“Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” - (João, 3:3)
“E passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” - (João, 9:1-2)
“Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que Jesus lhes falara de João Batista.” - (Mateus, 17: 11.12)
“Quem não renascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” — quem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Na passagem do cego de nascença deduz-se com clareza que, se os apóstolos não partilhassem da crença da reencarnação, não fariam uma pergunta daquela forma: “Quem pecou para que o homem nascesse cego, ele ou seus pais?”. É óbvio que o pecado somente poderia ter sido cometido em vida anterior. Na passagem sobre João Batista, o Mestre deixou bem definido que “o Espírito de Elias estava reencarnado em João Batista”.
Apesar de ter havido, nos primórdios do Cristianismo, muitos doutores da Igreja que esposavam a lei da reencarnação, o apego ao formalismo fez com que esse postulado fosse abandonado, passando a prevalecer o dogma da unicidade da existência do Espírito. Deste modo cumpriu-se a advertência de Jesus: “os edificadores rejeitaram a pedra que deveria servir de esquina”. Na construção do majestoso edifício do Cristianismo, desprezaram a pedra angular: a lei das vidas sucessivas do Espírito.
A crença nas vidas sucessivas é compartilhada por mais da metade da população do mundo, embora para algumas igrejas ela constitua autêntica heresia.
Em épocas imemoriais, os Vedas, no transcurso da iniciação, apregoavam as leis que presidem os chamados mistérios da imortalidade da alma, da pluralidade das existências e dos mundos, e das comunicações dos chamados mortos. O Bramanismo também tinha e tem como base a crença nessa lei. Krishna renovou as doutrinas védicas, ensinando que “o corpo é o envoltório da alma que aí faz a sua morada, sendo uma coisa finita, porém a alma que o habita é invisível, imponderável e eterna”, “quando o corpo entra em dissolução, se a pureza é que predomina, a alma voa para as regiões onde habitam esses seres puros, que têm o conhecimento do Altíssimo. Mas se é dominada pela paixão, a alma vem de novo habitar entre aqueles que estão presos às coisas da Terra”, “todo o renascimento, feliz ou desgraçado, é uma conseqüência das obras praticadas em vidas anteriores”. Krishna afirmou ainda aos seus discípulos: “Tanto eu como vós temos tido vários nascimentos. Os meus, só de mim são conhecidos, porém vós nem mesmo os vossos conhecereis”, “como a gente tira do corpo as roupas usadas e as substitui por novas e melhores, assim também o habitante do corpo (o Espírito), tendo abandonado a velha morada mortal, entra em nova e recém-preparada para ele”.
Buda foi ainda mais incisivo, afirmando: “o que é que julgais, ó discípulos, seja maior: a água do vasto oceano, ou as lágrimas que vertestes quando, na longa jornada, errastes ao acaso, de renascimento em renascimento, unidos àquilo que odiastes separados daquilo que amastes? Uma vida curta, uma vida longa, um estado mórbido, uma boa saúde, o poder, a fraqueza, a fortuna, a pobreza, a ciência, a ignorância, tudo isso depende de atos cometidos em anteriores existências”.
No Egito, aos neófitos, o hierofante falava assim: “Oh! alma cega arma-te com o facho dos mistérios e, na noite terrestre, descobrirás teu dúplice luminoso, tua alma celeste. Segue esse gênio divino e que ele seja teu guia, porque tem a chave das tuas existências passadas”.
A. Dastie, em seu livro “La Vie et la Mort”, afirma que “no Egito a doutrina das transmigrações era representada por imagens surpreendentes. Cada ser tinha o seu duplo. Ao nascer, o egípcio era representado por duas figuras. Durante a vigília as duas individualidades confundem-se numa só; mas durante o sono, ao passo que uma descansa e restaura suas energias, a outra lança-se no país dos sonhos. Não é, entretanto, completa essa separação; só o será pela morte ou, antes, a separação completa é que será a morte. Mais tarde este duplo poderá reencarnar num outro corpo e terá assim uma nova existência”
Na Grécia, a doutrina das vidas sucessivas é encontrada nos poemas órficos.
Orfeu e Homero exprimiram-na, a princípio, com o adjutório dessas duas harmonias celestes tomadas humanas: a música e a poesia. Orfeu, para inspirar seus cânticos, evocava constantemente o Espírito de Eurídice.
Plutarco, sacerdote no tempo de Apolo Pitico, afirmou que “aqueles que têm vivido várias existências virtuosas estão em condições de se elevarem ao estado de Espíritos puros e vêem-se visitados por outros Espíritos que os sustentam nas provações, uma vez que eles são geralmente perseguidos entre os homens”.
Sócrates e Platão, conforme se depara em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, eram apologistas da lei da reencarnação. Os gauleses também tinham a certeza de reviver em corpo e alma nos mundos que turbilhonam pelo infinito. A este respeito nutriam tão grande fé que uns aos outros emprestavam dinheiro para ser pago noutra esfera. A morte, para eles, era uma simples imigração.
Goddeu, em “Barddas”, afirma que o cântico do bardo Taliesino, célebre em toda a Gália, dizia: “Existindo, desde toda a antigüidade, no meio dos vastos oceanos, não nasci de um pai e de uma mãe, mas das formas elementares da Natureza, dos ramos da betula, do fruto das florestas, das flores das montanhas. Brinquei à noite; dormi pela aurora; fui víbora no lago, água nas nuvens, lince nas selvas. Depois, eleito por Gwyon (Espírito divino), Sábio dos sábios, adquiri a imortalidade. Bastante tempo decorrido fui pastor. Vaguei longamente sobre a Terra, antes de me tomar hábil na ciência. Enfim, brilhei entre os seres superiores. Revestido dos hábitos sagrados, empunhei a taça dos sacrifícios. Vivi em cem mundos; agitei-me em cem círculos”.
Entre os hebreus, os Essênios admitiam a preexistência e as vidas sucessivas da alma no corpo.
Na história do Cristianismo também encontramos vários testemunhos: Clemente de Alexandria e Gregório de Nice exprimem-se no mesmo sentido.
Este último expõe que “a alma imortal deve ser melhorada e purificada; se ela não fez isso na existência terrena, o aperfeiçoamento se operará nas vidas futuras e subseqüentes” (Grand Discours Catéchétique — III).
Orígenes, um dos mais eruditos doutores da Igreja, em “De Principii”, sustenta que as almas se purificam nas séries de existências, antes de merecerem admissão nos céus.
O Espiritismo, com base nos ensinamentos dos Espíritos e nos Evangelhos, tem a lei da reencarnação como um dos seus postulados fundamentais. A luz das vidas sucessivas a justiça divina se toma mais equitativa e mais justa, Deus nos é apresentado como Pai de justiça e de amor, e, como conseqüência, passa a ter lógica a recomendação de Jesus: “Sede perfeitos como perfeito é o Pai Celestial”, perfeição essa que somente é admissível quando se leva em conta a plural idade das existências do Espírito.
Paulo Alves Godoy
Livro: Os Padrões Evangélicos
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