sexta-feira, 27 de julho de 2012

A DIFERENÇA ENTRE CRER E TER FÉ

“Se o espírito humano não está sintonizado com o espírito de Deus, ele não tem fé, embora talvez creia. Esse homem pode, em teoria, aceitar que Deus existe e, apesar disso, não ter fé"

O notável professor, filósofo e humanista brasileiro, Huberto Rohden, em um de seus oportunos comentários inseridos no livro “A Mensagem Viva do Cristo”, obra que compreende a tradução feita por ele mesmo dos quatro evangelhos, diretamente do grego do primeiro século, convida-nos a refletir sobre a significativa distinção entre crer e ter fé. Para ele, a não compreensão dessa questão tem deturpado a teologia e trazido enorme prejuízo à mensagem do Cristo ao longo desses 2000 anos.

 Escreve ele:

 “Desde os primeiros séculos do Cristianismo, quando o texto grego do Evangelho foi traduzido para o latim, principiou a funesta identificação de crer com ter fé. A palavra grega para fé é pistis, cujo verbo é pisteuein. Infelizmente, o substantivo latino fides, o correspondente a pistis, não tem verbo e assim, os tradutores latinos se viram obrigados a recorrer a um verbo de outro radical para exprimir o grego pisteuein, ter fé. O verbo latino que substituiu o grego pisteuein é credere, que em português deu crer. Nenhuma das cinco línguas neo latinas — português, espanhol, italiano, francês, rumeno — possui verbo derivado do substantivo fides; fé; todas essas línguas são obrigadas a recorrer a um verbo derivado de credere. Ora, a palavra pistis ou fides significa originariamente harmonia, sintonia, consonância. Ter fé é estabelecer ou ter sintonia, harmonia entre o espírito humano e o espírito divino.”

 Se o espírito humano não está sintonizado com o espírito de Deus, ele não tem fé, embora talvez creia

 Para o ilustre filósofo, aí está um dos maiores problemas que em muito vem prejudicando a teologia e, para explicar a diferença de significado entre uma coisa e outra, estabelece ele o seguinte paralelo ilustrativo: “Um receptor de rádio só recebe a onde eletrônica emitida pela estação emissora, quando o receptor está sintonizado ou afinado perfeitamente com a freqüência da emissora. Se a emissora, por exemplo, emite uma onda de freqüência 100, o meu receptor só reage a essa onda e recebe-a quando está sintonizado com a freqüência 100. Só neste caso, o meu receptor tem fé, fidelidade, harmonia; fideliza com a emissora”.

 Dentro desse contexto, “se o espírito humano não está sintonizado com o espírito de Deus, ele não tem fé, embora talvez creia. Esse homem pode, em teoria, aceitar que Deus existe e, apesar disso, não ter fé. Ter fé é estar em sintonia com Deus, tanto pela consciência como também pela vivência, ao passo que um homem sem sintonia com Deus pela consciência e pela vivência, pela mística e pela ética, pode crer vagamente em Deus. Crer é um ato de boa vontade; ter fé é uma atitude de consciência e de vivência”, argumenta o professor Rohden.

 Salvação não é outra coisa senão a harmonia da consciência e da vivência com Deus

 Para ele, a conhecida frase “quem crer será salvo, quem não crer será condenado”, é absurda e blasfema no sentido em que ela é geralmente usada pelos teólogos. No entanto, “se lhe dermos o sentido verdadeiro ‘quem tiver fé será salvo’ ela está certa, porque salvação não é outra coisa senão a harmonia da consciência e da vivência com Deus”.

 Em sua opinião, de sincero buscador, erudito e filósofo espiritualista “a substituição de ter fé por crer há quase 2000 anos, está desgraçando a teologia, deturpando profundamente a mensagem do Cristo”.



Consciência Espírita

Centro de Estudos Espíritas Paulo Apóstolo

domingo, 22 de julho de 2012

O SOFRIMENTO MORAL


"Oh! vós, que recusais valor ao sacrifício de Jesus, por não se achar ele revestido de um corpo de carne, perecível como os vossos, abri os vossos próprios corações e perscrutai, com sinceridade, o fundo de vossas almas. Que preferiríeis: suportar a tortura do corpo, ou suportar o desespero de testemunhar a ingratidão, a negrura d'alma, o crime naqueles a quem mais amor tendes do que a vós mesmos?

"Vós todos, que não vos encontrais dominados pelo egoísmo, pais, mães, filhos, criaturas humanitárias que considerais todos os homens como vossos irmãos bem-amados, quais não são os vossos sofrimentos quando vedes aqueles a quem fizestes objeto do vosso mais terno amor vos repelirem com desprezo e vos atirarem pedras?

"Jesus não pode ter sofrido como os outros homens, porque não era da natureza destes!

"Não, a sua natureza não era idêntica à dos outros homens e por isso ele não sofreu da maneira por que sofrem os habitantes materiais do vosso planeta inferior. Entretanto, por serem de outra ordem, seus sofrimentos não terão sido superiores aos da Humanidade terrena?

"Seu corpo fluídico, de natureza perispirítica, tangível e visível para os homens, não era suscetível de experimentar a dor material, porque, efetivamente, as sensações que recebia nenhuma relação tinham com a impressão dolorosa que causam a amputação de um membro, a contusão numa parte qualquer do corpo humano. Era, porém, suscetível de receber impressões exteriores que repercutiam no moral com violência, para vós, inaudita. Eis porque vos dizemos que Jesus, vítima voluntária do amor que consagra aos seus protegidos - os homens da Terra, se bem não sofresse do ponto de vista carnal, sofreu violentamente.

"Para o avaliardes, esforçai-vos por perceber as sensações que certas naturezas de escol experimentam quando as punge uma dor moral, a profundeza do golpe que recebem quando lhes chega uma notícia má, as torturas por que as fazem passar a ingratidão, a maldade; quando elas se veem, ou veem os que são objeto da sua mais terna afeição alvo da perseguição ou da calúnia.

"Não prefeririam essas almas sensíveis uma dor material ao contínuo sofrimento moral que as despedaça? E, levado a certo ponto, esse sofrimento moral não atinge as proporções materiais do sofrimento do corpo, não as ultrapassa até? Não lhes altera os órgãos, ao ponto de causar a sua decomposição? Não vedes muitas vezes a intranquilidade, a aflição, a consumição lhes acarretarem a morte, no sentido de que produzem nos seus organismos estragos a que elas não podem resistir? E ainda vos recusareis a reconhecer que certos sofrimentos morais são verdadeiramente intoleráveis?

"Quais não seriam os sentimentos de Jesus para convosco? Quais não terão sido a sua mágoa, a sua tristeza, vendo-vos tão ingratos, tão covardes, tão culpados? Ele sofria e ainda sofre. O sacrifício a que se votou dura ainda e durará até que haja reunido todas as suas ovelhas sob as dobras do seu manto protetor.

"Não digais: "Para que serve um sacrifício imaginário?" Seu sacrifício foi real e tanto mais real quanto só o Espírito, é capaz de sentir sofrimento.

"Os sofrimentos morais de Jesus estão em relação com a carência de esforços da vossa parte, para corresponder aos seus. f, (Tomo[1] IV, páginas 353/5).

"Jesus, naqueles momentos, sofria, sofria muito no seu coração pelo endurecimento dos homens. Sofria por ver que séculos e séculos teriam que passar sobre as vossas cabeças antes que o batismo do espírito vos purificasse. Sofria, vendo quantos sofrimentos o futuro reservava a seus irmãos, aos quais votava amor tão ardente que, para lhes mostrar o caminho que devem trilhar, consentiu em perlustrá-lo .

"Experimentava as angústias que dilaceram o coração da mãe extremosa que vê transviados, criminosos, seus filhos diletos; que vê prestes a caírem sobre eles os rigores da lei; que lhes brada: "Vinde a mim, vinde a mim e eu vos salvarei; arrependei-vos e obterei o perdão para vós", e os vê surdos, a lhe voltarem as costas, para prosseguirem no funesto caminho. Ela não sofre, é certo, na sua carne, a carinhosa mãe; seus ossos não são despedaçados. Mas, todas as fibras do seu coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a aflição pelo futuro de seus bem-amados!" (Tomo III, pág. 417).

"O sofrimento, na essência espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os vossos corpos, quaisquer sofrimentos humanos." (Tomo II, pág. 427).



CAUSAS MORAIS DAS DORES FÍSICAS



"Remonte ele à origem do mal, sobretudo procure sempre a causa moral em todas as dores físicas, dores orgânicas - bem entendido.

"Aquele que quebra um braço não pode acusar nenhuma dor secreta ou maus pendores; porém, nos inúmeros males que afligem a Humanidade, pesquisai bem o fundo dos corações e das consciências e encontrareis a raiz dessa árvore que se estende por todos os membros. O coração ou a alma quase sempre estão atacados. Daí a perturbação do sistema nervoso, fonte de todas as enfermidades, de todos os sofrimentos. Perscrutai os antecedentes do que sofre e muitas vezes descobrireis o pesar oculto de uma ação, um acontecimento que interessou a saúde, viciando o sangue que devia circular puro nas veias." (Tomo Il, pág. 31/2).

Quando foi dada esta mensagem, Segismundo Freud era um menino de cinco anos de idade; no entanto, estas últimas linhas parecem copiadas de um tratado de Psicanálise. Não só Freud atribui as doenças a recalques, como, muitos médicos ilustres hoje compreendem as influências do pensamento e do sentimento sobre a, saúde e recomendam o cultivo do bom humor, da alegria, para restauração da saúde. A pouco e pouco a ciência humana vai descobrindo a solidariedade entre o corpo e o Espírito. Tendemos ao médico-sacerdote que trate simultaneamente do corpo e da alma, como o fazia Jesus.

Nos povos primitivos as funções do médico e sacerdote eram exercidas pelo mesmo individuo. A esse respeito escreveu Stefan Zweig um livro precioso com o título "Heilung durch den Geist" ("A cura através do espírito"). Quando nos libertarmos de todos os nossos defeitos morais, não formos mais escravos do pecado, ficaremos livres também das doenças. Compreende-se que isso levará longo tempo, porque trazemos uma bagagem muito pesada de encarnações pretéritas e teremos que expiar todas as faltas, antes de chegarmos à perfeição moral que refletirá em benefício de nosso físico.

Presentemente a Humanidade da Terra passa por uma onda de materialismo que nos impressiona. As crenças antigas não satisfazem mais ao homem intelectualmente desenvolvido e ele as abandona, mesmo quando se conserva profitente de uma igreja. O Espiritismo ainda se acha pouco desenvolvido na sua missão de substituir as antigas crenças simplistas. Também ele se perdeu, em muitos países, num emaranhado de sofismas e experimentação estéril.

Parece longe o tempo em que em todos os povos do mundo o Espiritismo se divulgue suficientemente para transformar  a nossa civilização materialista. As mensagens dos nossos Maiores nos advertem de que essa restauração do Cristianismo terá que partir do nosso país e como o Brasil ainda exerce pouquíssima influência no sentimento universal, por isso que sua língua nacional é um túmulo para o pensamento, vemos que essa missão não se acha num futuro próximo, mas muito afastado; porque, antes disso, terão que ser abolidas as barreiras linguísticas que insulam intelectualmente os povos. Compreendendo esse aspecto linguístico do magno problema, a Federação Espírita Brasileira incorporou a divulgação do Esperanto à sua tarefa, e vai dando os primeiros passos na preparação desse glorioso porvir. Não ignoramos que será trabalho longo, mas sabemos igualmente que temos em nossa frente todos os séculos e milênios vindouros, porque a morte não existe e o Senhor da Seara nos permitirá voltar ao seu serviço tantas vezes quantas se faça mister para cumprirmos fielmente nossas tarefas.

Virá o tempo em que não teremos o sofrimento moral nem o físico, porque estarão vencidos o pecado e a dor.



Reformador (FEB) Abril  1950

[1] Refere-se aos quatros tomos que constituem  ‘Os Quatro Evangelhos’ coordenados por J-B Roustaing.

sábado, 14 de julho de 2012

DOUTRINA ESPÍRITA – FALTA DE FORMAÇÃO DOUTRINÁRIA


Sem a formação doutrinária, não teremos um movimento espírita coeso e coerente. E, sem coesão e coerência, não teremos Espiritismo. Essa a razão por que os Espíritos Superiores confiaram às mãos de Kardec o pesado trabalho da Codificação. Kardec teve de arcar, sozinho, com a execução dessa obra gigantesca. Só ele estava em condições de realizá-la.

Depois de Kardec, o que vimos? Léon Denis foi o único dos seus discípulos que conseguiu manter-se à altura do mestre, contribuindo vigorosamente para a consolidação da Doutrina. Era, aparentemente, o menos indicado. Não tinha a formação cultural de Kardec, residia na província, não convivera com ele, mas soubera compreender a posição metodológica do Espiritismo e não a confundia com os desvarios espiritualistas da época. Depois de Denis, foi o dilúvio.

A Revista Espírita virou um saco de gatos. A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas naufragou em águas turvas. A Ciência e a Filosofia Espíritas ficaram esquecidas. O aspecto religioso da Doutrina transviou-se na ignorância e no fanatismo. Os sucessores de Kardec fracassaram inteiramente na manutenção da chama espírita, na França. E, quando a Arvore do Evangelho foi transplantada para o Brasil, segundo a expressão de Humberto de Campos, veio carregada de parasitas mortais que, ao invés de extirpar, tratamos de cultivar e aumentar com as pragas da terra. Tudo isso por quê? Por falta pura e simples de formação doutrinária. A prova está aí, bem visível, no fluidismo e no obscurantismo que dominam o nosso movimento no Brasil e no Mundo.

Os poucos estudiosos, que se aprofundaram no estudo de Kardec, vivem como náufragos num mar tempestuoso, lutando, sem cessar, com os mesmos destroços de sempre. Não há estudo sistemático e sério da Doutrina. E o que é mais grave, há evidente sintoma de fascinação das trevas, em vastos setores representativos que, por incrível que pareça, combatem por todos os meios o desenvolvimento da cultura espírita.

Enquanto não compreendermos que Espiritismo é cultura, as tentativas de unificação do nosso movimento não darão resultados reais. Darão aproximações arrepiadas de conflitos, aumento quantitativo de adeptos ineptos, estimulação perigosa de messianismos individuais e de grupos. Flamarion, que nunca entendeu realmente a posição de Kardec, e chegou a dizer que ele fez obra um tanto pessoal, como se vê no seu famoso discurso ao pé do túmulo, teve, entretanto, uma intuição feliz quando o chamou de bom senso encarnado. Esse bom senso é que nos falta. Parece haver se desencarnado com Kardec, e volatizado com Denis.

Hoje, estamos na era do contra-senso. Os mesmos órgãos de divulgação doutrinária que pregam o obscurantismo exibem pavoneios de erudição personalista, em nome de uma cultura inexistente. Porque cultura não é erudição, livros empilhados nas estantes, fichário em ordem para consultas ocasionais. Cultura è assimilação de conhecimentos e bom senso em ação. O que fazer diante dessa situação? Cuidar da formação espírita das novas gerações, sem esquecer a alfabetização de adultos. Mobral: esse o recurso. Temos de organizar o Mobral do Espírito. E começar tudo de novo, pelas primeiras letras. Mas, isso em conjunto, agrupando elementos capazes, de mente arejada e coração aberto. Foi por isso que propus a criação das Escolas de Espiritismo, em nível universitário, dotadas de amplos currículos de formação cultural espírita.

Podem dizer que há contradições entre Mobral e nível universitário. Mas, nota-se, que falamos de Mobral do Espírito. A Cultura Espírita é o desenvolvimento da cultura acadêmica, é o seguimento natural da cultura atual, em que se misturam elementos cristãos, pagãos e ateus. Para iniciar-se na cultura espírita, o estudante deve possuir as bases da cultura anterior. "Tudo se encadeia no Universo", como ensina, repetidamente, O Livro dos Espíritos. Quem não compreende esse encadeamento, tem de iniciar pelo Mobral. Não há outra forma de adaptá-lo às novas exigências da nova cultura. A verdade nua e crua é que ninguém conhece Espiritismo.

Ninguém, mesmo, no Brasil e no Mundo. Estamos todos aprendendo, ainda, de maneira canhestra. E se me permito escrever isto, é porque aprendi, a duras penas, a conhecer a minha própria indigência. No Espiritismo, como já se dava no Cristianismo e na própria filosofia grega, o que vale é o método socrático. Temos, antes de tudo, de compreender que nada sabemos. Então, estaremos, pelo menos, conscientes de nossa ignorância e capazes de aprender. Mas, aprender com quem? Sozinhos, como autodidatas, tirando nossas próprias lições dos textos, confiantes nas luzes da nossa ignorância? Recebendo lições de outros que tateiam como nós, mas que estufam o peito de auto-suficiência e pretensão? Claro que não. Ao menos isso devemos saber.

Temos de trabalhar em conjunto, reunindo companheiros sensatos, bem intencionados, não fascinados por mistificações grosseiras e evidentes, capazes de humildade real, provada por atos e atitudes. Assim conjugados, poderemos aprender de Kardec, estudando suas obras, mergulhando em seus textos, lembrando-nos de que foi ele e só ele o incumbido de nos transmitir o legado do Espírito da Verdade. Kardec é a nossa pedra de toque. Não por ser Kardec, mas por ser o intérprete humilde que foi, o homem sincero e puro a serviço dos Espíritos Instrutores. É o que devemos ter nas Escolas de Espiritismo.

Não Faculdades, nem Academias, mas, simplesmente, Escolas. O sistema universitário implica pesquisas, colaboração entre professores e alunos, trabalho conjugado e sem presunção de superioridade de parte de ninguém. O simpósio e o seminário, o livre-debate, enfim, é que resolvem, e não o magister do passado. O espírito universitário, por isso mesmo, é o que melhor corresponde à escola espírita. Num ambiente assim, os Espíritos Instrutores disporão de meios para auxiliar os estudantes sinceros e despretensiosos.

A formação espírita exige ensino metódico, mas, ao mesmo tempo, livre. Foi o que os Espíritos deram a Kardec: um ensino de que ele mesmo participava, interrogando os mestres e discutindo com eles. Por isso, não houve infiltração de mistificadores na obra inteiriça, nesse bloco de lógica e bom senso, que abrange os cinco livros fundamentais de Codificação, os volumes introdutórios e os volumes da Revista Espírita, redigidos por ele durante quase doze anos de trabalho incessante. Essa obra gigantesca é a plataforma do futuro, o alicerce e o plano de um novo mundo, de uma nova civilização.

Seria absurdo pensar que podemos dominar esse vasto acervo de conhecimentos novos, de conceitos revolucionários, através de simples leituras individuais, sem método e sem pesquisa. Nosso papel, no Espiritismo, tem sido o de macacos em loja de louças. E incrível a leviandade com que oradores e articulistas espíritas tratam de certos temas, com uma falsa suficiência de arrepiar, lançando confusões ridículas no meio doutrinário. Temos de compreender que isso não pode continuar. Chega de arengas melífluas nos Centros, de oratória descabelada, de auditórios basbaques, batendo palmas e palavreado pomposo. Nada disso é Espiritismo. Os conferencistas espíritas precisam ensinar Espiritismo - que ninguém conhece - mas para isso precisam primeiro aprendê-lo. Precisamos de expositores didáticos, servidos por bom conhecimento doutrinário, arduamente adquirido em estudos e pesquisas.

Expor os temas fundamentais da Doutrina, não é falar bonito, com tropos pretensamente literários, que só servem para estufar vaidade, à maneira da oratória bacharelesca do século passado. Esse palavrório vazio e presunçoso não constrói nada e só serve para ridicularizar o Espiritismo ante a mentalidade positiva e analítica do nosso tempo. Estamos numa fase avançada da evolução terrena. Nossa cultura cresceu espantosamente nos últimos anos e já está chegando à confluência dos princípios espíritas em todos os campos. A nossa falta de formação cultural espírita não nos permite enfrentar a barreira dos preconceitos para demonstrar ao mundo que Espiritismo, como escreveu Humberto Mariotti, é uma estrela de amor que espera no horizonte do mundo o avanço das ciências. E curiosa e ridícula a nossa situação. Temos o futuro nas mãos e ficamos encravados no passado mitológico e nas querelas medievais. Mas, para superar essa situação, temos de aprender com Kardec.

Os que pretendem superar Kardec, não o conhecem. Se o conhecessem, não assumiriam a posição ridícula de críticos e inovadores do que, na verdade, ignoram. Chegamos a uma hora de definições. Precisamos definir a posição cultural espírita perante a nova cultura dos tempos novos. E só faremos isso através de organismos culturais bem estruturados, funcionais, dotados de recursos escolares capazes de fornecer, aos mais aptos e mais sinceros, a formação cultural de que todos necessitamos, com urgência.



Texto de José Herculano Pires. O Mistério do Bem e do Mal. 2ª edição.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

IDEAL ESPÍRITA

Fazer de cada mulher uma sacerdotisa, de cada lar um templo, de cada coração um altar em que arda sempre impetuoso o desejo de servir com abnegação e amor a todas as criaturas de Deus, sejam elas más ou boas, tal é a missão do Espiritismo para edificar o Reino de Deus sobre a Terra.

Tarefa fundamentalmente educativa que deve ser imposta em toda parte; na oficina, na escola, na repartição, na administração, na política, no lar; mas sem o esforço combativo que desagrega os homens e forma os partidos, igrejas, seitas, classes, nações, em ações e reações eternas que geram ódios e perpetuam o mal, as rivalidades e represálias de grupos humanos, contra outros grupos humanos.

Se os espiritistas tivessem a desventura de se organizarem em uma grande igreja, provocariam as reações e represálias que perpetuariam as outras igrejas a eles opostas, numa luta contínua e apaixonada como têm vivido as diversas igrejas do passado. Pretendessem organizar-se em partido político para realizar suas nobres aspirações, e não seriam compreendidos; teriam sempre que fechar suas próprias fronteiras contra os ataques de outros partidos; já não poderiam agir na sociedade, mas somente em suas sedes e mesmo aí sob as limitações da perseguição externa e talvez da perfídia interna de adversários mascarados de espíritas. Teriam todas as desvantagens de uma seita, contra a qual todas as outras se acham fechadas.

Sempre que se pensa em organizar o Espiritismo, devem-se levar em conta as dificuldades que outras organizações; com seu espírito combativo, oporiam à nossa tarefa, quando a nossa organização, suficientemente forte, lhes parecesse uma ameaça.

         Nossa força está em nossa aparente fraqueza. Somos milhares de pequenos núcleos espalhados por toda parte, sem uma autoridade central que os reúna e oriente no plano humano da vida. Mesmo as sociedades adesas ou coligadas à Federação ou à Liga, são livres, não têm que prestar contas ou obedecer a autoridades centrais. A adesão é apenas a princípios gerais da doutrina, à aceitação das obras de Allan Kardec, com plena liberdade de interpretação, sem um sínodo ou outro corpo de intérpretes a ser obedecido. A qualquer momento a sociedade adesa pode, por sua livre vontade, desistir da adesão e seguir outros rumos, se assim lhe aprouver e voltar aos mesmos princípios e solicitar de novo a adesão, quando quiser.

Igualmente os indivíduos conservam absoluta liberdade de ação ou inação. Podem trabalhar quando e como e onde quiserem, em associação ou insuladamente, ou cessarem suas atividades quando isso lhes agradar, sem que alguma autoridade exista que lhes possa impor alguma limitação ou privá-los de algum direito. Essa liberdade dos indivíduos e de seus grupos é característica do Espiritismo e dá-lhe uma força diferente, mais espiritual e menos humana. Do ponto de vista humano, isso é fraqueza e desorganização; mas do ponto de vista espiritual é fôrça.

Nossos pregadores independem de "ordens", diplomas, uniformes, ou qualquer outra autorização. Podem exercer seu sacerdócio quando e onde quiserem; diante de um só ouvinte ou de grandes assembleias; numa missiva pessoal, num artigo de jornal, num livro, ao microfone ou por outra qualquer forma.

Quem assiste a um fenômeno espírita e o relata aos seus amigos, já está fazendo a pregação. Quem lê um romance espírita e o conta a um amigo, está praticando uma doutrinação. Assim, por toda parte, desde- as rodas mais ilustres até os meios mais obscuros, está-se fazendo a pregação do Espiritismo, interessando alguém para que o estude. Tal multíplicídade de pregadores tem a imensa vantagem de não encontrar fronteiras de seita; não ficar limitada aos templos, sinagogas, mesquitas ou sedes de grupos espíritas. Tem a vantagem, ainda maior, de não ser seita e, por isso mesmo, influenciar indistintamente qualquer membro da sociedade humana.

O ideal espírita é universal, deve influenciar todos os indivíduos, toda a Humanidade, e a maior barreira à realização desse ideal seria fecharmo-nos em uma seita com nossos livros sagrados, .nosso profeta único, nossos pregadores autorizados e uniformizados. Contra esse perigo, por mercê de Deus, contamos com a liberdade dos Espíritos, que não levam em conta nossas divisões e limitações, nem as nossas convicções sectárias; inspiram e guiam até os mais descrentes, desde que encontrem neles aptidão para determinado trabalho que se tenha de realizar no mundo.

Pela orientação que os Grandes Espíritos vão dando à mediunidade, vemos que o romance educativo, em forma de livro, de filme cinematográfico, de novela radiofônica, tem grande missão a cumprir na preparação do futuro; principalmente porque o romance fala mais diretamente ao coração da mulher e pode exercer a máxima influência na formação de nova mentalidade e novos sentimentos. O mundo feliz do futuro terá que ser obra principalmente do coração feminino, das mães, como sacerdotisas de seus lares.

Em vez de formar uma Igreja "triunfante" contra as outras, temos que fazer uma ideia triunfante nos corações, sem nos importarmos com os rótulos. Em lugar de um partido vitorioso, temos que vencer em todos os partidos, em todas as escolas e igrejas.

Como trabalhar para esse ideal?

Pelo livro, pelo jornal, pelo rádio, pelo cinema, e, acima de tudo, pelo exemplo.

Em lugar de uma organização político-religiosa à imagem e semelhança das que já existem, fundemos novas editoras, novas estações de rádio, grupos de propagandistas, asilos, abrigos, escolas, ou ajudemos aos que já existem.

Traduzamos todos os bons livros que existem em outras línguas para a nossa e os nossos para outras línguas. Publiquemos toda essa imensa literatura em Esperanto e espalhemo-la pelo mundo inteiro.

Há um trabalho imenso esperando por nós. Deixemos a outros a triste tarefa de demolir ou discutir questiúnculas teológicas. Temos muito que construir. A Humanidade sofredora e descrente merece todos os nossos esforços, toda a nossa dedicação. Não nos percamos nas fátuas discussões acadêmicas, nas polêmicas estéreis, nas lutas negativas; tentemos construir algo de positivo nos corações e nas inteligências. A nossa oportunidade é única: a Humanidade está saindo andrajosa e ensanguentada de uma de suas maiores experiências combativas, de uma de suas manifestações de força organizada. Bastam essas experiências!          '

Nossa obra é diferente; não nos deixemos tragar pelas tradições do passado, porque o passado já nos deu o que podia: lutas e ódios; ódios e novas lutas; divisões e perseguições, perseguições e divisões; milênios perdidos em discussões teológicas, discussões teológicas que se renovam em outros milênios!

Repitamos que o ideal da Terceira Revelação não é formar uma grande Igreja, mas, ao contrário disso, tornar desnecessárias as grandes Igrejas e erguer em cada coração um altar, em que arda sempre a pira sagrada do amor fraterno, destruindo o egoísmo, o orgulho, a vaidade, as rivalidades; os preconceitos.



Cristiano Agarido

(Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Junho 1945