quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O CORPO FLUÍDICO DE JESUS


 Os excelentes artigos escritos por Bezerra de Menezes com o pseudônimo Max, para “O Paiz” foram posteriormente enfeixados em 3 volumes que a Federação Espírita Brasileira editou, no ano de 1907, sob o título “Espiritismo – Estudos Filosóficos” todos são extraordinários, não fora seu autor o “Kardec Brasileiro”. Por isso mesmo, a Casa de Ismael está preparando uma nova edição da obra, na convicção de que os espíritas apreciarão sobremaneira possuí-la em sua estante, com o selo da FEB, da qual Bezerra de Menezes foi Presidente. Antecipando essa promessa, o Reformador” pública, a seguir, um dos capítulos já revistos, precisamente aqueles em que, dentre outros, a questão do corpo fluídico de Jesus é defendida pelo “Médico dos Pobres”.

Pareceu-nos sempre repugnante a fórmula sacramentária de estar Jesus, corpo, sangue e alma, consubstanciado na hóstia consagrada.
Se fosse um símbolo, nada opor-lhe-ia nossa razão; mas a igreja impõe aos fiéis à crença de que recebem na hóstia e pela hóstia o corpo e a alma do Cristo, tão real e perfeitamente como está no céu.
A fé passiva o que pode opor a tão formal imposição de quem tem o dom da infalibilidade em matéria dogmática?
O crente fanatizado o que pode divisar em semelhante fórmula, senão a manifestação de uma verdade absoluta?
A razão, porém, clama e clamará sempre contra todo dogma que envolva monstruosidade ou absurdo.
O pensador, embora crente, não admite que a suma perfeição se manifeste sob forma impura.
Aquele dirá: credo guia absurdo; enquanto este protestará, clamando: nihil absurdum a Deo.             
Ora, será racional que um Espírito tão elevado, tão puro, tão perfeito, que a igreja crê e manda crer que é um Deus; a segunda pessoa da trindade divina se imiscua se consubstancie com a matéria, de modo que se ache todo nesta?
Jesus é esse Espírito puro e santo, e, no entanto, ei-lo aí todos os dias dado e recebido sob a forma material!
Argumenta-se com as suas próprias palavras, que foram o fundamento do sacramento da eucaristia, pronunciadas na ceia, em que denunciou a traição e o traidor; argumenta- -se com estas palavras que foram: eis o meu corpo, apresentando o pão que havia benzido; eis o meu sangue, apresentando o vinho, também depois de havê-lo benzido.
Com efeito, conclui-se daí que Jesus corporizou-se no pão e no vinho, donde a naturalidade de sua corporização na hóstia consagrada.
É, porém, sabido que o divino Mestre usou sempre da parábola; de linguagem figurada, principalmente quando se referia ao que podemos chamar a parte dogmática de seus ensinamentos.
E isto é devido a não ter a humanidade de seu tempo a precisa clareza intelectual para compreender leis e fenômenos de esfera superior.
Ele dava o ensino sob a figura, para que, mais tarde, quando a humanidade já possuísse mais clara compreensão das coisas, entendesse esse espírito e verdade.
Um exemplo: nós ensinamos a nossos filhos, em criança, o Credo ou símbolo dos apóstolos; mas não Ihes explicamos, porque seria inútil, o sentido ou valor daquelas palavras.
Eles, porém, as guardam de memória, e quando sua faculdade de compreender já tem adquirido o necessário vigor, esse é o tempo em que eles apreciam, em espírito e verdade, aquelas palavras que Ihes ensinamos.
As que Jesus proferiu, quando consagrou o pão e o vinho, foram simbólicas, não podiam ser tomadas, naquele tempo, senão literalmente; mas elas encobriam alto ensinamento para quando a humanidade pudesse compreender as coisas em espírito e verdade, e não mais segundo a letra.
A igreja, recebendo a tradição literal, guardou-há até nosso tempo; mas a igreja de nosso tempo já devera ter compreendido que a corporização de um espírito como o Cristo é absurdo, e, pois devia ter posto de parte a letra e procurado o espírito daquele símbolo.
Se o tivesse feito, como lhe cumpria, mais que a qualquer outro, teria reconhecido que o corpo e o sangue de Jesus, dados a comer e a beber aos apóstolos, são o símbolo de sua doutrina, cujo ensino foi, por aquela cerimônia, confiado àqueles homens.
Se o tivesse feito, como lhe cumpria, teria reconhecido que um Deus não precisava materializar-se, para influir sobre o homem.
Deus, Espírito, influi sobre o homem, Espírito imaterialmente, por sua vontade, por um raio de sua luz.
Para que deixar-nos Jesus o seu corpo e o seu sangue, quando a virtude de seu Espírito está sempre conosco?
Ele, o espiritualista por excelência, consagrar fórmulas materialistas, sem necessidade e até contra seus próprios ensinos!
Como fica claro, racional e sublime considerar o pão e o vinho dados pelo Mestre como o símbolo de sua doutrina, que confiou a seus discípulos como a expressão de sua última vontade?
Recebeu-a Jesus sob a forma de pão, quando Jesus pode-se nos dar sob a forma imaterial, por seu perdão, por sua misericórdia, por seu amor!
Estamos ouvindo redarguir: por que não pode Jesus corporificar-se na hóstia, uma vez que tomou um corpo como o nosso?
Idem por idem! - o mesmo impossível! História do verbo encarnado para a infância da humanidade!
Jesus teve, com efeito, um corpo como o nosso pela forma; mas não pela natureza; teve um corpo fluídico, como tomam os anjos (Espíritos puros) quando descem a nosso mundo.
E é assim que a Virgem não deixou de sê-lo depois do parto, sem necessidade de um milagre, coisa que Deus não pode fazer; porque se o fizesse, transgrediria Suas próprias leis, que são eternas e imutáveis.
Só o imperfeito pode retocar sua máquina!
Ouvimos, ainda, replicarem-nos: então, Jesus não tomou sobre seus ombros os pecados do mundo, não sofreu pela humanidade?
Dizei-nos qual é maior, o sofrimento físico ou o moral?
Se Jesus não teve corpo material para sofrer, teve os sofrimentos mais cruciantes do espírito. E quem nos diz que seu corpo fluídico não se prestava tanto, e porventura mais do que o corpo carnal, à transmissão das sensações materiais?
O que é fora de questão é que repugna à razão o fato de um Espírito divino tomar a carne dos pecadores, e que a concepção espírita de ser fluídico o corpo de Jesus, não somente fala à razão e remove aquela repugnância invencível, como ainda explica, de acordo com as leis naturais, todos os fenômenos da vida do Redentor, e principalmente sua concepção no ventre puríssimo de Maria. Santíssima e seu nascimento, sem que a Mãe deixasse de ser Virgem.
O que é fora de questão é que S. Paulo consagra a doutrina espírita neste ponto, quando diz: que há corpos celestes e corpos terrestres.
Que serão os corpos celestes senão os fluídicos?
*
S. Paulo fala de corpos celestes e de corpos terrestres, que revestem os Espíritos.
Não se pode atribuir-lhe o pensamento de qualificar como corpo celeste o períspirito, certamente distinto do corpo carnal ou terrestre, pois que períspirito tem o Espírito encarnado, como o tem o desencarnado.
Corpo celeste, em oposição a corpo terrestre ou carnal, não pode ser senão de natureza que o torna impossível de coexistir com este, fato que não se dá com o períspirito, indispensável até às relações entre a alma e o corpo do homem.
Além disto, o períspirito acompanha a evolução espiritual, sendo material, pesado e grosseiro, enquanto o Espírito não o é, e desmaterializando-se "pari passu" com este, até tornar-se quase Espírito, até sumir-se, quando o Espírito chega ao estado de completa desmaterialização, que se chama - de puro Espirito.
Ora, falando S. Paulo do corpo que envolve os Espíritos mais elevados: puros Espíritos são óbvios que não se referiu ao períspirito: vestimenta que só usa enquanto não chega aquele grau de elevação, no qual a despe de todo, reduzindo a essência espiritual às três entidades que a constituíram na terra: corpo, períspirito e Espírito.
Se não é, pois, ao períspirito que se refere o apóstolo da caridade, quando fala dos corpos celestes que revestem os Espíritos puros, a que se referirá ele?
 A gênese, iluminada pela nova revelação, esparge a mais clara luz sobre este ponto da ciência, até agora envolto em brumas.
Deus criou um único elemento: matéria cósmica, fluido universal, a qual, evoluindo segundo as leis sábias, eternas e imutáveis, que foram postas, desde o princípio, à criação, dá de si tudo o que constitui o Universo, em todas as suas infinitas espécies e variedades.
É porque só apreciam esta evolução da natureza sem possuírem os instrumentos de penetrarem a causa primária criadora dessa natureza e das Ieis que a regem, que certos sábios acreditam que a natureza é a mãe universal, como de fato; e que é incriada - falso juízo que só tem por si as aparências.
Afirmam o que veem, e têm razão; negam, porém, o que não veem, e não têm razão; porque todos os dias descobrimos leis que não conhecíamos, e, portanto que não deviam existir, pois que antes não as víamos ou percebíamos.
O princípio de proceder tudo da natureza ou da matéria cósmica universal é verdadeiro, e nisto vamos com os materialistas; aquele, porém, de ser a natureza ou matéria cósmica universal existente independente de um criador é um erro, cujo fundamento é palpavelmente insubsistente e até ridículo: e que só é verdade, só existe o que vemos, apreciamos e compreendemos.
Não foi, porém, para discutir esta questão que tomamos a pena e, pois, entremos no nosso assunto.
O fluido universal, origem essencial de todos os seres do Universo, elemento integrante de toda a organização, substância componente de tudo o que existe, por sua condensação ou rarefação, que se der sob a ação das leis a que obedece a forma o reino mineral, o vegetal, o animal; forma os seres do mundo material e os do espiritual.
Compreende-se, pois, que por aquele mecanismo de condensação ele pode dar origem a seres como o Espírito e a seres menos essencializados que o Espírito, porém infinitamente mais que os corpos materiais.
Entre a rocha e a alma ou Espírito, os dois extremos da escala, uma variedade infinita das composições fluídicas.
Os Espíritos grosseiros e atrasados tiram do fluido universal seu revestimento, grosseiro como eles, a que chamamos corpo carnal.
Muito naturalmente os Espíritos mais desmaterializados, por seu progresso, tirarão um revestimento mais leve, mais desmaterializado como eles.
E os puros Espíritos tirarão um tão puro, tão vaporoso, tão essencializado como eles.
Isto é lógico, é racional e a experiência o comprova.
A tradição corrente em todos os povos, desde a mais remota antiguidade, consigna o fato de aparecimento dos mortos aos vivos, fato que nunca poderia dar-se, se o Espírito não vestiu um corpo visível.
A história sagrada refere inúmeros casos de anjos (puros Espíritos) baixarem a terra, para transmitirem a certos homens, justos, o pensamento do Senhor.
Poderão estes anjos revestir-se, para se fazerem visíveis, da mesma matéria que reveste as almas em suas aparições.
O meio donde tiram seus corpos instantâneos é o mesmo, é o fluido universal; mas a qualidade do fluido que escolhem é muito diferente.
As almas serve-se de seus períspiritos, mais ou menos grosseiros, substância colhida no meio comum, que elas condensam e tornam visíveis.
Os anjos, porém, que já não têm períspirito, por que são puros espíritos, precisam tomar, na ocasião, no infinito seio do fluido universal, o que os revista e os torne visíveis.
E como os Espíritos roubam àquela meia substância mais ou menos grosseira, mais ou menos essencializada, segundo seu grau de elevação nas vias do progresso, é óbvio que um Espírito angélico tira do fluido universal a sua mais pura essência; bem se pode dizer: a sua essência espiritual.
É a isto que S. Paulo chamou – corpo celeste - por oposição ao corpo que nos reveste, composto da mesma substância, mas não essencializado, espiritualizado.
De que é verdade o que aí fica exposto, temos a prova nas experiências de William Crookes, que obteve a materialização de um Espírito, ao ponto de tornar-se visível e tangível, tal qual uma pessoa vivente.
Estas agregações do fluido, para constituir um corpo visível, opera-se pela lei dos fluidos, que a ciência de nossos dias ainda ignora; mas que os fatos experimentais já recomendam ao estudo dos sábios, do mesmo modo como tem acontecido em todas as conquistas do saber humano.
Aqui, a ciência já é encaminhada pelas luzes que lhe dão as revelações espíritas.
Assim como o Espírito agrupa os elementos tirados do fluido universal e constitui com eles um corpo, assim, e sempre pelas mesmas leis fluídicas, ele desagrega aqueles elementos e dissolve instantaneamente o corpo fluídico; donde uma gravidez e um parto, com perda da virgindade, verdadeiramente aparente. 

Max     (pseudônimo do Dr. Bezerra de Menezes)
Reformador (FEB) Março 1974

("Espiritismo - Estudos Filosóficos", 1ª edição FEB, 1907, volume 3, págs. 349 a 358.).

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