A intromissão dos Espíritos enganadores nas comunicações escritas é uma das maiores dificuldades do Espiritismo. Sabe-se, por experiência, que eles não têm nenhum escrúpulo em tomar nomes supostos e até mesmo nomes respeitáveis. Há meios de os afastar? Eis a questão. Para isto, certas pessoas empregam aquilo que poderíamos chamar processos, isto é, fórmulas particulares de evocação, ou espécies de exorcismo, como por exemplo, faze-los jurar em nome de Deus que dizem a verdade, fazê-los escrever alguma coisa, etc. Conhecemos alguém que, a cada frase, obriga um Espírito a assinar o nome. Se este é o verdadeiro, escreve-o sem dificuldade, se não o é, pára ao meio, sem poder concluí-lo. Vimos essa pessoa receber comunicações as mais ridículas, de Espíritos que assinavam um nome falso com grande aprumo. Outras pessoas pensam que um meio eficaz é fazer confessar Jesus encarnado ou outros princípios da religião.
Pois bem, declaramos que se alguns Espíritos um pouco mais escrupulosos se detêm ante a idéia de um perjúrio ou de uma profanação, outros juram tudo o que quisermos, assinam todos os nomes, riem-se de tudo e afrontam a presença dos mais venerados signos, de onde se conclui que entre as coisas que podem ser chamadas processos não há nenhuma fórmula e nenhum expediente material que possa servir de preservativo eficaz.
Neste caso dir-se-á que nada há a fazer, senão deixar de escrever. Este meio não seria melhor. Longe disto, em muitos casos seria pior. Dissemos, e nunca seria demais repeti-lo, que a ação dos Espíritos sobre nós é incessante e não é menos real pelo fato de ser oculta. Se ela deve ser má, será ainda mais perniciosa, por isso que o inimigo estará escondido. Pelas comunicações escritas este se revela, se desmascara, ficamos sabendo com quem tratamos e podemos combate-lo.
Mas, se não há nenhum meio de o desalojar, que então? Não dissemos que não haja nenhum meio, mas unicamente que a maior parte dos meios empregados são inoperantes. Eis a tese que nos propomos desenvolver.
É preciso não perder de vista que os Espíritos constituem todo um mundo, toda uma população que enche o espaço, circula ao nosso lado, mistura-se em tudo quanto fazemos. Se se viesse a levantar o véu que no-los oculta, vê-los-íamos em redor de nós, indo e vindo, seguindo-nos, ou nos evitando, segundo o grau de simpatia. Uns indiferentes, verdadeiros vagabundos do mundo oculto, outros muito ocupados, quer consigo mesmos, que com os homens aos quais se ligam, com um propósito mais ou menos louvável, segundo as qualidades que os distinguem. Numa palavra, veríamos uma réplica do gênero humano, com suas boas e más qualidades, com suas virtudes e seus vícios. Esse acompanhamento, ao qual não podemos escapar, porque não há recanto bastante oculto para se tornar inacessível aos Espíritos, exerce sobre nós, malgrado nosso, uma influência permanente. Uns nos impelem para o bem, outros para o mal. Muitas vezes as nossas determinações são resultado de sua sugestão. Felizes de nós, quando temos juízo bastante para discernir o bom e o mau caminho por onde nos procuram arrastar.
Dado que os Espíritos são apenas os próprios homens despojados do seu invólucro grosseiro, ou almas que sobrevivem aos corpos, segue-se que há Espíritos desde que há seres humanos no Universo. São uma das forças da Natureza e não esperaram que houvesse médiuns escreventes para agir. A prova disso é que, em todos os tempos, os homens cometeram inconseqüências, razão por que dizemos que sua influência independe da faculdade de escrever. Esta faculdade é um meio de conhecer aquela influência; de saber quais são os que vagueiam em redor de nós, que se ligam a nós. Pensar que nos podemos subtrair a isto, abstendo-nos de escrever, é fazer como as crianças que fechando os olhos pensam escapar a um perigo. Ao nos revelar aqueles que temos por companheiros, como amigos ou inimigos, a escrita nos oferece, por isso mesmo, uma arma para os combater, pelo que devemos agradecer a Deus. Em falta da visão para reconhecer os Espíritos, temos as comunicações escritas, pelas quais eles mostram o que são. Isto é para nós um sentido que nos permite julgá-los. Repelir esse sentido é comprazer-se em ficar cego e exposto ao engano sem controle.
A intromissão dos maus Espíritos nas comunicações escritas não é, portanto, um perigo do Espiritismo, pois, se perigo há, não depende dele e é permanente. Nunca estaríamos suficientemente persuadidos desta verdade. Há apenas uma dificuldade, da qual, entretanto, fácil é triunfar, se a isto nos dedicarmos de maneira conveniente.
Podemos estabelecer como principio que os maus Espíritos aparecem onde alguma coisa os atrai. Assim, quando se intrometem nas comunicações, é que encontram simpatias no meio onde se apresentam ou, pelo menos, lados fracos que esperam aproveitar. Em todo caso está visto que não encontram uma força moral suficiente para repeli-los. Entre as causas que os atraem devemos colocar, em primeiro lugar, as imperfeições morais de toda espécie, porque o mal sempre simpatiza com o mal. E em segundo lugar, a demasiada confiança com que são acolhidas as suas palavras.
Quando uma comunicação denota uma origem má, seria ilógico inferir daí uma paridade necessária entre o Espírito e os evocadores. Freqüentemente vemos pessoas muito honestas expostas às velhacarias dos Espíritos enganadores, como acontece no mundo com as pessoas decentes, enganadas pelos patifes. Mas quando tomamos precauções, os patifes nada têm a fazer; é o que acontece também com os Espíritos. Quando uma pessoa honesta é por eles enganada, pode sê-lo por duas causas. A primeira é uma confiança absoluta, que a leva a prescindir de todo exame. A segunda é que as melhores qualidades não excluem certos lados fracos, e dão entrada aos maus Espíritos desejosos de descobrir as menores falhas da couraça. Não falamos do orgulho e da ambição, que são mais do que entraves: falamos de uma certa fraqueza de caráter e, sobretudo, dos preconceitos que esses Espíritos sabem explorar com habilidade, lisonjeando-os. É por isto que eles usam todas as máscaras, a fim de inspirar mais confiança.
As comunicações francamente grosseiras são as menos perigosas, pois a ninguém podem enganar. As que mais enganam são as que têm uma falsa aparência de sabedoria ou de seriedade, numa palavra, a dos Espíritos hipócritas e pseudo-sábios. Uns podem enganar de boa-fé, por ignorância, ou por fatuidade; outros só agem por astúcia. Vejamos qual o meio de nos desembaraçarmos deles.
A primeira coisa é não os atrair e evitar tudo quanto lhes possa dar acesso. Como vimos, as disposições morais são uma causa preponderante. Entretanto, abstração feita dessa causa, o modo empregado não deixa de ter influência. Há pessoas que têm por princípio jamais fazer evocações e esperar, a primeira comunicação espontânea saída do lápis do médium. Ora, se nos recordamos daquilo que ficou dito sobre a massa muito variada dos Espíritos que nos cercam, compreendemos sem dificuldade que isso é colocar-se à disposição do primeiro que vier bom ou mau. E como nesta multidão os maus predominam em número sobre os bons, há mais oportunidade para os maus. É exatamente como se abríssemos a porta a todos os que passam pela rua, ao passo que pela evocação fazemos a escolha e, cercando-nos de bons Espíritos, impomos silêncio aos maus, que poderão, apesar disto, procurar por vezes insinuar-se. Os bons chegam mesmo a permiti-lo a fim de exercitar a nossa sagacidade em reconhecê-los. Neste caso sua influência será nula.
As comunicações espontâneas têm uma grande utilidade quando temos a certeza da qualidade dos nossos acompanhantes. Então freqüentemente nos devemos felicitar pela iniciativa deixada aos Espíritos. O inconveniente está apenas no sistema absoluto, que consiste em nos abstermos do apelo direto e das perguntas.
Entre as causas que influem poderosamente sobre a qualidade dos Espíritos que freqüentam os Centros, não deve ser omitida a natureza das coisas de que ali se trata. Aqueles que se propõem um fim sério e útil atraem por isso mesmo Espíritos sérios. Os que não visam senão a satisfazer uma vã curiosidade ou seus interesses pessoais, expõem-se pelo menos a mistificações, senão a algo pior. Em resumo, das comunicações espíritas podemos tirar os mais sublimes e os mais úteis ensinamentos, desde que os saibamos dirigir. Toda a questão está em não nos deixarmos levar pela astúcia dos Espíritos zombadores ou malévolos. Ora, para isto o essencial é saber com quem tratamos. Para começar, ouçamos a respeito os conselhos que o Espírito de São Luís dava à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, através do Sr. R..., um dos seus bons médiuns. Trata-se de uma comunicação espontânea, recebida em sua casa, com a missão de transmiti-la à Sociedade:
"Por maior que seja a legítima confiança que vos inspiram os Espíritos que presidem aos vossos trabalhos, é recomendação nunca por demais repetida que deveis ter sempre presente em vossa mente, quando aos entregardes aos vossos estudos: pesai e refleti; submetei ao controle da razão a mais severa todas as comunicações que receberdes; desde que uma resposta vos pareça duvidosa ou obscura, não vos esqueçais de pedir os necessários esclarecimentos para vos orientardes.
"Sabeis que a revelação existiu desde os tempos mais remotos, mas foi sempre apropriada ao grau de adiantamento dos que a recebiam. Hoje não se trata de vos falar por imagens, e parábolas: deveis receber nossos ensinamentos de uma maneira clara, precisa, e sem ambigüidades. Seria, entretanto, muito cômodo nada ter que perguntar para esclarecer; aliás, isto seria fugir às leis do progresso, que presidem a evolução universal. Não vos admireis, pois, se, para vos deixar o mérito da escolha e do trabalho, e também para punir as infrações que possais cometer aos nossos conselhos, seja por vezes permitido que certos Espíritos, mais ignorantes que mal intencionados, venham responder, em certos casos, às vossas perguntas. Em vez de ser isto um motivo de desencorajamento, deve ser um poderoso excitante para que procureis ardentemente a verdade. Ficai, pois, bem convictos de que, seguindo este caminho, não podereis deixar de chegar a resultados felizes. Sede unidos de coração e de intenção; trabalhai todos; procurai, procurai sempre e achareis".
Revista Espírita, setembro de 1859.
Tenha um ótimo final de semana!
ResponderExcluirBeijos
Mari