terça-feira, 29 de maio de 2012

EVENTOS EM CENTRO ESPÍRITA

Bem, leitor, é nesse pé, infelizmente, que as coisas estão. Porém há eventos ainda mais acachapantes.

Durante conferências públicas, certa instituição espírita do Rio não perde tempo e vende sem pestanejar (e sem vergonha) tômbolas e rifas para os presentes. Além de ilegal e repetitiva do que fazem os católicos, a prática é perturbadora do clima espiritual dessas horas e, ainda, constrangedora tanto para o público quanto para o orador. Mas pior é ler artigos de quem se julga com autoridade para orientar, inclusive com livros, o movimento espírita, defendendo a prática do jogo do bingo nas instituições, a fim de angariar  recursos. É lastimável tamanha irresponsabilidade ética e religiosa. E por que não roleta, bacará, vinte-e-um, campista? Todos geram cornucópias de cruzeiros e dólares.

Triste, tristíssimo atalho moral e espiritual.

Continuemos. Certa fraternidade espírita se comprometia a abrir possibilidades para as pessoas vencerem na vida através do diagnóstico mediúnico do olhar. Consulta paga, é obvio... No local do antigo Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel, foi montada, em 1973, a Feira da Primavera.

Conhecida instituição, genuinamente kardecista, armou a sua barraca. Logo na frente, alinhou uma série de garrafas cujas doses eram vendidas em benefício da instituição. Conteúdo: pinga, cachaça. Olhe o leitor que eu disse tratar-se de instituição genuinamente kardecista... Desculpa apresentada quando um verdadeiro espírita estranhou aquele comércio: as garrafas foram doadas...

Se fosse para vender livro, vá lá; mas pastel, banana, torta, linguiça... ah, essa não me desce na garganta. Talvez seja fastio. Fastio principalmente desse alimento putrescente que é o miasma de todos os atalhos. O Reformador de dezembro de 1966, p. 266, publicou valiosa nota condenando os bailes públicos em prol do espiritismo. Vale a pena também reler o artigo estampado na mesma revista de junho de 1948, p. 142, sobre festividades, músicas e bailes nas associações espíritas. Avalio, porém, como a melhor advertência, aquela que se contém na mensagem de Djalma Montenegro de Farias, psicografada por Divaldo Pereira Franco e inserida no Reformador de junho de 1960, pp. 135-136, sob o título "Templo Espírita". Copio dois parágrafos:

Lentamente, vai-se generalizando nos centros espíritas uma prática que é, positivamente, afrontosa ao lema que ostentamos em memória do Codificador do espiritismo: "Fora da Caridade não há Salvação".

         Desejamos referir-nos aos chamados movimentos financeiros, tais como: apelos de dinheiro, venda de rifas, brincadeiras cômicas para aquisição de moedas, concomitante ao serviço de difusão doutrinária, em casas de pregação e assistência.

Nesse sentido recordemos a linguagem vibrante de Jesus aos vendilhões do Templo, em Jerusalém, que transformavam o recinto de oração em balcões de comércio.

Conduta Espírita, André Luiz recomenda, no capítulo 14: "Sustentar a dignidade espírita diante das assembleias, abstendo-se de historietas impróprias ou anedotas reprováveis."

Mas existe outro tipo de promoção, já bem ampla nas hostes espíritas, que extrapola qualquer diretriz do bom senso. É a instituição de dias comemorativos, a exemplo do que faz a Igreja Católica com a distribuição dos santos pelo calendário, a fim de serem efusivamente festejados. Não estou me referindo às datas de fundação das entidades, nem as rememorativas de algum acontecimento inquestionavelmente importante, do ponto de vista histórico, como a reencarnação de Allan Kardec, o lançamento de O Livro dos Espíritos, a descida de Jesus à Terra, etc. Isso é outra coisa. Refiro-me às extravagâncias que não passam de meras bajulações ou marcos estapafúrdios. Por exemplo: entidades, consideradas de bom conhecimento doutrinário, já propuseram, e algumas comemoram, religiosamente, o Dia da Mocidade Espírita (14 de

maio), o Dia da Saudade (5 de outubro, para reverenciar a memória dos médiuns), Dia da Doutrina Espírita (31 de março, transformado em lei estadual), Dia do Médium (30 de maio, este para homenagear os que ainda estão encarnados, e cujo documento foi-me presenteado pelo Divaldo Pereira Franco, então horrorizado com a ideia; e há também o Mês do Médium, que é em agosto, com 30 dias de puxa-saquismo), Dia do Espírita (3 de outubro; e eu que pensei que o espírita fosse espírita todos os dias ... ) e, para encerrar esse folclórico calendário, o Dia da Caridade (19 de julho, transformado na lei federal nº 5036, de 4.7.1966). Este último é hilariante e muito digno das religiões que instituíram cronologia para a salvação, mas, sem dúvida, há de ser repudiado pelos espíritas sérios. Caridade com dia marcado? Onde já se viu isso? Caridade é para ser pensada e praticada em qualquer dia, a qualquer hora, sempre que for possível e desejável. E se se tratar apenas de data evocativa, também de nada vale, pois a evocação desse dever é permanente, como o é a do próprio bem. Já pensaram na hipótese de se criar o Dia do Bem, para que nos lembremos de sermos bons? Por favor, freiem a imaginação e poupem-me o riso (ou o pranto!).

No remate, a advertência de ouro feita por quem tinha verdadeira autoridade - Léon Denis:

O Espiritismo propagou-se, invadiu o mundo. Desprezado, repelido ao começo, acabou por atrair a atenção e despertar interesse. Todos quantos se não imobilizavam na esfera do preconceito e da rotina e o abordaram desassombradamente, foram por ele conquistados. Agora penetra por toda a parte, instala-se em todas as mesas, tem ingresso em todos os lares. À sua voz, as velhas fortalezas seculares - a Ciência e a própria Igreja, até aqui hermeticamente aferrolhadas - arrasam suas muralhas e entreabrem suas portas. Dentro em pouco se imporá como soberano.

Que traz ele consigo? Será sempre e por toda a parte a verdade, a luz e a esperança? Ao lado das consolações que caem na alma como o orvalho sobre a flor, de par com o jorro de luz que dissipa as angústias do investigador e ilumina a rota, não haverá também uma parte de erros e decepções?

O Espiritismo será o que o fizerem os homens. Similia similibus! Ao contato da humanidade as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Podem constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se transforma em lodo.



Fonte: Item 28 de ‘O Atalho - Análise Crítica do Movimento Espírita’ por Luciano dos Anjos

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