EM HOMENAGEM AOS 99 ANOS DE NASCIMENTO DE CARLOS PASTORINO
Luc. 17:11-19
11. E aconteceu, ao viajar para Jerusalém, que ele passou no meio da Samaria e da Galiléia.
12. E entrando ele em certa aldeia, vieram-(lhe) ao encontro dez homens leprosos que pararam de longe,
13. e elevaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, compadece-te de nós.
14. E, vendo-os, disse-lhes: "Indo, mostrai-vos aos sacerdotes". E aconteceu que ao irem foram limpos.
15. Um deles porém, vendo que fora curado, regressou e, em alta voz, glorificou a Deus
16. e caiu com o rosto em terra junto aos pés dele, agradecendo-lhe: e este era samaritano.
17. Respondendo, pois, disse Jesus: "Não foram limpos os dez? Onde estão os nove?
18. Não se achou quem voltasse, dando graças a Deus, senão este estrangeiro"?
19. E disse-lhe: "Levanta-te e vai; tua fidelidade te salvou".
As traduções correntes trazem que Jesus passou pela divisa entre a Samaria e a Galiléia", na viagem da Galiléia a Jerusalém. Isto porque - dizem a expressão grega dià mêson, "pelo meio", deve querer significar isso. Vejamos um texto: dià meson: hic solum dià localiter cum accusativo: "per"; loco verbis anà meson, per medium; sensus debet esse: inter Samariam et Galileiam" (Max Zerwick. S. I., "Análysis Philológica", Romae, 1960), que significa: "dià meson: somente aqui uso locativo com acusativo: por"; em lugar das palavras anà meson, pelo meio"; o sentido deve ser: entre a Samaria e a Galiléia.
Não se chega a compreender. Parece-nos claro, entretanto, que o sentido está explícito: pelo meio, pelo centro, da Galiléia e da Samaria. Realmente, havia três caminhos para ir-se de Cafarnaum a Jerusalém:
O primeiro seguia pelo vale do Jordão, margeando o rio, mas em território samaritano; o segundo pelo meio das duas províncias, passando por Naim, Citópolis, Kesaboth (a última aldeia galiléia ao sul), Ginaia (a primeira cidade samaritana ao norte, cfr. Flávio Josefo, Bell. Jud. 3, 3, 1, 4), a planície de Gizreel, Sicar, etc.; a terceira pelo litoral mediterrâneo, passando pelo Carmelo, por Joppe, Cesaréiasobre-o-mar, Cafar-Saba, etc.
Uma única coisa não era humanamente possível: ir de Cafarnaum a Jerusalém passando ENTRE a Galiléia e a Samaria, caminhando pelas fronteiras das duas províncias. E isso pela simples razão geográfica, de que o limite entre a Galiléia e a Samaria seguia uma linha leste-oeste, e entre Cafarnaum e Jerusalém o caminho tinha que ser norte-sul (cfr. Gustave Dalman, Les Itinéraires de Jesus", Paris, Payot, 1930, págs. 276 ss). Não obstante, as traduções mantêm essa impropriedade.
"Ao entrar em certa aldeia", tem um sentido amplo: antes de entrar, pois a lei (Lev.13:45-46) proibia os leprosos de penetrarem em lugares habitados. Qual a aldeia? Tarbeneth, ‘Affoule, El-Foule, Sólem?
Impossível determinar. Mas, pelo número, vemos que devia estar ainda em território galileu, onde um samaritano podia bem misturar-se aos nove judeus doentes. O contrário, ou seja, nove judeus leprosos viverem em território samaritano, é que não teria sido possível.
Figura OS DEZ LEPROSOS - Desenho de Bida, gravura de Éd. Hédouin
Os dez vêm ao encontro de Jesus, mas param a distância, pedindo misericórdia" (eléêson) e dando-lhe o título de epistáta, "mestre", termo só usado por Lucas (em 5:5; 8:24, 45e 9:33, 49; cfr. vol. 2 e vol. 4).
Jesus manda que se vão mostrar aos sacerdotes, para verificação da cura, conforme ordenado na lei (Lev. 13:2 e 14:2), ação diferente do que ocorrera em Luc. 5:12-14, onde a ordem foi posterior à cura, que se realizou imediatamente.
Crendo, eles obedeceram. Ainda em caminho, obtiveram a catarse ou purificação (katharízô é a express ão técnica para a cura da lepra).
Ao ver-se curado, um deles regressa incontinente e lança-se aos pés de Jesus, "glorificando a Deus" a agradecendo (eucharistôn) a Jesus. Fato semelhante ocorreu entre o sírio Naaman (2.º Reis, 5:15) que voltou para agradecer a Eliseu a cura da lepra.
Mas o único que manifestou essa gratidão era samaritano, e Jesus o assinala: não eram dez? E só o estrangeiro voltou?
Dirige-se, então, a ele e carinhosamente manda que se levante e vá para sua casa. E acrescenta: tua fidelidade te salvou, te tornou incólume.
Ainda uma vez divergimos, embora levemente, das traduções correntes, que trazem "tua fé te curou, ou te salvou". O grego diz: hê pístis sou sésôkén se. Já verificamos que o verbo sôizó (cfr. vol. 3) apresenta dificuldade na tradução, porque, na realidade, não é a salvação espiritual, mas a libertação a que se refere: "salvar da prisão", socorrer, "salvar de uma queda", amparar "salvar da miséria", curar "salvar da doença", defender, "salvar do ataque, tornar incólume" ao mal, etc. A "fé", todos os dez a tiveram, tanto que foram curados. Mas a fidelidade de voltar e agradecer, só o samaritano a teve. Também curados todos o foram. Mas o acréscimo merecido por uma fidelidade maior, é a salvação da doença, isto é, o tornar-se "incólume" ao mal físico.
Jesus chama ao samaritano "estrangeiro" (allótropos, ou seja, natural de outro lugar, "alienígena") porque, de fato, a Samaria fora povoada por colonos assírios, provenientes da Mesopotâmia (cfr. 2.º Reis, 17:24-30).
Eis outra grande lição, apresentada por meio de um fato que, não há dúvida, deve ter ocorrido, mas cujas aparências de acontecimento externo constituem uma alegoria transparente para nossa prática evolutiva.
Jesus (a individualidade) vai para Jerusalém (cidade da adoração, centro das religiões ortodoxas) e atravessa a Galiléia (o "jardim fechado") e a Samaria (a "vigilância"). Assim, todas as vezes que o discípulo da "Assembléia do Caminho" se dirige aos ambientes profanos, embora religiosos, deve precaver-se com redobrada vigilância no horto recluso do Eu profundo.
Infalivelmente será reconhecido pelos enfermos e "leprosos" espirituais, expulsos das comunidades religiosas, que não podem frequentar, por serem julgados "pecadores" e "excomungados" perigosos, capazes de desviar (contaminar) as "santas e puras" ovelhas do rebanho fiel.
Reconhecido, recebe o título de "mestre", não no sentido de Rabbi, mas de epistáta, o que "está acima" e pode ensinar a doutrina e dominar (cfr. vol 4). A compaixão implorada dá a idéia de que provocará uma cura imediata, fazendo-se que eles entrem para o grupo do iniciado. Cuidado! Jesus mostra-nos que esse modo de agir está errado. Seja qual for o grupo religioso a que pertençam (judeus ou samaritanos) devem ser encaminhados para seus sacerdotes, e não desviados antes do tempo para ingressar na senda. São criaturas ainda submetidas ao carma religioso ortodoxo, e por isso não convém sejam daí arrancadas. Aos sacerdotes dos cultos "oficiais" é que devem obedecer.
Não obstante ficarem limpos dos erros, o caminho deve prosseguir "em saltos arriscados para eles mesmos.
Um deles, todavia, que já possuía dentro de si a "vigilância" o "samaritano" abandona os companheiros e volta a Jesus espontaneamente, verificando-se que, por estar "desperto", pode conseguir, depois da catarse, a metánoia e a eucaristia: a observação das palavras do original grego nos despertam para esse sentido mais profundo. Vemos, então, que na posição de total humildade épesen (caiu) epípsósôpon (sobre o rosto) parà toú pódas autoú (junto aos pés dele) eucharístôn autôi (agradecendo a ele), isto é unindo-se vibratoriamente em comunhão espiritual.
O único capaz disso e o “estrangeiro” (isto é, o nascido de outro lugar), o "samaritano" (ou seja, o "vigilante", o "acordado", o “desperto"). Os demais “judeus" (religiosos ortodoxos) não têm capacidade para afastar-se dos dogmas de suas religiões.
A lição é sublinhada para que se não perca: onde estão os outro, nove curados? Só este alienígena regressou. Só o que provinha de outra fonte espiritual.
A frase final é maravilhosa: levanta-te ("eleva-te acima de ti mesmo") e vai (segue em frente); essa tua fidelidade à ação divina te tornou incólume ao mundo terreno, com suas deficiências e moléstias.
Tenhamos, pois, muito cuidado em nosso modo de tratar os que nos pedem socorro, aqueles que, unidos a seu personalismo, ainda perambulam pelas plagas inóspitas e traiçoeiras de um planeta de provações.
O exemplo está claro.
Aos membros das "Escolas" é permitido perambularem por entre os religiosos ortodoxos, e recebem a força capaz de curar os enfermos. Mas são alertados para que não queiram agregá-los a si, num proselitismo perigoso: deixem que cumpram e terminem seu curso de aprendizado nos "colégios" em que foram matriculados pela Vida.
Mesmo aqueles que estão "despertos" não devem ser aceitos de imediato: sigam seu caminho para a frente, elevando cada vez mais suas vibrações: em outras vidas posteriores, chegará a hora deles, assinalada naturalmente no relógio divino.
Carlos Pastorino
Sabedoria do Evangelho 6
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