sexta-feira, 13 de julho de 2012

IDEAL ESPÍRITA

Fazer de cada mulher uma sacerdotisa, de cada lar um templo, de cada coração um altar em que arda sempre impetuoso o desejo de servir com abnegação e amor a todas as criaturas de Deus, sejam elas más ou boas, tal é a missão do Espiritismo para edificar o Reino de Deus sobre a Terra.

Tarefa fundamentalmente educativa que deve ser imposta em toda parte; na oficina, na escola, na repartição, na administração, na política, no lar; mas sem o esforço combativo que desagrega os homens e forma os partidos, igrejas, seitas, classes, nações, em ações e reações eternas que geram ódios e perpetuam o mal, as rivalidades e represálias de grupos humanos, contra outros grupos humanos.

Se os espiritistas tivessem a desventura de se organizarem em uma grande igreja, provocariam as reações e represálias que perpetuariam as outras igrejas a eles opostas, numa luta contínua e apaixonada como têm vivido as diversas igrejas do passado. Pretendessem organizar-se em partido político para realizar suas nobres aspirações, e não seriam compreendidos; teriam sempre que fechar suas próprias fronteiras contra os ataques de outros partidos; já não poderiam agir na sociedade, mas somente em suas sedes e mesmo aí sob as limitações da perseguição externa e talvez da perfídia interna de adversários mascarados de espíritas. Teriam todas as desvantagens de uma seita, contra a qual todas as outras se acham fechadas.

Sempre que se pensa em organizar o Espiritismo, devem-se levar em conta as dificuldades que outras organizações; com seu espírito combativo, oporiam à nossa tarefa, quando a nossa organização, suficientemente forte, lhes parecesse uma ameaça.

         Nossa força está em nossa aparente fraqueza. Somos milhares de pequenos núcleos espalhados por toda parte, sem uma autoridade central que os reúna e oriente no plano humano da vida. Mesmo as sociedades adesas ou coligadas à Federação ou à Liga, são livres, não têm que prestar contas ou obedecer a autoridades centrais. A adesão é apenas a princípios gerais da doutrina, à aceitação das obras de Allan Kardec, com plena liberdade de interpretação, sem um sínodo ou outro corpo de intérpretes a ser obedecido. A qualquer momento a sociedade adesa pode, por sua livre vontade, desistir da adesão e seguir outros rumos, se assim lhe aprouver e voltar aos mesmos princípios e solicitar de novo a adesão, quando quiser.

Igualmente os indivíduos conservam absoluta liberdade de ação ou inação. Podem trabalhar quando e como e onde quiserem, em associação ou insuladamente, ou cessarem suas atividades quando isso lhes agradar, sem que alguma autoridade exista que lhes possa impor alguma limitação ou privá-los de algum direito. Essa liberdade dos indivíduos e de seus grupos é característica do Espiritismo e dá-lhe uma força diferente, mais espiritual e menos humana. Do ponto de vista humano, isso é fraqueza e desorganização; mas do ponto de vista espiritual é fôrça.

Nossos pregadores independem de "ordens", diplomas, uniformes, ou qualquer outra autorização. Podem exercer seu sacerdócio quando e onde quiserem; diante de um só ouvinte ou de grandes assembleias; numa missiva pessoal, num artigo de jornal, num livro, ao microfone ou por outra qualquer forma.

Quem assiste a um fenômeno espírita e o relata aos seus amigos, já está fazendo a pregação. Quem lê um romance espírita e o conta a um amigo, está praticando uma doutrinação. Assim, por toda parte, desde- as rodas mais ilustres até os meios mais obscuros, está-se fazendo a pregação do Espiritismo, interessando alguém para que o estude. Tal multíplicídade de pregadores tem a imensa vantagem de não encontrar fronteiras de seita; não ficar limitada aos templos, sinagogas, mesquitas ou sedes de grupos espíritas. Tem a vantagem, ainda maior, de não ser seita e, por isso mesmo, influenciar indistintamente qualquer membro da sociedade humana.

O ideal espírita é universal, deve influenciar todos os indivíduos, toda a Humanidade, e a maior barreira à realização desse ideal seria fecharmo-nos em uma seita com nossos livros sagrados, .nosso profeta único, nossos pregadores autorizados e uniformizados. Contra esse perigo, por mercê de Deus, contamos com a liberdade dos Espíritos, que não levam em conta nossas divisões e limitações, nem as nossas convicções sectárias; inspiram e guiam até os mais descrentes, desde que encontrem neles aptidão para determinado trabalho que se tenha de realizar no mundo.

Pela orientação que os Grandes Espíritos vão dando à mediunidade, vemos que o romance educativo, em forma de livro, de filme cinematográfico, de novela radiofônica, tem grande missão a cumprir na preparação do futuro; principalmente porque o romance fala mais diretamente ao coração da mulher e pode exercer a máxima influência na formação de nova mentalidade e novos sentimentos. O mundo feliz do futuro terá que ser obra principalmente do coração feminino, das mães, como sacerdotisas de seus lares.

Em vez de formar uma Igreja "triunfante" contra as outras, temos que fazer uma ideia triunfante nos corações, sem nos importarmos com os rótulos. Em lugar de um partido vitorioso, temos que vencer em todos os partidos, em todas as escolas e igrejas.

Como trabalhar para esse ideal?

Pelo livro, pelo jornal, pelo rádio, pelo cinema, e, acima de tudo, pelo exemplo.

Em lugar de uma organização político-religiosa à imagem e semelhança das que já existem, fundemos novas editoras, novas estações de rádio, grupos de propagandistas, asilos, abrigos, escolas, ou ajudemos aos que já existem.

Traduzamos todos os bons livros que existem em outras línguas para a nossa e os nossos para outras línguas. Publiquemos toda essa imensa literatura em Esperanto e espalhemo-la pelo mundo inteiro.

Há um trabalho imenso esperando por nós. Deixemos a outros a triste tarefa de demolir ou discutir questiúnculas teológicas. Temos muito que construir. A Humanidade sofredora e descrente merece todos os nossos esforços, toda a nossa dedicação. Não nos percamos nas fátuas discussões acadêmicas, nas polêmicas estéreis, nas lutas negativas; tentemos construir algo de positivo nos corações e nas inteligências. A nossa oportunidade é única: a Humanidade está saindo andrajosa e ensanguentada de uma de suas maiores experiências combativas, de uma de suas manifestações de força organizada. Bastam essas experiências!          '

Nossa obra é diferente; não nos deixemos tragar pelas tradições do passado, porque o passado já nos deu o que podia: lutas e ódios; ódios e novas lutas; divisões e perseguições, perseguições e divisões; milênios perdidos em discussões teológicas, discussões teológicas que se renovam em outros milênios!

Repitamos que o ideal da Terceira Revelação não é formar uma grande Igreja, mas, ao contrário disso, tornar desnecessárias as grandes Igrejas e erguer em cada coração um altar, em que arda sempre a pira sagrada do amor fraterno, destruindo o egoísmo, o orgulho, a vaidade, as rivalidades; os preconceitos.



Cristiano Agarido

(Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Junho 1945

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