“Eu sou o Caminho.”(1)
As vésperas da sua prisão no Getsêmani, o Mestre reuniu a pequena comunidade dos seus discípulos diletos, com desvelado carinho, revelando os ásperos testemunhos que os aguardavam, apontando as diretrizes do trabalho apostólico e consolando o coração aflito e temeroso dos seus seguidores.
Naquele momento, entregaria o Cristo aos homens a revelação inesquecível acerca da sua pessoa e missão: “Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. (1)
O emissário celeste, com vistas à implantação do Reino de Deus no mundo, estabelecia o sublime roteiro, consubstanciado no seu Evangelho de Amor.
A presença do Cristo no Orbe era prova de que o Céu descera à Terra, vencendo gigantesco abismo, para revelar e provar a bondade e a misericórdia infinitas de Deus. Pelo trabalho infatigável de suas mãos augustas, surgira para a Humanidade o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai. A comunhão da criatura com o Criador tornara-se uma realidade.
A comunidade cristã primitiva, incluindo os apóstolos, costumava utilizar em suas citações do Antigo Testamento uma versão grega, elaborada no século II A.C., conhecida como Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX).
Na Septuaginta, o vocábulo grego hodos (caminho) traduz a palavra hebraica derek (caminho).
No sentido comum, esse termo indica o lugar no qual se anda, dirige ou marcha. Porém, desde a Antiguidade, a expressão é empregada em sentido figurado, significando “medidas, procedimentos, o meio de atingir o alvo, o estilo e o modo de realizar algo”, ou ainda “o modo pelo qual se vive”.
Assim, hodos (caminho) pode significar os atos ou o comportamento dos homens, a forma como a vida é conduzida (Êxodo, 18:20). A vida como um todo, ou nos seus aspectos individuais, pode ser chamada “um caminho” (Salmos, 119:105; Isaías, 53:6).
Nesse contexto, a vida de uma pessoa pode ser qualificada de um modo positivo (Jeremias, 6:16; Provérbios, 8:20) ou de um modo negativo (Jeremias, 25:5; Provérbios, 8:13). O ponto de referência, no Antigo Testamento, para avaliar o caminho que o homem segue, é a vontade de Deus. Se o homem permite que a vontade Divina seja o fator determinante das suas ações, significa que anda no caminho de Deus.
Caso contrário, ele apenas segue um caminho que escolheu para si (Jeremias, 7:23-24), que é o “caminho dos pecadores” (Salmos, 1:1).
Por esta razão, os textos dos Profetas constituem um verdadeiro chamamento ao arrependimento dos maus caminhos (Jeremias, 25:5; Isaías, 55:7).
É nesse sentido que pode ser entendido o trabalho de João Batista como precursor, ou seja, aquele que prepara o caminho para Jesus, mediante o anúncio da vinda do Messias, e também, mediante o chamamento ao arrependimento.
Expressando esse ângulo do ensinamento, asseverou o Benfeitor Emmanuel:
Se o determinismo divino é o do bem, quem criou o mal?
– O determinismo divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal.
Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma a sua fragilidade em foco de ações contrárias a essa mesma lei, efetuando, desse modo, uma intervenção indébita na harmonia divina.
Eis o mal.
Urge recompor os elos sagrados dessa harmonia sublime.
Eis o resgate.
[...]
O Criador é sempre o pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os filhos transviados como incursos em vastas experiências.
Mas, como Jesus e os seus prepostos são seus cooperadores divinos, e eles próprios instituem as tarefas contra os desvios das criaturas humanas, focalizam os prejuízos do mal com a força de suas responsabilidades educativas, a fim de que a Humanidade siga retamente no seu verdadeiro caminho para Deus. (2)
Não é por outra razão que a expressão “andar nos caminhos do Senhor” significa, no Antigo Testamento, agir de acordo com a vontade de Deus, revelada em seus mandamentos, estatutos e ordenanças (1Reis, 2:3; 8:58).
A lei de Deus é chamada “o caminho do Senhor” (Jeremias, 5:4), e os Profetas se esforçam para convencer as pessoas da necessidade de sua observância, porque Israel sucumbe, vezes sem conta, à tentação de evitar as admoestações Divinas (Êxodo, 32:8; Malaquias, 2:8). Considerando-se as enormes dificuldades encontradas para manter-se fiel aos desígnios divinos, pode-se entender a euforia do salmista: “Guardei os caminhos do Senhor” (Salmos, 18:21).
Nessa linha interpretativa, Emmanuel assim se expressa:
A vida deveria constituir, por parte de todos nós, rigorosa observância dos sagrados interesses de Deus. (3)
É por essa razão que vemos o Messias coroando sua obra com o sacrifício extremo, tomando a cruz da ignomínia sem uma queixa, deixando-se imolar, sem qualquer reprovação aos seus algozes. Do cimo do madeiro, exemplificava a sua fidelidade a Deus, aceitando serenamente os desígnios do Céu, em testemunho sublime do seu inexcedível amor pelos rebeldes tutelados.
Na hora sombria da cruz, caminha humilde, coroado de espinhos, ensinando a renúncia por amor ao Reino de Deus, revelando à Humanidade o caminho da redenção.
Emmanuel, enfocando essa nuance do ensino, relata:
A localização histórica de Jesus recorda a presença pessoal do Senhor da Vinha. O Enviado de Deus, o Tutor Amoroso e Sábio, veio abrir caminhos novos e estabelecer a luta salvadora para que os homens reconheçam a condição de eternidade que lhes é própria. (4)
Por fim, no Evangelho de João, a palavra hodos (caminho) se aplica à pessoa de Jesus, de modo sem igual no Novo Testamento. O discípulo amado registra para a posteridade as suaves exortações do Senhor, nos últimos instantes de sua presença física entre eles.
Mais uma vez, Emmanuel esclarece o tema:
Jesus é o nosso caminho permanente para o Divino Amor.
Junto dele seguem esperançosos, todos os espíritos de boa vontade, aderentes sinceros ao roteiro santificador.
Dessa via bendita e eterna procedem as sementes da Luz Celestial para os homens [...](5).
Não podemos nos esquecer.
HAROLDO DUTRA DIAS
Reformador Abril 2009
(1)Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 14:6, p. 1879.
(2)XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Q. 135.
(3)Idem. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 21.
(4)Idem, ibidem. Cap. 133, p. 282.
(5)Idem. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 25.
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