luminoso, por meio do qual poderia tornar-se visível, e mesmo usar outras vestimentas por cima desse envoltório.
Comentando a passagem acima, Kardec observa que o conhecimento do corpo espiritual remonta a mais alta Antiguidade, e que só o nome períspirito é moderno. São Paulo o descreveu em sua primeira epístola aos Coríntios, capítulo 15.
Em outra edição da Revista Espírita, o Espírito Lamennais opina que faltam às palavras cor e forma para exprimir o períspirito e sua verdadeira natureza. Quanto aos Espíritos inferiores, acrescenta que os fluidos terrestres são inerentes a eles, são matéria; daí os sofrimentos da fome, do frio, que podem atormentá-los, sofrimentos que não atingem os Espíritos superiores, considerando-se que, no caso destes, os fluidos terrestres são depurados em torno de seu pensamento ou alma.
O períspirito é assim o corpo espiritual que sobrevive à morte do vaso físico e serve ao Espírito, entre outras funções, para se relacionar com os demais Espíritos e se manifestar, quando permitido por Deus, aos encarnados, através de sua visibilidade. É composto de fluidos, os quais são luminosos nos Espíritos superiores e opacos ou materializados nos inferiores.
Em outras obras da Codificação se estabelece que tanto o períspirito quanto o corpo físico têm origem no mesmo elemento primitivo (o fluido universal); que “ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes”. E que é com o auxílio dos fluidos que o períspirito toma a aparência de vestuários semelhantes aos que o Espírito usava quando encarnado.
André Luiz irá alertar-nos para as enfermidades da alma que se refletem na plasticidade do corpo espiritual, gerando o adoecimento do homem físico quando da somatização dessas mazelas ainda não debeladas. Dirá que o remorso desarticula as energias do corpo espiritual, criando disposições mórbidas para as enfermidades, refletidas na cromática da aura – essa túnica de forças eletromagnéticas –, e agravadas, às vezes, pelo assédio dos seres a quem ferimos (obsessão).
E que, mesmo quando perdoamos ou somos “perdoados pelas vítimas de nossa insânia, detemos conosco os resíduos mentais da culpa, qual depósito de lodo no fundo de calma piscina, e que, um dia, virão à tona de nossa existência, para a necessária expunção, à medida que se nos acentue o devotamento à higiene moral”.
Em suma: nem o perdão puro e simples é solução ideal para a extinção de nossos débitos. São necessário que sejam cumpridas as três etapas da liberação total do ser onerado perante a Lei Divina e em face da própria consciência: o arrependimento, a expiação e a reparação do mal infligido a outrem, como se vê em O Céu e o Inferno, de Allan Kardec, no Código penal da vida futura (16o).
Em Mateus, capítulo 22, Jesus narra que o reino de Deus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Entrando, porém, o rei na festa das bodas, notou haver ali um homem que não trazia veste nupcial. Ordenou, então, que fosse atado de pés e mãos e lançado nas trevas, onde há choro e ranger de dentes.
Veste nupcial: esta é a chave para permanecer no banquete!
Por veste nupcial devemos entender veste ou vestidura branca, expressões citadas em outras passagens do Evangelho, principalmente do Apocalipse.
“O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas”, diz o Cristo (Ap., 3:5), após haver revelado, no verso anterior, que há, “em Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram as suas vestiduras, e andarão de branco junto comigo, pois são dignas”.
As vestiduras, pois, são passíveis de manchar-se, mas a condição para portá-las sem qualquer mácula, resplandecentes e puras, e desfrutar o direito de conviver com o Divino Mestre, é ser um Vencedor... De suas próprias imperfeições.
No capítulo 7, versículos 9 a 15, do citado livro, visualizamos uma imensa multidão vestida de branco, proveniente de todas as nações, cantando um cântico de glória diante do trono de Deus. Um dos anciãos ali presentes tomou a palavra, perguntando:
Estes, que se vestem de vestiduras brancas, quem são e donde vieram? Responde-lhe João Evangelista:
– Meu Senhor, tu o sabes.
Ele, então, acrescenta: São estes os que vieram da grande tribulação, lavaram suas vestiduras, e as alvejaram no sangue do Cordeiro, razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário.
Entendendo-se por sangue do Cordeiro a sua Doutrina de amor e luz, o contexto revela que a vivência diuturna dos ensinos do Cristo é o detergente divino que tem o condão de purificar o homem de todas as suas mazelas, presentes e passadas, tornando alvisplendente o seu planejamento espiritual, de acordo com aquele princípio: o bem que se faz anula o mal que se fez.
Esta verdade se encontra confirmada de forma irrespondível nesta passagem:
Foi dado à esposa do Cordeiro vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos. (Ap., 19:7-8.)
Por esposa do Cordeiro simboliza-se a Cristandade no seu sentido mais universalista, indene de todos os divisionismos restricionistas humanos.
E santo é todo o que pratica esses atos de solidariedade, nascidos do coração, e em perfeita harmonia com as Leis de Deus, de que se encontram replenos os Evangelhos.
Dito isto, só resta aproximar os dois polos – períspirito e vestes brancas –, como o fez Emmanuel, e teremos aí um dos mais belos símbolos do Apocalipse perfeitamente esclarecido pela Nova Revelação:
O períspirito, quanto à forma somática, obedece a leis de gravidade, no plano a que se afina [escreve Emmanuel].
Nossos impulsos, emoções, paixões e virtudes nele se expressam fielmente. Por isso mesmo, durante séculos e séculos nos demoraremos nas esferas da luta carnal ou nas regiões que lhes são fronteiriças, purificando a nossa indumentária e embelezando-a, a fim de preparar, segundo o ensinamento de Jesus, a nossa veste nupcial para o banquete do serviço divino.
Quando o livro sagrado fala, portanto, em vestiduras brancas ou linho finíssimo, está se referindo ao corpo espiritual ou psicossoma completamente purificado, ou seja, transformado em veste nupcial, talar, apto a permitir a entrada, para sempre, na festa das bodas do Cordeiro a que se refere o Evangelho.
Reformador Janeiro 2009

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SÁBIA PROVIDÊNCIA


“Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial”. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, Item 11

A natureza nos leva ao esquecimento do passado exatamente para aprendermos a descobrir em nosso mundo interior as razões profundas de nossos procedimentos, através da análise dos pendores e impulsos, interesses e atrações que formam o conjunto de nossas reações denominadas tendências.
A natureza nos presenteia com o mecanismo natural do esquecimento para que tenhamos a mínima chance e condição de elaborarmos essa autorreflexão, descobrirmos as motivações que sustentam nossos vícios milenares e conseguirmos a formação de reflexos afetivos novos.
Com a presença das recordações claras sobre os acontecimentos pretéritos, a mente estacionaria na vergonha e no remorso, no rancor e na maga, sem um campo propício para o recomeço, estabelecendo torvelinhos de desequilíbrio como os dramas que são narrados pelas vias psicográficas da literatura espírita.
Agenor Pereira, devotado seareiro espírita, encontrava-se desalentando com seus progressos na melhoria espiritual. Ansiava por ser alguém mais nobre e não cultivar sentimentos ruins ou permitir-se impulsos que lhe oneravam consciencialmente. Fazia comparações com outros confrades e sentia-se o pior de toda a face às vitórias ou ao estado de alegria que demonstravam frente à vida.
Pensava ser o mais hipócrita dos espíritas. Angustiava-se com a ideia de ter tanto conhecimento e fazer tão pouco.
Desanimado consigo mesmo após um momento de crise, pediu ajuda aos bondosos guias espirituais. Ao anoitecer, fizera uma prece de desabafo apresentando ao Pai o seu cansaço com a reforma interior. Ao sair do corpo físico, foi levado por seu “amigo familiar” a uma caverna escura e fétida na qual se arrastavam diversos sofredores no lamaçal psíquico do vício. Agenor teve um súbito desfalecimento e foi então, por sua vez, conduzido ao Hospital Esperança. Após recuperar-se, foi-lhe dado à oportunidade de consultar uma resumida ficha que dava notas sobre suas vivências reencarnatórias, o que passou a ler nos seguintes termos:
“Agenor Pereira, agora reencarnado, peregrinou nas últimas seis existências por lamentáveis falências no terreno do sexo e de infidelidade afetiva. Somando-se o tempo, entre encarnações e desencarnações, esse período já conta seiscentos anos de viciações, desvarios e desenlaces prematuros. Foi retirado da caverna das viciações e amparado por equipes socorristas no Hospital Esperança. Sua tendência prejudicou mulheres honradas, corrompeu autoridades para aprisionar maridos traídos, deixou crianças abandonadas em razão da destruição de suas famílias. Sua insanidade provocou ódio e repulsa crimes e infelicidade. Face aos elos que os unem nos tempos, Eurípedes Barsanulfo avalizou-lhe o regresso ao corpo físico com a condição de ser a última existência com certas concessões para o crescimento em clima provacional educativo.
Sua grande meta existencial nessa última chance será vencer suas tendências aventureiras e imaturas. Conhecerá a Doutrina Espírita, receberá uma companheira confidente e terá as regalias de um lar em paz. Sua única e essencial vitória será o controle de suas impulsões maléficas, a fim de que seja, em posteriores existências, recambiado ao proscênio dos crimes cometidos na reedificação das almas que prejudicou”.
Na medida em que Agenor lia a ficha, imagens vivas lhe saltavam do campo mental como se estivesse assistindo a cenas daquilo que fez. Terminada a leitura, um imenso sentimento de paz invadiu lhe a alma e pode perceber com clareza que seu anseio de reforma, inspirado em “modelos de perfeição espírita”, na verdade, estava lhe prejudicando o esforço. Estava desejando a santificação, eis seu erro. Regressaria ao corpo mais feliz consigo e, embora não fosse desistir de ser alguém melhor, retiraria contra si mesmo o hábito enfermiço das cobranças injustificáveis e ferrenhas que lhe conduziam ao desânimo e desolação. Pararia com as comparações recheadas de baixa autoestima e buscaria operar uma reavaliação totalmente sua, singular, única. Antes de retornar, consultou seus instrutores sobre os motivos pelos quais havia sido levado àquela caverna fétida. Foi então esclarecido:
“Agenor, você foi retirado daquele lugar antes do retorno ao corpo depois de mais de quarenta anos de dor. Ali se encontra também a maioria das pessoas a quem prejudicou presas pelo ódio e más recordações do passado. Certamente, eles dariam tudo para terem um cérebro a fim de esquecerem o que lhes sucedeu por um minuto que seja”.
Diante disso, Agenor ruborizou-se e regressou imediatamente ao corpo.
Pensava no quanto a misericórdia o havia beneficiado logo a ele que se fazia o pivô de um processo de atrocidades!
Ao despertar na vida corporal trazia na alma um novo alento. Não guardava lembranças precisas, mas sabia-se muito amparado. Valorizava agora seu esforço e desejava abandonar de vez os estereótipos, fazendo o melhor de si. Amava com mais louvor o lar. Guardava na alma a impressão de que uma “missão” o aguardava para o futuro e concentraria esforço em manter-se íntegro nos seus ideais. Suas sensações e sentimentos são sintetizados na fala sábia do codificador: “Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal.”. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. (01)
Que a historieta de nosso Agenor sirva de estímulo a todos nós em transformação. Se não conseguimos ainda eliminar certos ímpetos inferiores, mas evitamos as atitudes que deles poderiam nascer, guardemos na alma a certeza de que estamos no caminho do crescimento arando o terreno para uma farta semeadura no futuro. Esperar colher sem plantar é ilusão. Não nos libertaremos dos grilhões do pretérito somente apenas na base de contenção e disciplina, contudo, esse pode ser um primeiro e muito precioso passo para muitos corações.
Muitos aprendizes inspirados nas proposituras espíritas equivocam-se ostensivamente. Querem perfeição a baixo custo e entregam-se a “reforma de metade”. Insatisfeitos com os parcos resultados de seus esforços, atiram-se a auto avaliações impiedosas e descabidas. Terminam em desistência, através de fugas, bem elaboradas pelas sombras dinâmicas e dotadas de “inteligência” que residem em sua subconsciência.
Sábia providência, o esquecimento do passado. “... outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas”. Com a consciência temos o rumo correto para aplicarmos o esforço educativo, com as tendências instintivas, temos as boias sinalizadoras para que saibamos nos conduzir dentro desse rumo. Em uma temos o futuro, em outra temos o passado cooperando para não desviarmos novamente do que nos espera.
Uma pálida noção do que fez Agenor em outras vidas, nessa situação especifica, lhe fez muito bem. No entanto, imaginemos se ele, ao regressar ao corpo, trouxesse a recordação de que sua mãe teria sido uma dessas mulheres traídas, como se sentiria? Que seus filhos fossem algumas daquelas crianças abandonadas pelas famílias por ele destruídas, como reagiria? Ou então que viesse, a saber, que aqueles maridos traídos estavam agora ao seu lado, dividindo as tarefas doutrinárias em fortes crises de ciúme e ressentimento?
Se lembrássemos das vivências que esculpiram no campo mental as tendências atuais, ficaríamos certamente na costumeira atitude defensiva, responsabilizando pessoas e situações pelas decisões e comportamentos que adotamos. Com isso, fugiríamos mais uma vez de averiguar com coragem nossa parcela de compromissos, nos insucessos de cada passo, e de recriar nossas reações perante os condicionamentos. Não sabendo a origem exata das nossas tendências, ficamos entregues a nós mesmos sem poder culpar a ninguém, nem a nada. Temos em nós o resultado de nossas obras, eis a lei.
Quando atribuímos ao passado algo que não conhecemos ou conseguimos compreender sobre nossas reações e escolhas, estamos nos furtando da investigação nem sempre agradável que deveríamos proceder para encontrar as razoes de tais sentimentos na vida presente. O que sentimos hoje tenha raízes no pretérito distante ou não, é do hoje e deve ser tratado como algo que guarda uma matriz na vida presente, que precisa de reeducação e disciplina. Assim nos pronunciamos porque muitos conhecedores da reencarnação, a pretexto de distanciarem-se da responsabilidade pessoal, emprestam a teoria das vidas passadas uma explicação para certos impulsos da vida presente, desejosos de criar um álibi para desonerá-los das consequências de seus atos hodiernos. É o medo de terem que olhar e assumir para si mesmo que, venha do passado ou não, ainda sentem o que não gostariam de sentir e querem o que gostariam de não querer. Além disso, com essa postura, deixamos a nós mesmos uma mensagem subliminar do tipo: “nada podemos fazer pela identificação desse impulso”, gerando acomodação e a possibilidade de novamente falhar.
Toda vivência interior ocorre porque o nosso momento de conhecê-lo é agora, do contrário não a experimentaríamos. Para isso não se torna necessário uma regressão às vidas anteriores na busca de recordações claras. Se pensarmos bem, vivemos imersos em constante “regressão natural” controlada pela Sábia Providência. Via de regra, estamos aprisionados ainda ao palco das lutas que criamos ou fruindo os benefícios das escassas qualidades que desenvolvemos.
Viver o momento é viver a realidade. Por necessidades de controlar tudo, caminhamos para frente ou para traz em lamentável falta de confiança na vida e em seus “Sábios Regimentos”.
A pensadora Louise L. Hay diz que o passado é passado e não pode ser modificado. Todavia, podemos alterar nossos pensamentos em relação ao passado. (02)
Essa a finalidade do esquecimento: alterar o que sentimos e pensamos, sob a imensa coação dos instintos e tendências que ainda nos inclinam a retroceder e parar no “tempo evolutivo”.

ERMANCE DUFAUX
Livro: Reforma Íntima sem Martírio

12 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, item 11.
13 VOCE PODE CURAR A SUA VIDA, Louise L. Hay – Pág. 24 (4ª edição), Editora Best Seller

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

POR QUE NOS MELINDRAMOS?


“Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.” Um Espírito Protetor (Bordéus. 1863) O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. IX, Item 9.

Por que nos ofendemos?
Por que temos tanta suscetibilidade em relação a tudo que nos cerca?
Quais as razões de encolerizarmos perante fatos desagradáveis?
Eis três perguntas para as quais devemos dirigir nossa meditação, caso queiramos entender o que se passa conosco nos desafios do progresso espiritual.
Iniciemos nossas ponderações conceituando a palavra ofensa. Existe a ofensa por razões naturais, provenientes do instinto de defesa e preservação. Através dessas agressões, recebemos da mente os sinais de alerta para avaliarmos com melhor exatidão e conveniência e o grau de perigo ou importância do que nos cerca.
É natural nos ofendermos com “palavrões” que causam “dores aos ouvidos sensíveis”, é natural nos ofendermos ao ver dois seres humanos se agredirem, é mais que justo que nos ofendamos e tenhamos raiva ao sermos assaltados em uma rua, seria muito natural nos ofendermos quando formos injustamente julgados pelas pessoas que nos conhecem. A ofensa tem sua faceta benéfica, porque não devemos aceitar tudo que acontece à nossa volta passivamente, sem uma reação que nos faça sentir lesados ou ameaçados. O objetivo desse sentimento será sempre o de nos colocar a pensar na elaboração de uma conduta ajustada à natureza das agressões que sofremos.
Contudo, larga diferença vai entre a ofensa natural e o melindre, que é a reação neurótica às ofensas. Melindre é o estado afetivo doente de fragilidade, que dilata a proporção e natureza das agressões que sofremos do meio. Pequenas atitudes ou delicadas situações são motivos suficientes para que o portador do melindre se agaste terrivelmente, fechando-se em corrosivo sistema de mágoa e decepção com os fatos e as pessoas que lhe foram motivo de incômodos e contrariedade. Assim, aumenta a intensidade do fato e desgasta-se afetivamente através de imaginações febris sobre a natureza das ocorrências que lhe afetaram.
Sabemos que a mágoa é o peso energético nascido das ofensas transportadas conosco dia após dia como fosse um “colesterol da alma”, causando-nos males no corpo e no Espírito. Sabemos também que a irritação é como se fosse dura martelada no sistema nervoso, levando-nos ao interesse e perda energética.
Então por que agasalhar semelhantes malefícios quando temos tanto esclarecimento?
Compreendamos algo sobre os mecanismos da ofensa e da cólera para avaliarmos sobre as razões que nos inclinam para essa atitude de desamor, e, fazendo assim, procuremos, igualmente, através do melhor entendimento oferecer a nós próprios o corretivo, para os problemas de melindre e contrariedades do dia a dia.
Primeiramente deixemos claro que na raiz do melindre e da ofensa está o orgulho. Vejamos o que nos diz o codificador a esse respeito: “Julgando-se com direitos superiores, melindre-se com o que quer que, a seu ver, constitua ofensa a seus direitos. A importância que, por orgulho, atribui à sua pessoa, naturalmente o torna egoísta”. (01)
O que está por trás da grande maioria das ofensas humanas são as contrariedades, ou seja, tudo aquilo que não acontece como se gostaria que acontecesse. Contrariar para a maioria das criaturas significa ser contra aquilo que se espera ser nocivo aos planos pessoais, ser prejudicial, ser desvantajoso. Nessa ótica, tudo aquilo que não ofereça alguma vantagem na nossa forma de conceber os benefícios da vida é algo inoportuno, indevido, que não deveria ter ocorrido, gerando reações no mundo íntimo, cujos reflexos poderão ser percebidos de criação de sentimentos de pessimismo, infelicidade, desapontamento, animosidade, tristeza e rancor.
Excetuando alguns casos de educação mal orientada na infância, esse “vício de não ser contrariado” foi adquirido pelo Espírito em suas diversas vilegiaturas reencarnatórias, nas quais teve todos os interesses pessoais atendidos a qualquer preço. É o velho hábito da satisfação plena dos desejos da personalidade que, dispondo de poder e recursos, não hesitou em colher sempre para si mesmo os frutos dos bens divinos que lhe foram confiados nas transatas experiências. Hoje, renasce em condições que limitam suas tendências de saciação egoísta, instaurando um delicadíssimo sistema de “revolta silenciosa” quando não consegue o atendimento de seus interesses, experimentando uma baixa tolerância a frustrações. Essa “revolta” é o movimento interior de repúdio da alma aos novos quadros da vida a que é lançada, nos quais é compelido, pela força das circunstancias, a aprender a obediência aos ditames da Lei Natural, nem sempre afinados com seus gostos e aspirações individuais. Esse é o preço justo que pagamos pelo costume de ser atendido em tudo que queríamos no pretérito, quando deveríamos ter aproveitado as ocasiões de fartura e liberdade para sermos atendidos naquilo que fosse o melhor para todos.
Assim, a alma passa hoje por uma série de pequenas ou grandes situações na vida, se ofendendo e irritando com quase todas, desde que contrarie seus interesses individualistas. Um singelo ato de esquecer um documento ou ainda o simples ato de não ser correspondido num pedido a um familiar, ou mesmo, não ter sido escolhido para assumir a presidência da tarefa espírita, todos são motivos para a irritação, o desgaste e a animosidade, podendo chegar às raias da ofensa, da mágoa e do desequilíbrio. O estado íntimo nesse passo reproduz a nítida sensação de que tudo e todos estão contra sua pessoa, e fatos corriqueiros podem se tornar grandes problemas, enquanto os grandes problemas podem se tornar tragédias lamentáveis...
Os prejuízos desse hábito não cessam com as contrariedades, porque não se consegue improvisar defesas para um condicionamento tão envelhecido de hora para outra. Uma faceta das mais comuns desse “estado de suscetibilidade” aos fatos da vida pode ser verificada na “neurose de controle”, a qual pode ser entendida como a atitude de tentar levar a vida de forma a não permitir nenhuma contrariedade, nenhuma decepção. Essa “neurose” pode ser considerada como uma maneira de se defender do “vício de não ser contrariado”.
Mas não para por aqui essa sequência de expiações na vida íntima. O esforço em controlar tudo para que as coisas aconteçam “a gosto” tem como principal metamorfose a preocupação. Preocupação é o resultado de quem quer ter domínio sobre tudo da sua existência. Surge inesperadamente ou por uma razão plausível, mas é, em muitas ocasiões, o resultado oneroso dessa “necessidade de tomar conta de tudo” para não acontecer o pior, o inesperado.
Classifiquemos com maleabilidade nas conceituações três espécies de dramas que vivem os contrariados:

* Contrariado crônico – é aquele que não aceitou o próprio ato de reencarnar, já trazendo impresso na aura o clima de sua insatisfação, que irá refletir em todas as suas realizações. Casos como esse tendem a transtornos de natureza mental.

* “Colecionador de problemas” – é aquele que traz, de outras vivências corporais, o vício da satisfação de interesses pessoais e que busca seu ajuste com os atuais quadros de limitação na reencarnação presente, desenvolvendo a preocupação com problemas reais e irreais em razão de tentar um controle sobre-humano nos fatos naturais de existência.

* O adulto frustrado – é aquela criança que foi mal orientada, que teve quase todos os seus desejos e escolhas atendidas, criando ausência de limites e baixa resistência à frustração. Foi à criatura impedida pelos pais de se frustrar com os problemas próprios das crianças.

Em qualquer uma das situações citadas, o sentimento de ofensa será parte comum na vida dessas criaturas, podendo suscitar pequena ocorrências de decepção rotineira ou ainda dramas dolorosos da psicopatia, conforme as tendências e valores de cada Espírito. A psicopatologia do futuro verá na contrariedade uma grave doença mental e a etiologia de severos transtornos da alma.
O que importa a todos nós é o ingente trabalho de renovação no campo dos nossos interesses. Afeiçoar-se com mais devoção a aceitar as vicissitudes da vida, com resignação e paciência, fazendo o melhor que pudermos a cada dia em busca da recuperação pessoal, otimismo, ante os revezes, trabalho perante as perdas, confiança e boa convivência com amigos de ideal, serviço de amor ao próximo, instrução consoladora, fé no futuro e boa dose de humildade são as medicações para ofensas e ofendido na doença do melindre.
Ofendemo-nos é impulso natural em vista dos direcionamentos que criamos nas rotas do egoísmo. Contudo, Deus não criou um sistema de punições para seus filhos e nos concede a todo instante o direito de perdoarmos. E, perdoar, acima de tudo, significa aprender a aceitar sua Vontade Sábia e Justa em favor de nossa paz, na construção de dias mais plenos em sintonia com os grandes interesses do Pai.


ERMANCE DUFAUX
Livro: REFORMA ÍNTIMA SEM MARTÍRIO

(01)OBRAS PÓSTUMAS, Allan Kardec – Primeira Parte: “O egoísmo e o orgulho”.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A PAZ E O MUNDO


Mais um ano novo se desdobra no calendário humano e, como sempre; é recebido como portador de esperanças mais fagueiras, como se trouxesse algum sortilégio capaz de dissipar todas as canseiras e frustrações do ano que findou e de fazer os homens, afinal, prelibarem todas as delícias que os filhos de Deus esperam, um dia, gozar na face da Terra.
Todo novo ano que se aproxima dá motivo a que os profetas do mundo se esparramem em augúrios e previsões do que acontecerá em seu transcurso, sobrelevando nesse quadro os acontecimentos que digam respeito aos caminhos antevistos para a humanidade em seu conjunto. O anseio geral é que a nova etapa proporcione a todas as nações uma quota maior de prosperidade e bem-estar e, sobretudo, de paz e de entendimento.
O homem deseja paz, o mundo deseja paz. Os condutores das nações lançam mão de todos os recursos para alcançarem esse desiderato. Erigem instituições internacionais, para a preservação da paz; realizam congressos e conferências dos mais responsáveis; promovem demarches pessoais, a fim de ver se conseguem harmonizar pontos de vista e interesses contrários, de modo a evitarem o mal maior. Na verdade todos temem a guerra, por sabê-la devastadora e, paradoxalmente, como argumento “ad terrorem”, armam-se as nações cada vez mais, no intuito de estabelecerem um equilíbrio de forças capaz - essa é a desculpa - de intimidar quaisquer temerários que pretendam explorar a confusão reinante em proveito próprio.
A violência, porém, está generalizada no cenário do mundo. Violência em todas as escalas. O cidadão comum se vê ameaçado e indefeso até no recesso do próprio lar; os homens vivem, em qualquer parte, num clima de insegurança total, em que os mais comezinhos valores humanos são pisoteados pelos gestos truculentos; e, com isso tudo, a própria humanidade vive em sobressalto, sonhando com as venturas da vida e sofrendo as duras realidades de um mundo que parece prestes a desabar.
Todas as criaturas, sem exceção, esperam que, ao dealbar de um novo ano, ressoem pela Terra os prenúncios de uma vida mais tranquila, mais promissora, em que, de verdade, todos possam desfrutar a tão suspirada paz.
Os anseios humanos são legítimos; pena, porém, é que os homens teimem em buscar a paz onde ela não se encontra, isto é, na quietude exterior, em uma vida isenta de lutas e de sofrimentos, no gozo ameno e imperturbável das comodidades materiais, em uma vida regalada e descuidada, onde os valores espirituais não entram em conta e não merecem atenção. Com essa visão imediatista, dificilmente poderão se render ante as revelações que lhes chegam, mau grado seu, dos planos da Vida verdadeira, a ensinarem que a estada na face da Terra é apenas um trânsito entre um ontem, que escapa por ora ao nosso conhecimento, e um amanhã, que só conseguimos vislumbrar quando alçamos a vista acima do horizonte hedonístico que nos sufoca, trânsito que está inexoravelmente jungido à lei de causa e efeito.


A não ser que se compreenda essas verdades, o homem será um eterno candidato à desilusão, não crendo na imortalidade e, contraditoriamente, blasfemando contra Deus, porque se vê esbulhado do tesouro que mais cobiça: a paz.
Já é tempo de o homem sofrear seus desvarios, para afinal entender e ouvir a voz daquele que, há perto de dois milênios, lhe diz: Eu vos dou a paz, não como o mundo a dá, mas aquela que vem do coração afeito à caridade e da consciência iluminada que vive na conformidade das leis eternas e divinas.

Editorial   “Reformador” (FEB) Janeiro 1975

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ANO NOVO - NOVO ANO


Ao término de cada ano, damos guarida à idéia de  que o novo ano será melhor, mais luminoso, mais profícuo. Novo Ano teve ontem, temo-lo agora, temê-lo-emos amanhã e depois, depois e sempre.
Novo Ano diz respeito à seqüência natural da vida, ocasião de nos reorganizarmos, raciocinarmos sobre novas e atuais posições, como, por exemplo, melhor aproveitamento do tempo - esse mercado de oportunidades que nos foi concedido para a construção do bem, ótimo ensejo de semearmos o que iremos colher num futuro próximo. A hora que passa é preciosa demais para que lhe percamos a grandeza. Elaboremos, pois, o nosso calendário e aproveitemos os dias, as horas e os minutos para fazermos o máximo que nos for possível na sementeira do bem. O tempo é irreversível, não volta mais. Talvez, por isso mesmo, nos mundos felizes ou nos espaços siderais o tempo seja inexistente e os Espíritos vivam num eterno presente.
O tempo diz respeito a quem está em marcha e percebe que as coisas não são fixas ou permanentes. Eis porque no ser inteligente há ânsia, há busca, há desejo de refazer, recomeçar, repensar, esclarecer dúvidas ou incertezas. Vive-se ao sabor das surpresas do caminho. Somos felizes ou infelizes, até o instante em que percebemos a insatisfação ou por ela somos surpreendidos, ou despertamos para a realidade do que efetivamente somos.
Julgamos então ser nosso o equívoco quanto à felicidade que pensávamos haver alcançado, ou concluímos que não éramos tão infelizes quanto supúnhamos, e, nesse sentido, quanto mais imperfeito é o indivíduo, maior é a soma de suas insatisfações e menos estável é a sua felicidade, que é algo que construímos dentro de nós e que nada tem a ver com os bens materiais que são passageiros. A perfeição que buscamos alcançar pelo exercício diuturno do Evangelho conduz-nos direta e ininterruptamente aos gozos eternos e inconspurcáveis do Espírito. Perder tempo é, pois, obstacular a caminhada no roteiro da Luz.
Ano Novo significa mais um trecho que temos a percorrer em nossa caminhada na Crosta Planetária, uma ótima oportunidade para um balanço total de nossa vida. Isso sugere a idéia de viagem... Quando pensamos viajar, cogitamos logo de preparar a bagagem, pondo tudo em ordem, separando as coisas necessárias para levar. Prevenimos o numerário suficiente para as despesas, enfim, tomamos todas as medidas cabíveis para nos assegurar uma ida e uma volta isentas de embaraços. O Espiritismo, quando penetra em nossa intimidade, convida-nos a realizar duas grandes viagens:
·  a primeira, para dentro de nós mesmos, em busca do autodescobrimento, através do qual conheceremos os equívocos a serem corrigidos e as conquistas salutares a serem ampliadas;
·  a segunda, para fora de nós, em busca do outro, dos carentes e necessitados de nosso amor e compreensão que surgem com campo propício para a semeadura das descobertas anteriores.
Diante do ano que findou e de um que se inicia deve ser o bem, o amor a nossa meta. A transformação moral definitiva começa no desejo íntimo e concretiza-se na ação renovadora. Ninguém espere encontrar na vida um mar de rosas; necessário se faz aprendermos a lidar com as nossas emoções e sentimentos.
O desafio, porém, precisa ser enfrentado, mesmo à custa de lágrimas. A “boa luta”, a que Jesus se referiu, começa na coragem de mergulharmos no imo de nós mesmos, para alcançarmos o nosso propósito: vencer do princípio ao fim, do  primeiro ao último dia do Ano Novo, observando uma conduta reta e a mais elevada possível, pensando tão-somente no Bem que elegeremos para luz de nosso caminho. O que importa, em essência, não é propriamente a passagem de um ano para outro, coisa que sempre se deu e se dará à nossa revelia, e sim as condições da bagagem espiritual com que entramos no Ano Novo: para que ele seja realmente bom como o concebemos, precisamos renovar-nos.
Muita paz e um Ano Novo repleto de realizações. .

REFORMADOR JANEIRO-1999


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

NEUROSES


Os expressivos, alarmantes índices da neurose na Terra funcionam como um veemente apelo ao nosso discernimento, ao exame das causas e suas conseqüências, com maior vigor do que até o momento tem merecido de cada um de nós.
 Relegada aos gabinetes especializados e a homens, tecnicamente armados pelo sacerdócio da Medicina, a neurose vem colhendo, nas malhas da sua rede infeliz, surpreendentemente número de vítimas, ora avassalando o mundo civilizado e ameaçando a estabilidade da razão.
 Sociólogos conjeturam; psicólogos interrogam; teólogos meditam; psiquiatras, psicanalistas tentam penetrar-lhe as causas, e, não obstante a metodologia de que se serve para a segura diagnose e o eficaz tratamento, a onda neurótica, vencendo incautos e avisados cada vez mais se apresenta referta, avassalante e dominadora.
 Isto porque, no problema da neurose em suas raízes profundas, se há que considerar de imediato, o neurótico em si mesmo, não apenas, no aspecto de réprobo, antes como ser vital no concerto da comunidade em que se movimenta.
 Com etiologia complexa e profunda, essa enfermidade apirética vem merecendo cuidadosos estudos e debates, a fim de se localizarem os fatores que produzem as perturbações do sistema nervoso, em se considerando a falta de lesões anatômicas mais graves.
 Não obstante as divergências acadêmicas, Freud classificou-as em: verdadeiras, em que há desequilíbrios fisiológicos ao lado de perturbações meramente psicológicas, apesar de transitórias, e psiconeuroses, que são determinadas pelas “fixações da infância” em regressões inconscientes. No primeiro grupo estão situadas as neuroses de ansiedade, a neurastenia, a hipocondria e as de ascendência traumática... Na segunda classe aparecem as de ordem histérica ansiosa, conversiva, os perturbantes estados obsessivos e convulsivos.
 Em tal complexidade, surgem as neuroses mistas com mais grave quadro de manifestação.
 Influenciando os fenômenos somáticos, expressam-se, não raro, com sintomatologia estranha que desvia a atenção do médico e do paciente, graças à força das síndromes que, para o último, assumem um caráter real, por serem as “dores neuróticas” semelhantes às de as de ordem física. Surgem medos, paralisias, movimentos desconexos, distúrbios múltiplos...
 Alguns estudiosos da questão reportam-se, também, taxativos, aos fatores genéticos predisponentes; outros se apoiam nos impositivos da sociedade, com as suas altas cargas de tensão; alguns advertem sobre o tecnicismo desesperador; fala-se do resultado das poluições de vária ordem, todavia, a quase totalidade se esquece da problemática espiritual do alienado pela neurose.
 O neurótico é, antes, um espírito calceta, em inadiável processo purificador. Reencarnado para ressarcir ou recambiado à reencarnação por necessidade premente de esquecer delitos e logo repará-los.
 A sua psicosfera impõe, nos implementos orgânicos, distonias e desarmonias que se refletirão mais tarde em forma de alienação, como decorrência do seu estado interior, como espírito desajustado.
 É óbvio que o comportamento social, as frustrações infantis, as inseguranças da personalidade, as injunções de tempo e de lugar, os fatores familiares e de habitat, as constrições de ordem moral e econômica engendram, evidentemente, as desarticulações neuróticas, porque conseguem limitar as aspirações do espírito fraco, que não se consegue sobrepor a essas conjunturas, para os cometimentos normais.
 Ainda, nesse capítulo, se deve considerar que a neurose é um campo amplo e variado, tendo-se em vista a consciência do problema pelo paciente e a sua falta de forças para a superação.
 A par desses fatores ocorrem outros na esfera psicológica, quais os denominados “parasitose espiritual”, que se transformando em calamitoso processo obsessivo de longo curso, em face de a vítima do passado converter-se em cobrador do presente, como conseqüência dos delitos perpetrados pelo delinqüente, não são regularizados ante as soberanas Leis da Vida.
 Não se exteriorizam as síndromes da neurose no caso em tela, de início, senão quando ocorre a dominação obsessiva do hospedeiro sobre sua vítima.
 Indispensável que o olhar vigilante dos religiosos se volte para aqueles que padecem os primeiros sinais de distonia, norteando-os ao cultivo das disciplinas austeras e das virtudes cristãs, com que se armarão para uma libertação eficiente e real, terapêutica de resultado auspicioso para o reajustamento do espírito na vida orgânica e sua conseqüente experiência psíquica, diante do processo de auto reparação dos impositivos cármicos.
 As técnicas da análise, a terapia medicamentosa conseguem, não raro, enquanto favorecem o equilíbrio por um lado, danificar os tecidos mais sutis da organização psicológica, produzindo distonias de outra natureza que se irão manifestar de forma desastrosa no futuro, caso esses processos não recebam a contribuição espiritualista relevante.
 Por este motivo, faz-se mister que uma religião capaz de adentrar-se no âmago do ser, como ocorre com o Espiritismo, apresente recursos preventivos para a grande massa humana aturdida nestes dias. Entretanto, esses conceitos, verdadeiro compêndio de Higiene Mental, já foram lecionados por Jesus e estão exarados no “Sermão da Montanha”, ora ratificados pelos textos que Lhe recordam a existência entre nós, de que dão notícia os sobreviventes do túmulo e falam sobre a vida estuante do além.
 O neurótico é alguém rebelado contra si mesmo, insatisfeito no inconsciente e contra os outros revoltados.
 Instável faz-se agressivo; desajustado, permite-se sucumbir; atônito entrega-se ao desalinho psíquico; excitado, deixa-se desvairar pela violência. Disciplinado, porém, pela moral cristã, adquire recursos para o autocontrole que irá funcionar no seu aparelho nervoso com recursos que bloqueiam as reações do inconsciente, remanescentes das vidas passadas, impedindo que aquelas reações desorganizem as funções conscientes que arrojam no resvaladouro da neurose.
 Respeito ao dever, culto ao trabalho, edificação pelo pensamento, exercício de ações nobilitantes produzem no homem salutar metodologia de vida, que o impedem tombar, que o levantam da queda, que o sustentam na caminhada.
 Missão relevante está reservada ao Espiritismo: promover superior revolução social na Terra, modificando os conceitos ora vigentes sobre o homem - espírito eterno em viagem evolutiva -, fazendo ver que, no fundo de toda problemática que afeta a criatura, suas raízes estão no pretérito espiritual do próprio ser que volve ao ministério de reeducação, de ascensão, de dignidade pelo esforço pessoal que o credencia à paz, à plenitude.
 Conscientizar, responsabilizar, iluminar a mente humana, eis como apresentar-se eficiente método para estancar a avassaladora onda da neurose atual, que, encontrando vazia de reservas morais a criatura humana, cada vez se torna pior, transformando a vida moderna em pandemônio e o homem, consequentemente, em servo do desequilíbrio dominador, desditoso.

Carneiro Campos.
Texto extraído da obra Sementes de Vida Eterna, psicografia de Divaldo P. Franco, ditado por diversos Espíritos, 1ª ed., 1978, págs. 49 a 53. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

NOITE FELIZ(?) !


O mundo prepara-se para mais um Natal. As ruas iluminam-se chamando atenção e as músicas típicas da época dão o tom da festividade. Ao centro, a conhecida figura do "Papai Noel", embalando sonhos e fantasias infantis mas, por outro lado, alimentando também interesses puramente mercantilistas.
As famílias já pensam nos brindes, presentes e festas. Economia para presentear melhor, vestuários renovados, casas reformadas, viagens e sonhos...
Esta nos parece uma realidade bem próxima e nos agrada divagar pelo brilho das luzes... afinal, o Natal é uma festa de alegria. No entanto, se nos afastarmos um pouco desta visão, procurando analisar de maneira mais cuidadosa, de forma mais crítica e real, lembraremos inevitavelmente dos que ainda não podem se quer sonhar...
O mundo ilumina suas ruas, mas há alguns lugares que continuam obscuros, talvez para esconder aqueles que excluímos da festa.
E, na escuridão, o crack, a cocaína, a cola continuam vitimando crianças e jovens que não sonham mais;
...na escuridão, meninas mal saídas da infância servem de objeto sexual nas mãos prostituídas de aparentes homens de bem. Na noite de natal, possivelmente, estarão embriagadas ou drogadas para suportar a exploração;
...na escuridão, homens disputam comida com ratos, cães e urubus nos lixões, perdendo sua humanidade a pouco e pouco. Estes talvez consigam comer melhor na noite de natal, aproveitando o desperdício dos banquetes que deixará o lixo mais "rico";
...na escuridão, guetos que separam negros de brancos continuarão infectos e nas favelas as comemorações acontecerão, talvez, em meio à dor de um assassinato ou de um estupro;
...na escuridão doentes se amontoarão em corredores de hospitais públicos, crianças, mães e famílias inteiras estarão morrendo por causa de fome, por falta de vacina, de saneamento básico e de noções mínimas de higiene em recantos tristonhos das terras africanas, brasileiras e asiáticas;
...na escuridão, pais desempregados sequer podem pensar em presentes e entre lágrimas que cortam a alma, abandonam seus filhinhos em orfanatos, para que sobrevivam;
...na escuridão, cortando o ruído das ruas e dos bailes, serão ouvidos ‘gritos silenciosos’ de seres humanos expulsos dos ventres de suas mães que, inconscientes e equivocadas, tentam fugir de suas responsabilidades pelo caminho do aborto criminoso;
...na escuridão do sertão, nem o luar de lá consegue iluminar a dor da sede e da fome de famílias inteiras condenadas a beber lama e comer lagartos, enquanto bois e cabritos serão mortos para as festas dos fazendeiros donos das terras e dos açudes;
...na escuridão sob as marquises, velho morrerão de frio e crianças serão assassinadas por criminosos fardados;
...na escuridão, toda escuridão aparece...
E lá fora, sob o esplendor das luzes, estouram os ‘champanhes’ nas mesas corrompidas pela falta de ética e humanidade na política. Os escândalos e as fraudes são esquecidos sob o borbulhar da bebida e os detentores dos "podres poderes" da Terra seguem cegos e descompromissados com o povo;
A sociedade egoísta distribui cestas e brinquedos com os ‘pobrezinhos’ para tentar aliviar o fogo que lhes queima a consciência e falam em solidariedade como se fosse uma jóia a mais que pudessem expor pendurada no pescoço.
Perdoem-me se pareço duro demais. Muito mais dura, no entanto, é a realidade enfrentada por milhares, milhões de irmãos nossos espalhados pelo planeta inteiro. Lembrando-se deles, estamos lembrando-se daquele que é o motivo das comemorações natalinas. Aquele que em sábias palavras afirmou que tudo que fosse feito a um desses pequeninos seria feito a Ele próprio indiretamente. Ele que soube ser solidário de maneira plena, sem se corromper pela vaidade e pelo aplauso, foi muito além da esmola dada em uma noite. Investiu sua vida e sua morte para a transformação da sociedade. Lutou contra os preconceitos, convivendo com a "escória" sem falsos pudores e valorizou o ser humano como ninguém fez antes ou depois dele.
Vale a pena nos perguntar: então, por que Ele veio? Qual a razão histórica de sua vida? O que constituiu o objeto de suas atenções e qual o objetivo de todo seu esforço? Certamente que Ele não veio para aprofundar a diferença entre os homens, nem para manter os preconceitos e o egoísmo que têm gerado toda miséria no mundo. Sua vinda visava a educação plena do homem, estimulando a transformação do homo sapiens – lobo do próprio homem – no homo sapiens solidarius que não é só intelecto e começa a descobrir que não pode ser feliz sozinho; que se completa no bem do outro e que plenifica-se no amor ao próximo sem conotação sacramental, mas com sentido prático e efetivo. É o amor experienciado, vivido, que não se coaduna com o comodismo e a indiferença, e foge dos discursos vazios.
Jesus, talvez ainda seja o ilustre esquecido do Natal rico e mercantil dos "papais noéis marqueteiros" e nós, certamente, os grandes omissos desta triste e contraditória realidade. Não tenho a menor dúvida que enquanto comemos perus e distribuímos presentes, Ele deve estar muito, muito ocupado com os que foram excluídos de um FELIZ NATAL!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CRISTO NASCEU? ONDE? QUANDO?


São indagações que compõem o título de belíssima página doutrinária escrita pelo espírita Pedro de Camargo (1878-1966), mais conhecido como Vinícius, encontrada em seu livro Em Torno do Mestre, publicado pela FEB em 1939, cuja última edição, a nona, data de 2009. Com admirável criatividade, o autor analisa o significado e o contexto do nascimento do Cristo, utilizando a entrevista como recurso literário, então direcionada a sete conhecidas personalidades do Evangelho, tendo como referência este registro evangélico:
 O verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória como de unigênito do Pai. Mas a todos os que o receberam, aos que creem em seu nome, deu Ele o direito de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. (João, 1:4.)
A íntegra da entrevista de Vinícius, com destaques nossos, é a que se segue:
 Perguntemos a Paulo – onde e quando Jesus nasceu? Ele nos dirá: Foi na estrada de Damasco, quando eu, então intolerante e fanatizado por uma causa inglória, me vi envolvido na sua divina luz. Dali por diante – “já não sou eu mais que vive, mas o Cristo é que vive em mim”.
 Indaguemos de Madalena, onde e quando nasceu Jesus. Ela nos informará: Jesus nasceu em Betânia, certa vez em que sua voz, ungida de pureza e santidade, despertou em mim a sensação de uma vida nova, com a qual, até então, jamais sonhara.
 Ouçamos o depoimento de Pedro, sobre a natividade do Senhor, e ele assim se pronunciará: Jesus nasceu no átrio do paço de Pilatos, no momento em que o galo, cantando pela terceira vez, acordou minha consciência para a verdadeira vida. Daí por diante, nunca mais vacilei diante dos potentados do século, quando me era dado defender a Justiça e proclamar a verdade, pois a força e o poder do Cristo constituíram elementos integrantes de meu próprio ser.
 Chamemos à baila João Evangelista e peçamos nos diga o que sabe acerca do natal do Messias, e ele nos dirá: Jesus nasceu no dia em que meu entendimento, iluminado pela sua divina graça, me fez saber que “Deus é amor”.1
 Dirijamo-nos a Zaqueu, o publicano, e eis o seu testemunho: Jesus nasceu em Jericó, numa esplêndida manhã de Sol, quando eu, ansioso por conhecê-lo, subi numa árvore, à beira do caminho por onde Ele passava, contentando-me com o ver de longe. Eis que Ele, amorável e bom, acena-me, dizendo: “Zaqueu, desce, importa que me hospede contigo”. Naquele dia entrou a salvação no meu lar.
 Interpelemos Tomé, o incrédulo: Quando e onde nasceu o Mestre? Ele, por certo, retrucará: Jesus nasceu em Jerusalém, naquele dia memorável e inesquecível em que me foi dado testificar que a morte não tinha poder sobre o Filho de Deus. Só então compreendi o sentido de suas palavras: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.
 Apelemos, finalmente, para Dimas, o bom ladrão: Onde e quando Jesus nasceu? Ele nos informará: Jesus nasceu no topo do Calvário, precisamente quando a cegueira e a maldade humanas supunham aniquilá-lo para sempre; dali Ele me dirigiu um olhar repassado de piedade e de ternura, que me fez esquecer todas as misérias deste mundo e antegozar as delícias do paraíso. Desde logo, senti-o em mim e eu nele.2
 As respostas transmitidas pelos entrevistados nos fazem ver que o nascimento do Cristo, o local e a data, representam, efetivamente, o exato momento do despertar da nossa consciência para a sublimidade do Amor, ensinado e exemplificado por Jesus.
 Para a Doutrina Espírita, Jesus é e sempre será “o tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo”.3 É válido, porém, deixar registrado que no meio acadêmico e entre os historiadores do Cristianismo configura-se nova metodologia de estudo da figura ímpar de Jesus, denominada Jesus Histórico. Trata-se de estudo crítico que não considera os axiomas religiosos e teológicos tradicionais nem os determinismos bíblicos que, na generalidade, revelam o Mestre Nazareno como o Filho de Deus ou o Messias prometido para a salvação da Humanidade.
 Embora as reconstruções históricas variem, são concordantes em dois pontos: Jesus era um rabino judeu, que atraiu um pequeno grupo de galileus e, após um período de pregação, foi crucificado pelos romanos na Palestina, sob instigação dos sacerdotes judeus, durante o governo de Pôncio Pilatos.
 A busca pelo Jesus Histórico foi iniciada pelo filósofo deísta alemão Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) que, junto com outros estudiosos, passaram a duvidar da historicidade relatada pelos textos sagrados, aceita sem controvérsias até o século XVIII, quando surgiu o movimento iluminista na Europa.Após a Primeira Guerra Mundial, os teólogos alemães Martin Dibelius (1883-1947) e Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) compararam a mensagem original de Jesus (do Novo Testamento) à de outros textos, provenientes da época da igreja primitiva, identificando pontos concordantes e discordantes. Empregaram, então, dois métodos para chegarem às conclusões finais, publicadas posteriormente:
 a) Redação criticista – trata-se de uma investigação a respeito de como cada escritor do Evangelho compilou seu livro, seguida de comparação com outros escritos e, também, com fontes orais;
b) Crítica formal – concluíram que os evangelhos (segundo Mateus,Marcos, Lucas e João) não foram escritos completos, originalmente, tal como os conhecemos nos dias atuais.Na verdade, são coleções de fatos separados, de tradições orais, mitos ou parábolas, propositalmente agrupados para formar uma coletânea, artificialmente elaborada, e destinada a divulgar práticas da igreja antiga. Dessa forma, a crítica formal tenta reconstruir os episódios originais, separando o que é fato histórico e o que é inclusão artificial.
Há outro ponto relevante: na busca pelo Jesus Histórico, alguns estudiosos fundamentam-se na chamada Fonte Q (de Quelle, nome alemão para fonte), uma coleção de Ditos de Jesus, que é uma tradição, oral ou escrita – não se sabe ao certo – amplamente difundida no mundo cristão da primeira metade do século I, e que serviu de base para a escritura dos evangelhos sinóticos, assim como para alguns apócrifos. Sendo assim, o documento Q, ou fonte Q, é hipoteticamente considerado como sendo o primeiro texto evangélico escrito, e que teria sido utilizado, mais tarde, por Mateus e Lucas, mas não por Marcos, na redação dos seus escritos, fato que justificaria as coincidências presentes no Evangelho de Lucas e de Mateus, e as diferenças com o de Marcos.
 Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época. Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às expectativas dos crentes atuais. No entanto, ao montar o quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação.4
 Uma evidência poderosa já se destaca das conclusões dos pesquisadores: a grandeza do Cristo e a sublimidade da sua mensagem. Parâmetros pelos quais devemos nos guiar, sem jamais perder de vista qual é a plataforma do Mestre, como ensina Emmanuel:
 Anunciou-nos a celeste revelação que Ele viria salvar-nos de nossos próprios pecados, libertar-nos da cadeia de nossos próprios erros, afastando-nos do egoísmo e do orgulho que ainda legislam para o nosso mundo consciencial.5
 
 Reformador Dezembro2011

Referências:
1VINÍCIUS. Em torno do mestre. 9. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. Cristo nasceu? Onde? Quando?. p. 236.
2_____. _____. p. 236-237.
3KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 625.
4DIAS, Haroldo Dutra. Cristianismo redivivo: história da era apostólica, Novas perguntas. In: Reformador, ano 126, n. 2.146, p. 34(32)-36(34), jan. 2008.
5XAVIER, Francisco C. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 174, p. 386.