quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A SÍNDROME DE MARTA


 Lucas, 10: 38-42.
A perto de três quilômetros de Jerusalém, na estrada de Jericó, existe, ainda hoje, a cidade de Betânia, cenário de algumas passagens evangélicas.
Ali, segundo Lucas (24:50), Jesus ter-se-ia despedido dos discípulos, retornando à Espiritualidade, após conviver com eles durante quarenta dias, materializado.
Em suas andanças, sempre que ia a Jerusalém, Jesus visitava, em Betânia, os irmãos Lázaro, Marta e Maria, seus amigos.
Lázaro protagonizaria o famoso episódio da suposta ressurreição, quando Jesus o retirou do túmulo. É o evangelista João quem informa que os irmãos moravam no lugarejo (11:1).
Numa de suas visitas, o Mestre conversava com os discípulos.
Maria conservava-se aos seus pés, ouvindo atentamente, embevecida com sua palavra mansa e envolvente.
A presença de Jesus em sua casa constituía maravilhosa oportunidade de edificação, que sua alma sensível não desejava perder.
Marta, atarefada e nervosa, ia e vinha, no desenvolvimento de  rotineiras tarefas domésticas, que podiam ficar para depois, incapaz de aproveitar o glorioso momento.
Imaginemos uma família recebendo a visita de Chico Xavier. Reúnem-se todos ao redor do grande médium, menos a dona da casa.
– Não posso! É dia de faxina...
Era mais ou menos isso que Marta fazia.
Exasperava-se com a irmã. Inaceitável que estivesse a negligenciar as tarefas do lar.
Em dado instante, não se conteve.
Aproximou-se e reclamou, numa atitude indelicada, bem própria de quem fala o que pensa, sem pensar no que fala:
– Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só no serviço? Diz-lhe, pois, que me ajude.
Podemos imaginar o constrangimento dos presentes, ante aquela manifestação intempestiva.
Mas, exercitando o dom maravilhoso de converter as situações mais delicadas e difíceis em ensejo para transmitir valiosas lições, Jesus fitou compassivo a impertinente hospedeira e respondeu, delicadamente:
– Marta, Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária... Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.
Variados problemas de relacionamento que enfrentamos nascem do excessivo envolvimento com situações transitórias, a exacerbada preocupação com a vida material.
Justo e meritório o cuidado da dona-de-casa com a limpeza e a ordem, no lar. Mas, se ultrapassa os limites do razoável, conturba-se o ambiente.
Ralha com a doméstica, porque não passou aspirador de pó num cantinho da sala...
Discute com o marido, porque não pendurou a toalha de banho...
Irrita-se com os filhos porque seus quartos não estão em ordem...
Fica uma fera quando não lhe atendem às exigências.
Lar impecável – regime de quartel...
Os familiares podem levar na esportiva:
– O sargento está impossível!
Não raro se irritam, turvando o ambiente.
Algo semelhante ocorre com o chefe da casa.
Louvável seu esforço em atender à subsistência da família.
Entretanto, quando avança em demasia, além do razoável, cai na ambição, sentimento que germina com facilidade no coração humano, adubado pelo egoísmo.
Empenhado em seus propósitos, poderá prosperar materialmente, mas com graves prejuízos no relacionamento com as pessoas.
Será o chefe exigente...
O pai sem tempo para os filhos...
O cônjuge distante...
O companheiro difícil, duro de engolir!
Justificará diálogos assim:
– E o marido?
– Viajou.
– E com vocês, tudo em ordem?
– Tudo ótimo.
– Algum problema?
– Nenhum! O problema viajou...
– Marta, Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
Há uma síndrome de Marta afetando multidões, pessoas excessivamente preocupadas com a subsistência, com a compra de um automóvel, com a construção de uma casa, com o futuro da família, com a limpeza do lar, com os negócios...
Apegam-se a situações efêmeras e bens transitórios.
Perturbam-se facilmente, desgastam-se por nada...
Vivem estressadas, neuróticas, inquietas, irritadas, abrindo campo a desajustes físicos e psíquicos.
– No entanto, uma só é necessária... Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada!
Qual a melhor parte da vida?
Para responder é preciso definir o que fazemos na Terra.
Qual a finalidade da jornada humana?
O Espiritismo revela que estamos aqui como alunos num educandário, convocados ao aprendizado das leis divinas. Isso envolve o aprimoramento espiritual, a aquisição de virtudes, o desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras.
Escolhem a melhor parte as pessoas que orientam suas ações em direção a esses objetivos, alunos aplicados e diligentes.
Desapegam-se dos interesses do mundo.
Conscientizam-se de seus deveres diante de Deus e do próximo.
Abrem espaço em seu cérebro para os valores espirituais...
Abrem espaço em seu coração para as virtudes cristãs...
Adquirem valores imperecíveis de sabedoria e virtude, que constituirão sua riqueza inalienável, a lhes garantir bem-estar onde estiverem, na Terra ou no Além.
Condição sine qua non, indispensável ao cultivo da melhor parte:
Simplificar.
Imperioso que coloquemos acima de tudo a edificação de nossa alma, buscando os valores mais nobres.
Sem esse esforço, estaremos simplesmente perdendo tempo, complicando a jornada e acumulando moedas de ilusão que serão irremediavelmente confiscadas quando a Morte conferir nossa bagagem, na alfândega do Além.
Lá chegaremos a mendigar paz, em amargos desenganos.
Importante ressaltar que a edificação de nosso espírito não só abençoará nosso futuro, como também dará estabilidade ao nosso presente.
Buscando a melhor parte seremos capazes de conviver melhor com as pessoas, em âmbito doméstico, social e profissional...
Buscando a melhor parte saberemos resolver problemas, enfrentar dificuldades, superar obstáculos e atravessar os períodos difíceis, sem irritações, sem inquietude, capazes de fazer sempre o melhor...
Menos para Marta.
Mais para Maria!
Em O Sermão da Montanha Jesus já destacara esse tema, recomendando-nos que não nos preocupemos demasiadamente com a nossa vida.
Que busquemos em primeiro lugar o Reino de Deus, a se exprimir no esforço do Bem e da Verdade, e tudo o mais nos será dado por acréscimo.
Ajuda, também, e muito, cultivar alegria.
Se formos capazes de rir um pouco de nossos temores e dúvidas, eles tenderão a dissolver-se, evitando preocupações desajustantes.
A propósito vale lembrar um texto bem-humorado, onde o autor (infelizmente não tenho o seu nome) explica por que não devemos nos preocupar:
Há somente duas coisas com que você deve se preocupar:
Ou terá sucesso ou será malsucedido.
Se tiver sucesso, não terá com que se preocupar.
Se for malsucedido, há somente duas coisas com que se preocupar:
Ou você manterá a saúde ou ficará doente.
Se mantiver a saúde, não terá com que se preocupar.
Se ficar doente, há somente duas coisas com que se preocupar:
Ou você sarará ou morrerá.
Se sarar, não terá com que se preocupar.
Se morrer, há somente duas coisas com que se preocupar:
Ou você irá para o céu ou irá para o inferno.
Se for para o céu, não terá com que se preocupar.
Se for para o inferno, estará tão ocupado cumprimentando velhos amigos, que não terá tempo para se preocupar.
Lembre-se:
Preocupar-se é se pré-ocupar com algo que ainda não aconteceu.
Portanto, relaxe!

RICHARD SIMONETTI


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