sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SÁBIA PROVIDÊNCIA


“Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial”. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, Item 11

A natureza nos leva ao esquecimento do passado exatamente para aprendermos a descobrir em nosso mundo interior as razões profundas de nossos procedimentos, através da análise dos pendores e impulsos, interesses e atrações que formam o conjunto de nossas reações denominadas tendências.
A natureza nos presenteia com o mecanismo natural do esquecimento para que tenhamos a mínima chance e condição de elaborarmos essa autorreflexão, descobrirmos as motivações que sustentam nossos vícios milenares e conseguirmos a formação de reflexos afetivos novos.
Com a presença das recordações claras sobre os acontecimentos pretéritos, a mente estacionaria na vergonha e no remorso, no rancor e na maga, sem um campo propício para o recomeço, estabelecendo torvelinhos de desequilíbrio como os dramas que são narrados pelas vias psicográficas da literatura espírita.
Agenor Pereira, devotado seareiro espírita, encontrava-se desalentando com seus progressos na melhoria espiritual. Ansiava por ser alguém mais nobre e não cultivar sentimentos ruins ou permitir-se impulsos que lhe oneravam consciencialmente. Fazia comparações com outros confrades e sentia-se o pior de toda a face às vitórias ou ao estado de alegria que demonstravam frente à vida.
Pensava ser o mais hipócrita dos espíritas. Angustiava-se com a ideia de ter tanto conhecimento e fazer tão pouco.
Desanimado consigo mesmo após um momento de crise, pediu ajuda aos bondosos guias espirituais. Ao anoitecer, fizera uma prece de desabafo apresentando ao Pai o seu cansaço com a reforma interior. Ao sair do corpo físico, foi levado por seu “amigo familiar” a uma caverna escura e fétida na qual se arrastavam diversos sofredores no lamaçal psíquico do vício. Agenor teve um súbito desfalecimento e foi então, por sua vez, conduzido ao Hospital Esperança. Após recuperar-se, foi-lhe dado à oportunidade de consultar uma resumida ficha que dava notas sobre suas vivências reencarnatórias, o que passou a ler nos seguintes termos:
“Agenor Pereira, agora reencarnado, peregrinou nas últimas seis existências por lamentáveis falências no terreno do sexo e de infidelidade afetiva. Somando-se o tempo, entre encarnações e desencarnações, esse período já conta seiscentos anos de viciações, desvarios e desenlaces prematuros. Foi retirado da caverna das viciações e amparado por equipes socorristas no Hospital Esperança. Sua tendência prejudicou mulheres honradas, corrompeu autoridades para aprisionar maridos traídos, deixou crianças abandonadas em razão da destruição de suas famílias. Sua insanidade provocou ódio e repulsa crimes e infelicidade. Face aos elos que os unem nos tempos, Eurípedes Barsanulfo avalizou-lhe o regresso ao corpo físico com a condição de ser a última existência com certas concessões para o crescimento em clima provacional educativo.
Sua grande meta existencial nessa última chance será vencer suas tendências aventureiras e imaturas. Conhecerá a Doutrina Espírita, receberá uma companheira confidente e terá as regalias de um lar em paz. Sua única e essencial vitória será o controle de suas impulsões maléficas, a fim de que seja, em posteriores existências, recambiado ao proscênio dos crimes cometidos na reedificação das almas que prejudicou”.
Na medida em que Agenor lia a ficha, imagens vivas lhe saltavam do campo mental como se estivesse assistindo a cenas daquilo que fez. Terminada a leitura, um imenso sentimento de paz invadiu lhe a alma e pode perceber com clareza que seu anseio de reforma, inspirado em “modelos de perfeição espírita”, na verdade, estava lhe prejudicando o esforço. Estava desejando a santificação, eis seu erro. Regressaria ao corpo mais feliz consigo e, embora não fosse desistir de ser alguém melhor, retiraria contra si mesmo o hábito enfermiço das cobranças injustificáveis e ferrenhas que lhe conduziam ao desânimo e desolação. Pararia com as comparações recheadas de baixa autoestima e buscaria operar uma reavaliação totalmente sua, singular, única. Antes de retornar, consultou seus instrutores sobre os motivos pelos quais havia sido levado àquela caverna fétida. Foi então esclarecido:
“Agenor, você foi retirado daquele lugar antes do retorno ao corpo depois de mais de quarenta anos de dor. Ali se encontra também a maioria das pessoas a quem prejudicou presas pelo ódio e más recordações do passado. Certamente, eles dariam tudo para terem um cérebro a fim de esquecerem o que lhes sucedeu por um minuto que seja”.
Diante disso, Agenor ruborizou-se e regressou imediatamente ao corpo.
Pensava no quanto a misericórdia o havia beneficiado logo a ele que se fazia o pivô de um processo de atrocidades!
Ao despertar na vida corporal trazia na alma um novo alento. Não guardava lembranças precisas, mas sabia-se muito amparado. Valorizava agora seu esforço e desejava abandonar de vez os estereótipos, fazendo o melhor de si. Amava com mais louvor o lar. Guardava na alma a impressão de que uma “missão” o aguardava para o futuro e concentraria esforço em manter-se íntegro nos seus ideais. Suas sensações e sentimentos são sintetizados na fala sábia do codificador: “Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal.”. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. (01)
Que a historieta de nosso Agenor sirva de estímulo a todos nós em transformação. Se não conseguimos ainda eliminar certos ímpetos inferiores, mas evitamos as atitudes que deles poderiam nascer, guardemos na alma a certeza de que estamos no caminho do crescimento arando o terreno para uma farta semeadura no futuro. Esperar colher sem plantar é ilusão. Não nos libertaremos dos grilhões do pretérito somente apenas na base de contenção e disciplina, contudo, esse pode ser um primeiro e muito precioso passo para muitos corações.
Muitos aprendizes inspirados nas proposituras espíritas equivocam-se ostensivamente. Querem perfeição a baixo custo e entregam-se a “reforma de metade”. Insatisfeitos com os parcos resultados de seus esforços, atiram-se a auto avaliações impiedosas e descabidas. Terminam em desistência, através de fugas, bem elaboradas pelas sombras dinâmicas e dotadas de “inteligência” que residem em sua subconsciência.
Sábia providência, o esquecimento do passado. “... outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas”. Com a consciência temos o rumo correto para aplicarmos o esforço educativo, com as tendências instintivas, temos as boias sinalizadoras para que saibamos nos conduzir dentro desse rumo. Em uma temos o futuro, em outra temos o passado cooperando para não desviarmos novamente do que nos espera.
Uma pálida noção do que fez Agenor em outras vidas, nessa situação especifica, lhe fez muito bem. No entanto, imaginemos se ele, ao regressar ao corpo, trouxesse a recordação de que sua mãe teria sido uma dessas mulheres traídas, como se sentiria? Que seus filhos fossem algumas daquelas crianças abandonadas pelas famílias por ele destruídas, como reagiria? Ou então que viesse, a saber, que aqueles maridos traídos estavam agora ao seu lado, dividindo as tarefas doutrinárias em fortes crises de ciúme e ressentimento?
Se lembrássemos das vivências que esculpiram no campo mental as tendências atuais, ficaríamos certamente na costumeira atitude defensiva, responsabilizando pessoas e situações pelas decisões e comportamentos que adotamos. Com isso, fugiríamos mais uma vez de averiguar com coragem nossa parcela de compromissos, nos insucessos de cada passo, e de recriar nossas reações perante os condicionamentos. Não sabendo a origem exata das nossas tendências, ficamos entregues a nós mesmos sem poder culpar a ninguém, nem a nada. Temos em nós o resultado de nossas obras, eis a lei.
Quando atribuímos ao passado algo que não conhecemos ou conseguimos compreender sobre nossas reações e escolhas, estamos nos furtando da investigação nem sempre agradável que deveríamos proceder para encontrar as razoes de tais sentimentos na vida presente. O que sentimos hoje tenha raízes no pretérito distante ou não, é do hoje e deve ser tratado como algo que guarda uma matriz na vida presente, que precisa de reeducação e disciplina. Assim nos pronunciamos porque muitos conhecedores da reencarnação, a pretexto de distanciarem-se da responsabilidade pessoal, emprestam a teoria das vidas passadas uma explicação para certos impulsos da vida presente, desejosos de criar um álibi para desonerá-los das consequências de seus atos hodiernos. É o medo de terem que olhar e assumir para si mesmo que, venha do passado ou não, ainda sentem o que não gostariam de sentir e querem o que gostariam de não querer. Além disso, com essa postura, deixamos a nós mesmos uma mensagem subliminar do tipo: “nada podemos fazer pela identificação desse impulso”, gerando acomodação e a possibilidade de novamente falhar.
Toda vivência interior ocorre porque o nosso momento de conhecê-lo é agora, do contrário não a experimentaríamos. Para isso não se torna necessário uma regressão às vidas anteriores na busca de recordações claras. Se pensarmos bem, vivemos imersos em constante “regressão natural” controlada pela Sábia Providência. Via de regra, estamos aprisionados ainda ao palco das lutas que criamos ou fruindo os benefícios das escassas qualidades que desenvolvemos.
Viver o momento é viver a realidade. Por necessidades de controlar tudo, caminhamos para frente ou para traz em lamentável falta de confiança na vida e em seus “Sábios Regimentos”.
A pensadora Louise L. Hay diz que o passado é passado e não pode ser modificado. Todavia, podemos alterar nossos pensamentos em relação ao passado. (02)
Essa a finalidade do esquecimento: alterar o que sentimos e pensamos, sob a imensa coação dos instintos e tendências que ainda nos inclinam a retroceder e parar no “tempo evolutivo”.

ERMANCE DUFAUX
Livro: Reforma Íntima sem Martírio

12 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, item 11.
13 VOCE PODE CURAR A SUA VIDA, Louise L. Hay – Pág. 24 (4ª edição), Editora Best Seller

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